22 de janeiro, de 2020 | 09:00

Candidaturas independentes devem voltar à pauta do STF

Recurso de duas pessoas que tentaram se candidatar a prefeito e vice-prefeito do Rio de Janeiro, em 2016, chegou ao Supremo

Wôlmer Ezequiel / Arquivo DA
Pedidos feitos em 2016 visavam candidaturas avulsas, sem ligação com legendasPedidos feitos em 2016 visavam candidaturas avulsas, sem ligação com legendas

MDB, PSDB, PT, Cidadania, PSL, DEM, Solidariedade ou nenhum deles. Ainda no primeiro semestre, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve votar o processo que pode resultar na liberação de candidaturas avulsas, sem necessidade de filiação a um partido político. A informação foi dada pelo ministro Luís Roberto Barroso no fim do ano passado, e trará à tona uma discussão que tem se arrastado há algum tempo.

Barroso é relator do recurso de duas pessoas que tentaram se candidatar a prefeito e vice-prefeito do Rio de Janeiro em 2016. Eles tiveram o pedido negado pela Justiça Eleitoral, à época, por não terem filiação a nenhum partido político. Ambos perderam em todas as instâncias e o processo chegou ao STF. Agora, uma decisão do Supremo atingiria os demais processos neste sentido. Para o especialista em Advocacia Pública e Direito Eleitoral, Davi Oliveira Costa, o tema é interessante, pelo fato que o Brasil está num grupo de 10% de países que não admitem candidatura sem partido.

Para o advogado, a discussão nunca antes esteve com tanta evidência depois da redemocratização. “Os pedidos foram negados pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, em primeira e em segunda instância, e também pelo Tribunal Superior Eleitoral. O caso chegou ao Supremo. De início, no STF, o ministro Barroso colocou em votação a repercussão geral do tema, que foi aprovada. Isso significa que a decisão que o STF adotar, nesse caso concreto, valerá para todos os semelhantes no Brasil”, aponta.

No dia 9 de dezembro do ano passado, o ministro Barroso promoveu uma audiência pública para tratar sobre o tema, na qual o STF recebeu diversos órgãos, instituições, partidos políticos e representantes de movimentos sociais, assim como personalidades políticas e especialistas do Direito Eleitoral e da Ciência Política para tratar sobre o tema. A expectativa é que o processo seja colocado em pauta de julgamento no STF ainda no primeiro semestre de 2020. Davi Oliveira Costa pontua que uma decisão judicial que permita candidaturas avulsas no Brasil seria uma mudança drástica.

Ele esclarece que é preciso deixar um aspecto bastante claro nesse debate. Uma coisa é defender a candidatura avulsa, outra coisa é discutir a forma com que esse tipo de candidatura pode ser viabilizada. Do ponto de vista jurídico, a Constituição da República é clara ao exigir a presença de filiação partidária para que o cidadão seja candidato. Com isso, o constituinte privilegiou os partidos políticos como instituições indesviáveis no processo eleitoral.

“Aqueles que defendem uma decisão judicial em prol da candidatura avulsa, normalmente recorrem ao Pacto de São José da Costa Rica, que não lista a filiação partidária como um requisito para exercício da cidadania. Ocorre que aquele pacto, em nosso ordenamento jurídico, tem status supralegal, com hierarquia inferior às normas constitucionais. Então, não teria condição de suprimir a exigência de filiação partidária. Entendo que o local adequado para a discussão das candidaturas avulsas não é o poder Judiciário, mas o Legislativo, por meio de emenda constitucional”, opina.

Monopólio

O operador do direito acredita que não se pode deixar de considerar os prejuízos causados pelo monopólio partidário. Ele aponta que os partidos são protagonistas de uma grave crise de legitimidade e representação que assola os sistemas democráticos no mundo todo. No entendimento de Davi Oliveira não é incomum notar partidos com atuação voltada como um fim em si, e não como um intermediário confiável entre a sociedade e o estado.

“Além disso, são poucos os partidos que apresentam arranjo interno realmente democrático e participativo. Decisões importantes, como a escolha de quem é candidato e quem não é, podem ser tomadas por grupos seletos de altos dirigentes partidários, sem participação da massa de filiados e da sociedade. Com isso, o cidadão que deseja se candidatar e levar novas ideias às instâncias de poder pode se ver obrigado a se submeter à burocracia partidária para tentar viabilizar sua candidatura, ainda que não deseje se filiar a partido algum, e ainda que o partido não lhe dê oportunidade”, salienta Davi.

Divergência acerca do tema

Ao longo da audiência pública promovida pelo ministro do STF, muitos expositores alegaram dificuldades operacionais, alegando, entre outros argumentos, que isso prejudicaria os partidos e viabilizaria candidatos avessos às ideias republicanas e democráticas. Contudo, o advogado Davi Costa salienta que os expositores deixaram de considerar a realidade de diversos países que admitem a candidatura sem partido. Os Estados Unidos, por exemplo, que têm grande tradição partidária, permitem candidaturas avulsas.

Davi Oliveira observa que as mudanças seriam benéficas, porque se os partidos não detiverem mais o monopólio das candidaturas, teriam que se adaptar e melhorar, para serem mais atrativos aos olhos de potenciais candidatos. “Vale destacar que muitos veem a candidatura independente do ponto de vista individual de um cidadão que não quer se filiar, mas há um potencial enorme nas candidaturas avulsas em permitir que grupos oprimidos, sub representados e movimentos sociais lancem candidatos. Movimentos feministas, movimento negro, comunidades indígenas, grupos LGBTQI+, dentre outros, seriam beneficiados pela possibilidade de lançar candidatos sem o ônus de terem que se organizar no formato de partido político. Em resumo, defender a candidatura sem partido não é defender que isso seja feito por meio de decisão judicial”, conclui. (Repórter - Bruna Lage)
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