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20 de janeiro, de 2020 | 15:45

Por que existe inflação no Brasil?

William Passos *

“Piora na qualidade do consumo significa o corte das despesas”

“Vivemos numa economia de mercado, organizada, predominantemente, a partir de preços livres”

“Um sistema de preços livres também permite os ajustes dos preços pelo equilíbrio entre oferta e procura”

A inflação oficial de 2019, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculada pelo IBGE, foi divulgada na quinta-feira, dia 9/1, e ficou em 4,31%. Além do IPCA, que abrange as residências com renda de 1 a 40 salários mínimos, o IBGE também é responsável pelo cálculo do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que calcula a inflação das famílias mais pobres, com ganhos de 1 a 5 salários, e que serve de referência para o reajuste anual do salário mínimo. O INPC de 2019 foi calculado em 4,48%, o que significa que a inflação das famílias mais pbres foi superior àquela do conjunto das famílias brasileiras.

Em ambos os casos, a inflação é calculada a partir da variação dos preços de um conjunto (cesta) de produtos e serviços consumidos pela população. Esse conjunto é definido pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, que verifica o que a população brasileira consome e quanto do rendimento familiar é gasto em cada produto, como, por exemplo, arroz, feijão, carne, passagem de ônibus, material escolar, médico, cinema, entre outros. Dessa forma, os índices levam em conta não apenas a variação de preço de cada item, mas também o peso que cada um deles tem no orçamento das famílias (estatisticamente, família é igual a residência; quem mora sozinho, forma uma família de uma pessoa só). Para permitir a comparação com a inflação de outros países, o IBGE adota parâmetros estatísticos utilizados internacionalmente.

É importante destacar que cada pessoa ou família tem uma inflação pessoal. O IBGE calcula a cesta de compras média da população brasileira. Por isso, se a sua cesta de compras, isto é, os produtos e serviços que você consome regularmente, for diferente da cesta média da população do país, o seu índice pessoal de inflação poderá ser maior ou menor do que o IPCA.

Além do IPCA e do INPC, outro importante índice inflacionário é o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e formado por três outros índices que medem os preços por atacado (IPA-M), os preços ao consumidor (IPC-M) e os preços da construção civil (INCC). O IGP-M é utilizado como referência para os reajustes dos preços dos aluguéis, planos de saúde, escolas e faculdades particulares e das tarifas públicas (água, luz e passagem de ônibus, por exemplo). No ano passado, o IGP-M fechou em 7,32%.

Devido às divergências nas metodologias de cálculo, o IGP-M, que reajusta os lucros de algumas rendas do capital, costuma ser sempre superior ao IPCA, que é a base do reajuste dos trabalhadores assalariados. Dessa forma, com o passar do tempo, os salários não conseguem acompanhar o aumento dos custos de alguns dos mais importantes componentes dos orçamentos familiares, gerando o aumento da desigualdade de renda e, consequentemente, o empobrecimento, sobretudo, dos trabalhadores mais pobres.

Mas, então, por que existe inflação no Brasil? Inflação é o aumento generalizado dos preços de uma economia, por “contaminação”. Se o tomate, o arroz, a carne, a gasolina e a conta de luz subirem, mas os preços dos demais produtos e serviços permanecerem estáveis, não se pode dizer que está ocorrendo um surto inflacionário. Para que esse ocorra, como dito, é preciso que, pelo menos, a maioria dos preços da economia esteja subindo, a ponto de ocorrer uma piora na qualidade do consumo tanto das famílias mais pobres quanto daquelas de classe média. Piora na qualidade do consumo significa o corte das despesas, especialmente a partir da substituição de produtos essenciais do dia a dia por marcas mais baratas e o corte de supérfluos (aquelas compras não tão essenciais), podendo ocorrer também, a depender do perfil de consumo da família, pela redução da conta de água e luz, a substituição do uso do carro pelo transporte público, a transferência dos filhos para uma escola mais barata ou uma escola pública e, em alguns casos, até o atraso proposital no pagamento de algumas contas.

Existe inflação no Brasil porque vivemos numa economia de mercado, organizada, predominantemente, a partir de preços livres, ou seja, quem vende tem o direito de estabelecer o preço que quiser sobre o seu produto ou serviço. Além de um equivalente geral, que ajuda a compreender quanto uma mercadoria vale em comparação ao dinheiro ou a outra mercadoria (uma mercadoria que custa 10 reais, vale duas mercadorias que custam 5 reais), o sistema de preços também funciona como um importante e eficiente mecanismo de comunicação, indicando onde existe a escassez de produtos ou os excessos de oferta. Quando há escassez, os preços ficam mais caros. Quando há excesso de oferta, ficam mais altos. A presença de um sistema de preços livres também permite os ajustes dos preços pelo equilíbrio entre oferta e procura (quando a procura aumenta, os preços sobem e quando baixa, os preços caem).

Além dos preços livres, na nossa economia de mercado há, ainda, os preços administrados, isto é, aqueles tabelados pelo governo. Nesse caso, os preços são altamente controlados e só podem subir com autorização do governo. São exemplos de preços administrados as tarifas dos serviços públicos (transporte, água e luz), os serviços concessionados (como os pedágios das rodovias) e os planos de saúde. Ainda assim, o governo autoriza reajustes anuais de muitos desses preços em valores superiores aos do salário mínimo. Até a quebra do monopólio da Petrobras, quando a estatal detinha o controle do poço ao posto, os preços da gasolina também eram administrados no Brasil. Hoje, porém, estão atrelados ao dólar e ao barril de petróleo no mercado internacional, o que faz com que os preços da gasolina, embora livres e regulados pela oferta e procura, sejam definidos, na verdade, por acontecimentos no exterior, os quais não temos controle, conforme mencionei na coluna “Por que a gasolina pode ficar ainda mais cara?”, publicada dia 7/1/2020.

Mas por que alguns preços da nossa economia são administrados pelo governo? Porque existem alguns produtos e serviços cujos preços atingem fortemente o conjunto da economia e as pessoas mais pobres. Energia elétrica, por exemplo, representa um importante custo de muitas empresas e impacta fortemente o orçamento das famílias de menor renda. No caso das empresas, quando o custo da energia se torna alto demais, elas se veem obrigadas a repassar esse custo para as mercadorias que vendem, encarecendo seus preços. Quando esse repasse de custos alcança grandes proporções, pode acabar ocorrendo um aumento generalizado de preços, gerando mais inflação. É a denominada inflação de custos. É por isso que um recurso muito utilizado pelos governos para garantir o controle dos preços administrados é o subsídio (quando o governo paga ou deixa de arrecadar tributos para garantir preços mais baixos). Em muitas cidades, as passagens de ônibus são subsidiadas pelas prefeituras. Em alguns casos, a prefeituras pagam parte do valor das passagens. Em outros, baixam os impostos ou deixam de cobrá-los para garantir que as passagens não aumentem, abrindo mão da própria arrecadação. É a chamada renúncia fiscal.

Não à toa, em junho de 2013, o reajuste de 20 centavos nas tarifas de ônibus da cidade de São Paulo desencadeou uma onda de manifestações que se espalhou por todo o país e que ficou conhecida como Jornadas de Junho. Na próxima coluna, continuaremos a falar sobre inflação. Vamos aprender quais são os tipos de inflação e de que forma ela diminui o valor de compra do dinheiro. Não perca!

* Geógrafo, doutorando pelo IPPUR/UFRJ e colaborador do Jornal Diário do Aço. Email: [email protected]
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