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03 de dezembro, de 2019 | 17:00

SUS, universal e gratuito. Será?

Felipe Lannes de Aguiar Pacheco *

"Sistemas baseados em equidade e na capacidade contributiva, por si só, não deixam de ser universais”

“O contratante de plano de saúde paga pelos seus atendimentos realizados na rede SUS”

"É justo ou equânime uma pessoa que recebe 100 salários mínimos ter o atendimento 100% gratuito pelo SUS? Quem vai ter 100% de atendimento gratuito pelo SUS? Eu acho que essa discussão é extremamente importante para esse Congresso. Eu vou provocá-la, vou mandar a mensagem sim, para a gente discutir equidade e, nesse ponto, a gente vai pôr o dedo", disse o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no Programa Roda Viva, exibido pela TV Cultura. A fala foi suficiente para dispararem as críticas. Muitas, notadamente, com cores ideológicas e, pior, partidárias.

Sabemos que existem outros modelos públicos de saúde, pagos, que também garantem o acesso populacional. Em Portugal, por exemplo, são cobrados valores de quem pode pagar. No modelo público italiano, os usuários não pagam quando consultam com médico de base. As medicações prescritas por ele também são gratuitas ou subsidiadas. Já o acesso ao especialista, assim como a utilização dos serviços de urgência e emergência de forma equivocada são pagos.

O sistema visa regular a utilização dos aparelhos de saúde de acordo com os seus respectivos escopos, e espera evitar gastos excessivos (com utilização de recursos desnecessários), óbitos indesejados e evitáveis (pela superlotação e utilização dos sistemas de urgência e emergência com casos de menor complexidade) e ocorrência de iatrogenias, ocorrida, por exemplo, pelo excesso de medicação ou interação indesejada, fruto de ação de vários médicos sobre o paciente, de forma descoordenada.

O SUS presta um grande serviço ao povo brasileiro, apesar do real subfinanciamento e das mazelas conhecidas. Infelizmente, os serviços lotados, as filas para atendimento e a falta de profissionais, equipamentos, materiais e medicamentos ofuscam as cirurgias bem-sucedidas, entre outras ações que merecem reconhecimento. Para que a população tenha acesso aos serviços de saúde no tempo e da forma correta, utilizando os recursos necessários, a definição do melhor modelo deve considerar a cultura do país e das localidades onde a política será aplicada. Outro fator a ser considerado é a disponibilidade financeira e dos demais recursos.

Para tanto, há a necessidade de um debate sem hipocrisia. O avanço tecnológico da medicina e da indústria farmacêutica importaram em drástica mudança na pirâmide etária do Brasil, gerando necessidades e demandas maiores e diferentes que precisam e precisarão, cada vez mais rápido, serem respondidas. As críticas direcionadas à fala do atual ministro da saúde se fundamentam no fato de que um SUS pago desrespeitaria o princípio da universalidade.

Será? Sistemas baseados em equidade e na capacidade contributiva, por si só, não deixam de ser universais. Ademais, fatores que moderem e regulem a utilização são benéficos por controlar os desperdícios de recursos e por pressupor um melhor controle da saúde populacional. Privilegia-se a prevenção e evita-se o adoecimento. O fato é que os que criticam a proposta de debate ignoram (ou por desconhecimento ou por simples conveniência) que o SUS já não é gratuito para todos os brasileiros. Ignoram, por completo, o Ressarcimento ao SUS.

Segundo a ANS o Ressarcimento “é a obrigação legal das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas do Sistema Único de Saúde no eventual atendimento de seus beneficiários que estejam cobertos pelos respectivos planos”. Ocorre que os pagamentos feitos ao SUS pelas operadoras, na forma de ressarcimento, em razão dos atendimentos dos seus beneficiários, compõem as despesas assistenciais dos contratos.

Os planos de saúde, por sua vez, especialmente os coletivos (hoje, representam mais de 80% do total de usuários de plano de saúde), quase que, invariavelmente, realizam seus reajustes com base na sinistralidade apurada, ou seja, na relação estabelecida entre os valores arrecadados com as mensalidades e as despesas assistenciais do contrato. Explicando em miúdos, o pagamento feito ao SUS pela operadora de saúde, em razão da utilização do seu cliente da rede pública de saúde, compõe a base que esta mesma operadora considera quando negocia o reajuste de seus contratos coletivos.

Os planos de saúde individuais também consideram em sua fórmula de reajuste a sinistralidade dos planos coletivos. Portanto, em última instância, o contratante de plano de saúde paga pelos seus atendimentos realizados na rede SUS. A diferença é tão somente que a sua conta é socializada, ou seja, repartida, com os demais beneficiários do seu contrato. Os valores arrecadados pelo ressarcimento e que refletem diretamente nos reajustes daqueles que possuem planos de saúde são crescentes e significativos. Segundo boletim emitido pela ANS em junho deste ano, desde o início do ressarcimento ao SUS já foram cobrados das operadoras R$5,03 bilhões de reais, sendo R$1,02 bilhão somente em 2018.

Os expressivos valores impactam na majoração das mensalidades pagas pelos usuários de planos de saúde pela utilização do SUS, que deveria ser Universal e Gratuito (por definição). Esses valores são cobrados de todos aqueles que possuem planos de saúde e não somente daqueles que ganham mais de 100 salários mínimos, como sugeriu a reflexão do ministro. Não é demais lembrar que os planos coletivos são basicamente compostos por trabalhadores, cuja realidade salarial e de renda são sobejamente conhecidas.

Em suma, não há como se ter uma resposta adequada sobre qual o melhor sistema ou modelo de saúde, sem que seja feita a devida discussão. A melhor decisão dependerá, entretanto, de um debate claro, justo, sem falsas premissas, de modo a evitar equívocos e politicagem.

* Advogado especialista em Direito Público pela ANAMAGES e Direito da Medicina pela Universidade de Coimbrã. MBA em Gestão de Empresas pela FGV. Forte atuação como secretário de Governança Corporativa e nas áreas do Direito da Saúde, Educacional e Terceiro setor
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