24 de outubro, de 2019 | 15:30

Supremo e o destino do Estado Democrático de Direito

Marcelo Aith*

“As Cortes Superiores podem rever penas ilegalmente aplicadas, afastar provas ilegais”

“A presunção de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do Estado”

“Não posso me afastar da clareza do texto constitucional”. A frase foi extraída do lapidar voto da ministra Rosa Weber quando do julgamento das liminares nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44. Sua Excelência irá manter esse entendimento, eis a questão? Vamos rasgar ou não a constituição e jogarmos na latrina um dos mais caros direitos fundamentais que é a liberdade de locomoção?

O Supremo Tribunal Federal, pela sua composição plena, decidirá o destino do constitucionalíssimo artigo 283 do Código de Processo Penal. Conforme lançado por Lenio Streck em sua sustentação oral a constitucionalidade espelhada do citado preceito normativo é de uma clareza ímpar, que não comporta outro entendimento, a não ser para os “Eminentes Ministros”, habitualmente se despem de seu mister de guardião da Constituição da República para julgar ao sabor da plateia.

Com efeito, o que se quer discutir é a possibilidade de alguém ser preso após condenação em segunda instância. Melhor dizendo, antes do trânsito em julgado, isto é, com esgotamento das vias recursais ordinárias e extraordinária.

O texto constitucional expressamente aponta que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII). O dispositivo constitucional é claríssimo, ninguém sai da condição de acusado para condenado sem que a haja sentença penal condenatória transitada em julgado. O ministro Ricardo Lewandowski assevera, em inúmeras oportunidades, que: “Não vejo como fazer uma interpretação contrária a esse dispositivo tão taxativo”.

Não se pode olvidar que a decisão pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP não importará na impossibilidade da manutenção ou da prisão de réus que preencham os requisitos e pressupostos dos artigos 312 e 313 do Estatuto Processual Repressivo, ou seja, havendo a necessidade do encarceramento cautelar os acusados serão presos.

Não há menor dúvida que deve ser sopesada caso a caso se deve ou não determinar a prisão preventiva do réu. O que não pode é sobrepujar, como pretende o ministro Roberto Barroso, a pretensão punitiva ao status libertatis pura e simplesmente com a condenação em segunda instância.

Quando do julgamento realizado no dia 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, ao julgar o Habeas Corpus 126.292/SP, relatado pelo ministro Teori Zavascki, por maioria de votos, considerou que é possível dar início à execução da pena após à confirmação da sentença condenatória em segundo grau. Uma aberração para dizer o menos!

A fundamentação para tamanha teratologia consistia no fato de que a condenação em segunda instância encerraria a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena, ainda que provisoriamente. É uma interpretação pueril, pois as Cortes Superiores podem rever penas ilegalmente aplicadas, afastar provas ilegais, para tanto analisam, sem sobra de dúvidas, os fatos. O que não podem é revolver as provas ou fazer novas instruções.

Assim, poderiam manterem presos pessoas inocentes. Cumpre destacar que 30% (trinta por cento) das condenações são revertidas no Superior Tribunal de Justiça, quer com a mudança de regime, quer com a redução da pena, quer ainda com a absolvição como ocorreu no RHC nº 61.367 – RJ, Relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27 de fevereiro de 2018, oportunidade que o C. STJ: “Acontece que, para fins penais, as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior, na esteira também de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento o Habeas Corpus n. 125.218/RS, não admitem que os dados sigilosos obtidos diretamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil sejam por ela repassados ao Ministério Público ou à autoridade policial, para uso em ação penal, pois não precedida de autorização judicial a sua obtenção, o que viola o princípio constitucional da reserva de jurisdição.”

Torna-se evidente que as Cortes Superiores podem, via recursal, modificar o destino de um ser humano. Não se pode julgar no afã midiático, para agradar a população, fazendo tábula rasa da Constituição.

No mesmo sentido, segundo Gustavo Badaró, há que ser feita as seguintes indagações àqueles que defendem a esdrúxula possibilidade de início de cumprimento de pena com a condenação em segunda instância: “seria da essência da presunção de inocência que tal estado do acusado vigore temporalmente até que a condenação transite em julgado?” Inequivocamente a resposta é não.

Causou arrepios na sessão do último dia 23 de outubro, a declaração do ministro Edson Fachin que asseverou que: "É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da última corte constitucional tenha sido examinado".

Ora, nobre ministro, o objeto das presentes ações declaratórias de constitucionalidade é a análise da conformação do artigo 283 do Código de Processo Penal com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal e não a viabilidade ou não de se manter solto quem ficou em liberdade durante todo o processo e ainda pende julgamento de recurso nas vias extraordinárias. Acolher esse entendimento é permitir mutações de cláusulas pétreas em desfavor dos cidadãos, uma evidente aberração.

Por derradeiro, não se poderia olvidar da magnífica lição do decano Celso de Mello. Sua Excelência, com a clareza e ponderação que caminharam junto a ele durante sua longe e irretocável história na magistratura nacional, enfaticamente, defende a incompatibilidade da execução provisória da pena com o direito fundamental do réu de ser presumido inocente conforme expressamente garante a Constituição Federal. Segundo o ministro, a presunção de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do Estado e tem prevalecido ao longo da história nas sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.

Os ministros que ainda faltam votar tem, em respeito à toga que vestem, o dever se apartar das inflexões midiáticas e das pressões sorrateiras exercidas por algumas classes e se pautar na mens contitucionalis, a qual buscou com o artigo 5º, inciso LVII, conforme lição de Badaró, “dar efetividade máxima ao compromisso do Estado brasileiro com a preservação da dignidade da pessoa humana, reforçou entre nós a garantia da presunção de inocência: estabeleceu como marco temporal final de sua aplicação o momento derradeiro da persecução penal. O acusado tem o direito de que se presuma a sua inocência “até o trânsito em julgado” da sentença penal condenatória”.

Não poderia deixar de finalizar com a declaração da ministra Rosa Weber, que categoricamente afirmou em outra oportunidade que “Não posso me afastar da clareza do texto constitucional”. Senhores Ministros! pensar e dizer o contrário é rasgar o direito fundamental à presunção de inocência e ferir de morte a Constituição da República. O destino do Estado Democrático de Direito está nas mãos dos integrantes da Corte Máxima do país.

* Advogado especialista em Direito Criminal e Direito Público
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Comentários

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Tião Aranha

24 de outubro, 2019 | 20:54

“Pela regra atual, basta surrupiar os cobres públicos, ter bastante dinheiro pra contratar bons advogados que nada mais farão que aproveitar as brechas das leis defendendo um "indivíduo inocente criminoso". A lei tarda mais não falta, dizia Euclides da Cunha, então o gargalo da Justiça brasileira se chama morosidade. Em democracias avançadas, dependendo do crime praticado, o criminoso é preso a partir do julgamento da 1ª instância; mas só bastou que um juiz de Curitiba aplicasse a lei pra causar esse rebuliço danado que paira nas páginas dos jornais diários, com jornalistas prós e contras . Inventaram até que nosso judiciário estava a serviço dos americanos. (...) Nossa CF precisa ser atualizada, data de 1988, e é essa a maior responsabilidade que está à cargo do Poder Legislativo a quem compete criar e revogar leis. Cadeia nenhuma, historicamente, não educa ninguém, já foi provado, pois nem os animais gostam de ficar presos por muito tempo. Eles ficam mais violentos. Que dirá um estadista "dito como referência' a nível internacional? Essa tal de "presunção de inocência" é argumento muito vago, outrora, valia mais no passado diante do assombroso fato de corrupção que aumentava ano após ano quando foram descobertos os golpes rasteiros de seus mecanismos contagiantes como o câncer da Sociedade. Antes de ser jurista, um colunista deveria ser humanista. Se uma pessoa erra-, em fração de segundos, Deus lhe avisa que ela está errando - através da sua consciência - mas, ela é tão burra ou ignorante que continua errando. Livre arbítrio significa a escolha de seus atos. E é o mau uso do cachimbo que deixa a boca torta, dizia a minha avó. Não pega bem ninguém conhecedor do Direito, vir à público defender criminosos . Tão pouco, alguém querer destruir a operação Lava Jato aclamada pela sociedade, - que teve como prioridade moralizar o país, nacional e internacionalmente. Foi com esse propósito que a maioria que votou no último presidente nas suas propostas de mudança e/ou continuação daquilo que, pelos procedimentos da Justiça almejava ser o certo. Quantas crianças deixaram de ser educadas, quantos pacientes que dependeram e não foram atendidas a tempo pelo serviço público, e morrerem pela falta de remédios, faltou atendimentos adequados nos hospitais pela falta de dinheiro, hospitais até fecharam. Tudo isso devido ao dinheiro roubado da população por esses vagabundos, muitos dos quais estão presos...Falar em guardião da nação não soa bem quando o povo vota em pessoas desonestas pra dirigir uma nação.É o mesmo que colocar raposas pra tomar conta do galinheiro. Então dá no que deu: violência, desemprego e desesperança. Infeliz é a nação que depende dum Judiciário pra gerir a incumbência que é toda focalizada na alçada dos políticos.”

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