11 de dezembro, de 2019 | 10:45

Quem tem medo do AI-5?

Hiltomar Martins Oliveira *

“A fila de atos atentatórios à dignidade humana e à democracia parece não ter fim”

“As instituições democráticas estão alertas quanto às ameaças autoritárias contra o Estado Democrático de Direito”

Existe um fantasma que ronda a democracia brasileira desde 1985, quando foi empossado o novo presidente do Brasil, eleito indiretamente após mais de 20 anos de regime de exceção. Durante muito tempo ficou banido das conversas, dos noticiários e, principalmente, da política. Assumiu a forma de um morto-vivo que fora enterrado naquelas tumbas de um passado que se quer esquecer e não comentar, dada a dificuldade de explicar o irracionalismo e a barbárie a que podem os homens chegar.

Mas, apesar de todos os cuidados, os melindres, as desconversas e as fábulas criadas para disfarçar o incômodo que o assunto traz, principalmente àqueles que, como atores ou espectadores, foram personagens de carne e osso daqueles momentos tristes e cruéis – já não falo dos autores, pois a maior parte já morreu – o fantasma, de repente, se revela tão vivo quanto os caros leitores.

Foi suficiente uma única fala de um personagem político, mencionando diretamente a volta do fantasma que se chama “AI-5”, para se descobrir que ele está louco para voltar a nos assombrar a qualquer momento. Sim, a
qualquer momento, não precisa mais esperar pela noite tenebrosa, pois já recebeu o recado de que será bem-vindo por aqueles que almejam recepciona-lo. Cuidado! Assim como no passado, ele voltará para raptar nossos filhos e filhas nas escolas, para fazer desaparecer as pessoas como num passe de mágica, e depois mortos e enterrados em valas comuns sem identificação, ou simplesmente incinerados ou lançados ao mar, despedaçando corações das mães e dos pais.

Voltará para colocar em cada lar um “olho-vivo” para saber o que você está dizendo do governo; também nas escolas para saber o que os professores estão ensinando; para dividir a sociedade entre os que estão a favor ou contra, para impedir que os cidadãos escolham seus governantes, e – ainda pior – não permitir que eles questionem os atos dos poderes constituídos.
agora retornará muito mais poderoso, pois dispõe de recursos infinitamente superiores àqueles de há 50 anos (tais como a internet, a Inteligência Artificial, Reconhecimento Facial, Localização Dinâmica pelo Google Maps, computadores quânticos, etc.). A fila de atos atentatórios à dignidade humana e à democracia parece não ter fim e desnecessária aqui continuar em sua enumeração.

Felizmente, as fortes reações contrárias que se seguiram à fala do deputado federal, filho do Presidente da República, dada à repercussão negativa que provocou, deu uma clara demonstração que as instituições democráticas estão alertas quanto às ameaças autoritárias contra o Estado Democrático de Direito.

Entretanto, em menos de um mês, para espanto e indignação da população, surge outra declaração, agora emanada de uma autoridade do Poder Executivo, citando o AI-5 como um possível instrumento a ser usado para manter a ordem, em caso de tumultos ocasionados por manifestações populares. Curiosamente, a declaração foi dada num país estrangeiro, onde se encontrava o Sr. Ministro da Economia, Paulo Guedes, em encontro com autoridades e investidores.

Dessa vez, tomando-se em conta o contexto em que ocorreu a fala do ministro e o seu inteiro teor, ela não somente causou perplexidade como também forneceu pistas que levam à suspeita de que algo pior está para acontecer. O conteúdo da fala insinua que “alguém” no governo poderia “pedir a volta do AI-5”, caso a situação “saísse fora do controle [em função de distúrbios provocados por protestos populares]”.

Isto não somente soou como ameaça explícita como também deixa nas entrelinhas que o próprio Presidente da República estaria comungando com essa ideia, pois, afinal, somente ele poderia anuir com uma ação dessa
natureza. Então, de fato, ele seria o “alguém” do Sr. Paulo Guedes, o qual, desde já, estaria demonstrando sua plena concordância com essa ação autoritária quando, ao longo de sua fala, diz que ela faria bem à economia do país.

E mais, por se tratar de duas figuras participantes do núcleo do poder do Palácio do Planalto, é possível supor, com razoável probabilidade, que o tema já foi debatido nos círculos íntimos e os instrumentos institucionais para a operacionalização de um golpe de estado estão à disposição, tais como a Lei de Segurança Nacional, a Lei Antiterrorista e a “Garantia da Lei e da Ordem (GLO)”. Basta acrescentar o ingrediente das circunstâncias agravantes e a decisão por meio da caneta...

Outra mensagem emerge do contexto destas declarações: mostra para toda a população brasileira que o governo em exercício não tem medo do AI-5; pelo contrário, pensa que pode usá-lo como se manuseia um brinquedo. Contudo, quando se trata de governar os homens insuflando neles o medo, a História nos ensina que é uma estratégia perigosa, de imprevisíveis resultados. Os espíritos amedrontados podem simular a mais servil das obediências, mas, de repente, assim que a oportunidade se apresente, podem se revelar o mais cruel dos algozes para com aqueles que os aterrorizaram.

Nesta situação, bem se aplica um pensamento de Nicolau Maquiavel, retirado de seu livro “Comentário às Primeiras Décadas de Tito Lívio”: “Vê-se por esse exemplo quanto é perigoso para uma república esmagar o espírito dos cidadãos em contínuos terrores, fazendo pairar, constantemente sobre eles ultrajes e súplicas. Nada mais perigoso do que semelhante conduta, pois os homens que começam a tremer por si próprios tomam a todo custo as precauções possíveis contra os perigos, a sua audácia cresce e logo nada mais os deterá em suas tentativas.
É necessário, pois, nunca ofender a ninguém, ou satisfazer ao mesmo tempo
todos os ressentimentos, sobretudo apaziguar os cidadãos, restituindo-lhes a confiança e a calma”.

* Advogado. Escritor. Professor Universitário. Membro da Seccional Vale do Aço do IAMG.

Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]
MAK SOLUTIONS MAK 02 - 728-90

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Gildázio Garcia Vitor

11 de dezembro, 2019 | 15:50

“O Brasil está caminhando em direção a uma distopia semelhante às descritas nos livros Nós, Admirável Mundo Novo e 1984. O governo atual, daqui a pouco, poderá ser definido pelo final do livro Revolução dos Bichos.”

Envie seu Comentário