24 de dezembro, de 2019 | 16:00

Crônica de Natal

Vinícius Siman *

Imaginem: numa sociedade distópica (nada como a nossa) nasce, há milhares de anos, alguém muito importante. Esse alguém vem ao mundo em condições de pobreza extrema, numa manjedoura, rodeado de bichos e ladeado pelo frio deserto da Judeia. Esse menino cresce. Esse menino se revolta contra o sistema e é violentamente morto.

Mais de dois mil anos depois, a história desse menino e desse homem torna-se a história mais importante de todos os tempos, com bilhões de pessoas que se comovem tanto com seu nascimento quanto com sua morte. Essa mesma sociedade que, por onde se olha, encontra-se um símbolo que remete à história desse menino e homem, continua relegando milhões de meninos à pobreza extrema e homens à violência brutal e à injustiça.

Isso significa que essa sociedade é violenta, sanguinária, imoral. Significa que essa sociedade gosta de heróis, mas só depois de mortos. Tudo se repete todos os dias. O Cristo segue nascendo sem onde ficar e morrendo com crueldade.
Lembro-me dum conto de Augusto Monterroso, que traduzo livremente e transcrevo na íntegra: “Num país longe daqui existiu, há muitos anos, uma ovelha negra. Foi fuzilada.

Um século depois o rebanho arrependido erigiu uma estátua equestre em sua homenagem, que ficou lindíssima no parque.

Assim, sucessivamente, sempre que apareciam ovelhas negras, eram rapidamente passadas pelas armas pra que as futuras gerações de ovelhas comuns e corriqueiras pudessem exercitar-se também na escultura”.

De que serviu o Cristo ter vindo ao mundo? De que serviu sua morte? Penso que ele perdeu seus dias de vida tentando mudar a humanidade. Não melhoramos em nada, nem melhoraremos. Continuaremos os mesmos monstros de sempre, matando os heróis de nossa época pra que sejam celebrados em épocas vindouras.

Enquanto houver uma Pietà, enquanto existir um presépio se repetindo no mundo, ninguém nunca poderá dizer que aprendeu com a vinda do Cristo. Nunca ninguém terá consciência limpa pra afirmar que segue o Salvador.

* Escritor e crítico literário ipatinguense. Tem dez livros publicados. E-mail: [email protected]
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Comentários

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Vag

28 de dezembro, 2019 | 07:38

“Não acho que se revoltou com o sistema. Primeiro ele amou, amou muito e a consequência desse amor, que já não fazia parte daquele modo de viver, teve como consequência a morte. Mas sim, ele travou uma batalha contra o sistema religioso de seu tempo, pq não sabiam mais amar livremente e gratuitamente.”

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