27 de outubro, de 2019 | 08:00

A desinformação e seu papel na política brasileira

Papel desempenhado por usuários das redes sociais tem contribuído para mudança no cenário eleitoral

Com a proximidade de mais um ano eleitoral, a movimentação envolvendo os bastidores do pleito e alternativas para sua organização, começam a surgir. Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Google, Facebook, Twitter e WhatsApp, aderiram ao Programa de Enfrentamento à Desinformação, com foco nas eleições de 2020. Em tempos de mídias sociais cada vez mais presentes na vida da população, o desafio do TSE demais envolvidos no jogo político, é lidar com as falsas notícias e mitos, que circulam diariamente pela rede.

Wôlmer Ezequiel
Hélio Cimini acredita que a internet se tornou terra de poderHélio Cimini acredita que a internet se tornou terra de poder
Para o advogado e professor Hélio Cimini, as pessoas acreditam em mitos pelo simples fato de que querem acreditar. “Existe um estudioso, Castells, que diz ‘o ser humano tem necessidade psicológica da mentira’. Ela é mais fácil e atrativa que uma informação real. Geralmente, as informações reais vêm acompanhadas de dados e muitas das vezes são chatos. É da natureza humana. Nas primeiras palavras a criança mente, a começar pelo falar errado. Mas não devemos associar mentira com a falta de verdade ou a mentira com a vontade de danificar, de causar prejuízo, essa segunda que é perigosa”, avalia o profissional em entrevista ao Diário do Aço.

O também advogado Breno Inácio, aponta que as pessoas ainda caem em mitos basicamente pela falta de formação e pelo excesso de informação superficial. “Ainda estamos diante de uma sociedade carente de formação educacional básica, o que favorece a serem pessoas mais suscetíveis aos enganos. De outro lado, com o ambiente da internet possibilitando um acesso amplo à informação, esta mesma sociedade, embora possa ter acesso à informação de qualidade, é mais facilmente envolvida por notícias falsas e informações superficiais. O desejo de compartilhar uma notícia, até mesmo pela sensação de participar dos circuitos de comunicação faz com que as pessoas atropelem a necessidade de primeiro apurar a informação e saber mais detalhes”, pondera.

Wôlmer Ezequiel
Breno Inácio: ''A rede social e os dispositivos tecnológicos de comunicação não são o mal em si, mas sim o uso efetivo que se faz dela''Breno Inácio: ''A rede social e os dispositivos tecnológicos de comunicação não são o mal em si, mas sim o uso efetivo que se faz dela''
Cimini acrescenta que as notícias falsas viraram uma indústria, o mercado das fake news. É a criação de uma informação barata, que vai contra a imprensa séria e contra os dados. “Está acessível a qualquer pessoa, numa rapidez absurda, por meio dos celulares. Os fake news produz ‘bem’, com dados totalmente falseados e isso reverbera rapidamente. Essa informação sem verdade é uma falha de mercado, porque cria-se um caos sem custo quase algum e isso tem uma consequência absurda, principalmente na construção ou desconstrução da imagem de um político, produto ou instituição. Essa situação está totalmente ligada ao ‘boom’ da rede social, ela criou um caminho inverso. Mas não podemos confundir a rede social eletrônica com a mídia. A rede social sempre ocorreu na porta da casa da gente, na praça, nos encontros aos fins de semana. Mas hoje existe um caminho inverso”, recorda.

Hélio Cimini avalia que nos séculos XVIII, XIX, a notícia vinha de cima pra baixo, por meio de jornal impresso. No século XX, rádio e TV. O Século XXI trouxe a internet e, com ela, o WhatsApp. “Se você perceber, só agora que a população está sendo protagonista das próprias informações. Antes as pessoas eram receptoras, hoje passaram a condição de dar essa informação. Não que não possam participar, podem. Mas é o que o TSE chama de alfabetização midiática, a pessoa precisa saber filtrar o que recebeu e o que passar. A mídia de internet, constrói e descontrói os candidatos numa velocidade nunca antes vista”, opina Hélio.

Já Breno Inácio salienta que a rede social e os dispositivos tecnológicos de comunicação não são o mal em si, até porque, são apenas coisas e elas não atuam por si só, exigindo sempre a ação humana para que operem. O que de fato torna qualquer tecnologia perigosa, é o uso efetivo que se faz dela. “O uso da internet poderia ser muito melhor, não fossem os interesses escusos que muitas vezes tomam conta. O jogo democrático que nos é tão caro fica em risco. Vimos exemplos recentes no mundo, como as eleições presidenciais nos Estados Unidos e o movimento da Inglaterra sobre o Brexit, em que dados e informações foram manipulados nas redes sociais por grandes grupos”, analisa.

Solução
Durante o lançamento do programa do TSE, foi dito que a intenção é provocar o envolvimento de todas as esferas sociais no combate à disseminação de informações enganosas na internet. “Nas eleições de 2018, a Justiça Eleitoral promoveu ações voltadas a desmentir notícias falsas, ampliando a divulgação sobre o funcionamento das urnas eletrônicas e, para isso, contou com a contribuição de várias instituições públicas e privadas, entre as quais estavam as plataformas aqui presentes. Para as eleições municipais de 2020, pretendemos aperfeiçoar o modelo, com o envolvimento ainda maior dos nossos parceiros”, afirmou a ministra e presidente do TSE, Rosa Weber.

Os dois advogados entrevistados apontam que não é possível afirmar que estamos perto de uma solução. “O legislador, em se tratando de Direito Público, que é o Direito Eleitoral, nem sempre está pronto para acompanhar a dinâmica social. Até pouco tempo atrás o adultério era crime. Mas quando você fala em construção ou desconstrução midiática, o próprio TSE assumiu a seguinte conclusão: tem medidas que dá pra fazer a curto prazo, outras a médio, mas a solução, vem a longo prazo. Porque no momento de criminalizar, temos um código eleitoral que é 1965, embora as alterações. Ainda não conseguimos acompanhar essa nova realidade, de propagandas maliciosas da internet, e em especial, no WhatsApp”, frisa Hélio Cimimi.

Robôs
Já Breno Inácio torce, mas não crê numa resolução rápida da questão. “O que se vai fazer é uma tentativa muito importante, até porque, é sim possível nestas plataformas criar dispositivos que os identifiquem. Porém, a descoberta de ‘bots’ e sua inibição, impedirão mais concretamente, que a amplificação da divulgação seja exacerbada, mas não que a informação ruim não vá se transmitir. O conteúdo falso não circula somente por via dos bots. Muitas pessoas fazem questão de divulgá-lo, e outras tantas divulgam por ignorância. Uma situação que me parece igualmente um problema, é que ao iniciar uma caçada aos conteúdos para se promover uma limitação de sua exposição, em nome da proteção da verdade ou da melhor informação, incorremos no risco de cercear um direito que nos foi assegurado à custa de muitas lutas no Brasil, que é a liberdade de expressão, um direito fundamental tão importante”, alerta.

Os bots (ou robôs) são aplicações autônomas que rodam na Internet enquanto desempenham algum tipo de tarefa pré-determinada. Nesse âmbito, a Rosa Weber ressaltou durante o evento de parceria com as plataformas, a capacidade que as quatro empresas têm de rebater os efeitos negativos da desinformação ao aprimorarem tecnologias para identificar o uso abusivo de tais aplicações e de outras ferramentas automatizadas de divulgação de conteúdo. “Espero que possamos chegar ao término das eleições de 2020 convencidos de que o processo eleitoral não sofreu maiores influências do fenômeno da desinformação e de que isso se deveu, e muito, à contribuição dos parceiros do nosso programa”, disse a presidente do TSE.
Eleições 2020

Poder
A eleição de 2020 será uma das com maior influência da mídia eletrônica e das informações, sejam elas boas ou ruins, é o que vislumbra Cimini. “A rede social tem os protagonistas e as relações de poder não escapam disso. A internet é sim terra de poder. Existem pessoas que ganham dinheiro com isso, os chamados influenciadores digitais. A opinião sobre as coisas virá muito da rede social, neste pleito. As pesquisas estão muito mais instáveis, apesar da sua importância. Antes eram suficientes fazer três no máximo. Hoje muda muito, dependendo, muda da manhã para a noite. Por fim, o que eu diria aos eleitores é: chequem a informação antes de espalhar. Precisamos aprender a utilizar a mídia social, depois produzir e em seguida, conter a desinformação. Há quanto tempo circula a falsa ‘notícia’ que se uma quantidade de eleitores não votar, anula a eleição? Isso é um absurdo. Se chegou a informação e não conheço a pessoa, preciso checar a origem. Se não é fiel, não posso replicar e tampouco acreditar”, conclui Hélio Cimini. (Repórter - Bruna Lage)
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