02 de janeiro, de 2020 | 16:30

Já estamos ou não numa nova década?

William Passos *

“Para a padronização internacional, o período oficial de uma década inicia-se quando o ano termina em 0 e acaba quando o ano termina 9”

“Não se deve confundir o período de tempo das décadas com o dos séculos e o dos milênios”

Uma confusão tomou conta das mídias sociais, infelizmente, sem um esclarecimento técnico: no começo de dezembro, um usuário no Twitter perguntou à Real Academia Espanhola - RAE (a Academia de Letras da Espanha) se a próxima década começava no dia 1º de janeiro de 2020 ou 2021. Baseada na contagem matemática ocidental moderna, a RAE respondeu que a nova década começaria em 2021 porque "cada década começa em um ano acabado em 1 e termina em um ano acabado em 0".

Entretanto, nossa contagem do tempo toma como ponto de partida o calendário gregoriano, aquele que utilizamos atualmente, com 12 meses, 365 dias e um ano bissexto a cada quatro anos, com 366 dias e o dia 29 em fevereiro. Muita gente não sabe, mas este calendário foi instituído em 1582 pelo Papa Gregório XIII (1502–1585) para corrigir o calendário juliano, implantado ainda na Roma Antiga por Júlio César (100–44 a.C.) em 46 a.C.

O grande detalhe do calendário juliano é a ausência do algarismo zero, desconhecido pelos romanos. Foram os árabes, a partir do século VIII, que levaram o zero para a Europa, criado pelos indianos para representar a ideia de vazio, nulo ou inexistente. É por isso que na divisão do calendário juliano adotada a partir de 380, quando o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano por meio de um decreto do Imperador Teodósio (347–395), o ano 1 antes de Cristo (1 a.C.) pula para 1 depois de Cristo (d.C.). Como não houve a inclusão do ano zero entre 1 a.C. e 1 d.C. na contagem do tempo reiniciada pelo calendário gregoriano, esta “lacuna”, portanto, foi “herdada” no nosso calendário.

Ao basear-se na contagem matemática para responder ao usuário do Twitter, a RAE ignorou a ISO 8601, a padronização internacional para a representação de datas e horas, criada pela ISO (International Organization for Standardization – Organização Internacional para Padronização, em tradução literal). Nela é utilizado o sistema astronômico de numeração do ano calendário, que sempre tem início no ano 0.

Para a ISO 8601, o ano 1 a.C. no calendário gregoriano corresponde, na verdade, ao ano 0, enquanto o ano 1 corresponde a 1 d.C. Assim, pelas normas da ISO, oficialmente uma década se define por um conjunto de 10 anos a partir de um ano cujo número é completamente divisível por 10. Na prática, isso significa que o intervalo entre os anos 2000 e 2009 constituiu uma década (a década de 2000), do ano 2010 a 2019 outra década (a década de 2010) e que de 2020 a 2029 haverá outra década (a década de 2020).

Dessa forma, cabe esclarecer que, se para a gramática da língua portuguesa, década (como usado no Brasil) ou decênio (utilizado em Portugal) significa um período qualquer de 10 anos, independentemente do seu início (2015–2015 pode corresponder a uma década, por exemplo), para a padronização internacional de representação de datas e horas, isto é, a ISO 8601, que deve ser seguida internacionalmente por especialistas, técnicos, pesquisadores e cientistas, o período oficial de uma década inicia-se quando o ano termina em 0 e acaba quando o ano termina 9. Contudo, não se deve confundir o período de tempo das décadas com o dos séculos e o dos milênios, cuja definição não é atribuição da ISO. Nesse caso, por concordância internacional dos historiadores, séculos e milênios terminam sempre em 0, em respeito aos calendários gregoriano e juliano.

* Geógrafo, especialista em Ensino de Geografia, doutorando pelo IPPUR/UFRJ e colaborador do Jornal Diário do Aço. Email: [email protected]