13 de janeiro, de 2020 | 15:00

Por que os juros no Brasil são tão altos?

William Passos *

“Os bancos dividem os cidadãos brasileiros em: investidores, bons pagadores e possíveis caloteiros”

Desde o dia 6 de janeiro, por determinação do Conselho Monetário Nacional (CMN), autoridade máxima do nosso sistema financeiro, os bancos estão impedidos de cobrar juros acima de 8% ao mês, no cheque especial. Trata-se de uma modalidade que representa um saldo devedor (empréstimo) automático disponibilizado pelos bancos nas contas de seus clientes. O valor pode ser usado sempre que não houver dinheiro suficiente para o pagamento de contas, cheques ou saques em dinheiro. Em novembro do ano passado, mês da decisão, bancos cobravam, em média, 12,4% ao mês (306,6% ao ano) dos correntistas que utilizavam o saldo devedor de suas contas. O objetivo da decisão seria o de forçar a queda pela metade dos juros cobrados pelos bancos.

Os bancos dividem os brasileiros em três categorias de cidadãos. A primeira é a dos investidores, formada pela minoria endinheirada com recursos suficientes para investir pelo menos 100 mil reais em aplicações. Esses clientes pagam as menores tarifas pelos serviços bancários e gozam de privilégios na cobrança de juros. Em alguns casos, correntistas com renda mensal superior a 10 mil reais por mês já começam a ser inseridos nesse grupo por serem considerados potenciais investidores no futuro.

A segunda categoria é a dos bons pagadores, formada por pessoas com bens e renda mensal fixa garantida até o fim da vida, caso dos aposentados, pensionistas, servidores públicos estáveis e militares, por exemplo. Há casos em que os bancos também inserem nesse grupo pessoas fora dessa situação, mas com renda mensal acima de 3 ou 4 mil reais, após avaliação individual do perfil. Essas pessoas pagam tarifas intermediárias e podem ser beneficiadas pelos empréstimos consignados, por exemplo, que são aqueles com desconto no contracheque e as tarifas mais baixas do mercado no empréstimo pessoal.

Por sua vez, a terceira categoria de cidadãos é a dos prováveis caloteiros, ou seja, o restante da população sujeita à demissão ou à falência da empresa ou mesmo desempregada, trabalhando na informalidade, sem renda ou sem possibilidade de comprovar uma renda mensal para o resto da vida. Essas pessoas são consideradas incapazes de fazer investimentos atraentes aos bancos, além de oferecerem alto risco de não pagarem o que devem. A estas, os bancos reservam os juros mais altos e as maiores dificuldades de acesso a serviços, incluindo empréstimos.

Por razões históricas, os juros têm uma fortíssima ligação com a inflação no Brasil. Entre janeiro de 1980 e julho de 1994, quando foi implementado o Plano Real, que, após várias tentativas fracassadas, finalmente conseguiu estabilizar os preços da nossa economia, o Brasil acumulou uma inflação de mais de 11 trilhões por centro (11.253.035.454.003,090%). No auge do processo inflacionário, inclusive, chegou a haver uma aplicação que conseguia rendimentos apenas entre a noite anterior e a manhã do dia seguinte, a overnight. Em meio a este cenário, os bancos descobriram que era possível lucrar com a altíssima inflação a partir da cobrança de juros indecentes, prática que mantiveram mesmo com a inflação em menos de dois dígitos (menos de 10%) após o Plano Real. No dia 9 de janeiro, o IBGE divulgou a inflação oficial de 2019, o IPCA: 4,31%. É por isso que o Brasil é o país onde os bancos auferem os maiores lucros do planeta. Ainda assim, os bancos permanecem cobrando de pessoas físicas e empresas juros proporcionalmente equivalentes às da época da hiperinflação.

Segundo dados do Banco Central, os cinco maiores bancos do país (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander) concentram cerca de 82% dos ativos (investimentos) totais do segmento bancário comercial, 85% das operações de crédito (empréstimos) e 84% dos depósitos totais. Este elevadíssimo grau de concentração do mercado bancário (chamado oligopólio, quando mercado é dominado por poucas empresas) é outro importante determinante dos juros estratosféricos cobrados no Brasil.

É importante destacar, porém, que apesar da divisão dos brasileiros em três categorias de clientes, os bancos calculam a cobrança de juros individualmente. Por isso, essas instituições oferecem, na prática, para grandes empresários e fazendeiros, servidores públicos estáveis, militares, aposentados e pensionistas, juros mais próximos ao dos títulos da dívida do governo federal, a taxa Selic (o governo vende esses títulos quando precisa de dinheiro e paga os juros no futuro, quando resgata). Atualmente, a Selic está em 4,5% e tem relação direta com a inflação e com os juros cobrados pelos bancos. Quando a inflação sobe, o governo aumenta a Selic e os bancos tendem, por isso, a subir rapidamente seus juros. Já quando a inflação cai, o governo baixa a Selic, só que os bancos demoram mais para baixar seus juros. E quando baixam, dificilmente é na mesma proporção que a queda da Selic.

O principal argumento apresentado pelos bancos para a cobrança de juros tão altos no Brasil é o elevado custo do spread bancário, que é a diferença entre o que o banco gasta pegando dinheiro emprestado e o que o banco lucra oferecendo um empréstimo. Para compensar, os bancos emprestam dinheiro cobrando juros mais caros do que os juros que pagam quando pegam dinheiro emprestado. O problema é que os bancos alegam que o custo do spread varia individualmente de cliente para cliente, mas não divulgam a fórmula do cálculo que utilizam para cobrar os juros de cada consumidor. Mantêm essa fórmula em segredo. Por que será?

O segundo argumento apresentado pelos bancos é o risco de não receberem de volta o dinheiro emprestado. Este risco, porém, pode ser medido pela taxa de inadimplência, calculada pelo Banco Central. Inadimplência é o atraso nos pagamentos superior a 90 dias. Até 90 dias não é considerado inadimplência, apenas atraso. O problema é que, quando a inadimplência dos brasileiros cai, os juros cobrados pelos bancos são mantidos no mesmo patamar. Então, qual a solução?

A solução é óbvia e passa, basicamente, pela quebra do poder dos cinco grandes bancos, abrindo o mercado para bancos menores concorrerem; pela exigência de transparência no cálculo do spread bancário; e pela mudança nas regras de cobrança dos empréstimos, inibindo cobranças abusivas. E por que nada disso foi feito até hoje, se isso seria bom para os brasileiros? Por que não interessa aos bancos. O faturamento deles poderia diminuir. Os bancos formam o grupo econômico mais poderoso do país, com influência nas principais instituições que comandam a nossa política econômica. O atual ministro da economia, por exemplo, Paulo Guedes, é sócio fundador do BTG Pactual, atualmente o 7º maior banco em atuação no Brasil e que só vêm crescendo. Num país sério, isso é considerado corrupção. Nesse tipo de país, tráfico de influência e conflito de interesses são moralmente tão graves quanto desvio de dinheiro público. Por isso deixo a conclusão para o leitor e finalizo com um desejo de ano novo: que em 2019 você cuide do seu dinheiro e dos seus interesses seguindo o exemplo dos bancos! Inflação será o assunto da nossa próxima coluna, não perca!

* Geógrafo, doutorando pelo IPPUR/UFRJ e colaborador do Jornal Diário do Aço. Email: [email protected]
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