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18 de dezembro, de 2019 | 14:30

Governos passam, o Mercosul fica

Thiago Assunção *

"Os governantes do continente precisam aprender a distinguir Estados de governos"

O Mercosul nasceu da reaproximação entre Brasil e Argentina, ao fim das ditaduras militares. Até então, predominava a rivalidade, ao ponto de os argentinos acharem que o Brasil estaria escondendo um programa de armas nucleares. Os Presidentes Sarney e Alfonsín selaram um acordo, no final dos anos 80, que colocou fim à desconfiança recíproca.

Com o Tratado de Assunção (1991), que incluiu Paraguai e Uruguai, os quatro países se tornaram grandes parceiros comerciais. As trocas de produtos entre eles se multiplicaram por nove, e isso beneficiou e muito o Brasil. Na relação com a Argentina, nosso terceiro maior parceiro comercial, o país manteve constantes superávits nos últimos dez anos.

Mas o Mercosul é muito mais do que comércio. Em 1998 foi adotado o Protocolo de Ushuaia sobre democracia. O objetivo é proteger os países membros de rupturas democráticas, ao possibilitar a suspensão daqueles que não respeitem o estado democrático de direito. Em 2007, para reduzir as assimetrias e melhorar a infraestrutura regional, foi criado o FOCEM - Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul. Já foram investidos US$ 1,4 bilhão em mais de 40 projetos nas áreas de transporte, saneamento, energia, saúde e moradia.

O Mercosul também beneficia diretamente as pessoas. É possível obter uma residência temporária em outro país membro, bastando não ter antecedentes criminais. Essa medida facilita a circulação de pessoas, inclusive muitos brasileiros que estudam, trabalham ou fazem negócios com os vizinhos. Para se fazer turismo, basta apresentar o RG. Ainda, quem trabalha em qualquer país do Mercosul tem acesso à seguridade social, o que possibilita contabilizar tempo de serviço para a aposentadoria.

Ademais, foi criado um sistema de acreditação de cursos superiores. Tentou-se criar também um sistema de mobilidade acadêmica. Nesse sentido, penso que se avançou pouco, o que é uma lástima, pois uma das melhores maneiras de se criar laços de integração entre os povos se dá por meio da educação.

Por fim, após vinte anos de negociações, finalmente se alcançou um acordo Mercosul-União Europeia. Apesar das dificuldades que deve enfrentar para ratificação na Europa, tanto por interesses comerciais próprios, quanto pela imagem que o Brasil tem passado em termos de (desconstrução da) proteção ambiental, o acordo traz avanços. Segundo estimativas, investimentos europeus no Brasil poderiam chegar aos US$ 113 bilhões em 15 anos.

Portanto, jogar fora essa construção histórica que, além de econômica, é também geoestratégica, política, social e cultural, para nos aventurarmos isolados na América do Sul, pensando apenas no nosso próprio interesse, seria um grande retrocesso. Os governantes do continente precisam aprender a distinguir Estados de governos, e não deixar que suas preferências ideológicas afetem o relacionamento de longo prazo, cuidadosamente arquitetado e com interesses mútuos e complementares, entre nações amigas. E o mesmo valeria para a Unasul, que em vez de eventualmente reformulada, foi tristemente abandonada, para se começar tudo do zero.

* Advogado, pesquisador e consultor internacional, é doutor em Direito Internacional pela USP, e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo
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