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28 de outubro, de 2019 | 15:15

Da última dança da democracia latino-americana

Stefan Salej*

“De repente parece que as pessoas descobriram que foram enganadas, que os políticos as enganam, que o status quo não as satisfaz mais”

Um continente que até recentemente exibia uma tranquilidade democrática exemplar se tornou para alguns, da noite para o dia, um continente de intranquilidade e perturbação da ordem pública e um desastre anunciado do ponto de visa econômico.

A violência das ruas que eclodiu no Chile, mas antes disso ainda no Equador, passou pelo Peru com a reviravolta dos parlamentares, sem falar na América Central, Guatemala, Honduras, a soltura do narcotraficante no México para evitar mortes de civis pelos bandidos, e sem esquecer da Venezuela, uma situação nunca resolvida, não deixa de passar pela fraude eleitoral que se vislumbra na Bolívia e resultado da eleição na Argentina que promete dividir ainda mais o país, que já está sob jugo do temível FMI.

No Brasil, este gigante adormecido, as perturbações ainda estão mais escondidas. Nas brigas de políticos pelo fundo partidário que substituiu a corrupção clássica por um sistema mais sofisticado que cria barões partidários com dinheiro público. O sistema judicial que, com seu individualismo e autoproteção, se torna mais do que um poder judiciário, para ser um poder que interpreta no seu mais alto nível a justiça como exercício do poder político. E um governo que ainda não conseguiu no seu conjunto entender que uma reforma da previdência, necessária e bem-vinda, não será suficiente para resolver o problema de crescimento do país, e pior: do seu equilíbrio social.

Esses acontecimentos violentos no continente têm um efeito dominó. Eles se parecem com um tsunami político, vêm de repente, nenhum serviço meteorológico explica, arrasam o que tem na frente, deixam, mortos, feridos, destruição física, mas no caso de fenômeno meteorológico, o tempo se acalma. No tsunami político a destruição é a mesma, mas a calmaria, não. Nem jatos d'água, nem balas de borracha, nem cassetete, nem exércitos e nem policias conseguem acalmar. E veja o que está acontecendo na França, Hong Kong, Líbano. De repente parece que as pessoas descobriram que foram enganadas, que os políticos as enganam, que o status quo não as satisfaz mais.

E os políticos da direita acham problemas com os da esquerda, os da esquerda, com os da direita. Foi interessante observar o que disse Presidente chileno estupefato com os acontecimentos, declarando na TV que existem inimigos que querem destruir o país.

O fato é que o exercício democrático foi violentado pelos políticos e seus aliados e as revoltas acontecem por questões pequenas mas que acendem o paiol de palha. É como se as pessoas quisessem dizer basta. Basta de aumento de preço de energia, de gasolina, de chuchu, de transporte. Não é basta a isso, é mais: basta de sermos enganados em nome da democracia e as migalhas que ela nos dá. Que o povo aguenta tudo, é mero engano, e nem a democracia que distorcemos aguenta tudo. E muito menos com a comunicação digital de hoje em dia, que foge ao controle dos governos e dá uma voz nova ao cidadão.

No caso brasileiro, a memória é curta e poucos se lembram das revoltas que tivemos há alguns anos com a desculpa do aumento de passagens de ônibus. A ilusão de que somos uma sociedade pacífica que aguenta tudo e que tudo se resolve no triângulo das Bermudas (Congresso, Governo, Judiciário) brasiliense, pode custar muito caro a esta nação que precisa de estabilidade para se desenvolver.

O estado democrático de ontem hoje não serve mais para os cidadãos. Qual será o novo modelo que vai atender melhor um cidadão mais educado e consciente, e quanto tempo vai levar para isso e através de quais processos, ainda não sabemos. Teremos que esperar, porque no passado foram as guerras que provocavam as rupturas e mudanças. Agora, estamos em mutação democrática. E, sem ilusões, também ela é violenta.

* Ex-presidente do Sistema Fiemg, vice-Presidente do Conselho do Comercio Exterior da Fiesp, coordenador adjunto do Gacint - Grupo de acompanhamento de conjuntura internacional da USP

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