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14 de outubro, de 2019 | 22:00

O arrocho do Leviatã

Guilherme de Castro Resende *

“Caso o Estado onere em demasia os seus produtores sem respeito ao ordenamento jurídico, está fadado a extorquir o seu povo”

Uma cliente chorosa veio até ao escritório para reclamar do município: investir em Ipatinga está sufocante, ela diz. Após seu desabafo, notei que o problema é velho, inclusive, gerou revoluções ao longo do tempo. O Leviatã voltara voraz em seu apetite. Para Thomas Hobbes, sucintamente, o Leviatã, inspirado na besta bíblica, seria o Estado, formado a partir de um contrato social, pelo qual a sociedade estaria em ordem. Minha cliente, e você pode se aperceber na mesma situação, sentia na alma a gula desse monstro.

Historicamente, revoluções começaram, entre inúmeros outros fatores, pela questão econômica asfixiante do Estado. A Independência das 13 colônias norte-americanas começou na famosa “festa do chá de Boston”, ato de protesto dos colonos contra a taxação inglesa sobre o chá. A Revolução Francesa teve sua ruptura social, quando a nobreza e o clero se recusaram a contribuir financeiramente para a manutenção do Estado. De fato, não precisamos ir tão longe, a Derrama sobre os quintos de ouro das Minas Gerais foi um motivo direto para a Inconfidência Mineira.

Portanto, a ideia municipal de sobretaxar as pessoas, físicas e jurídicas, não é nova. Felizmente, hoje temos meios menos revolucionários para solucionarmos a questão. Como exemplo, promovemos duas ações para controlar o ente público, uma em cima da taxa de lixo, que girava em torno de 500%, em média, tendo caído consideravelmente; e outra sobre a taxa de expediente, que decaiu após uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Todavia, as taxas se avolumam, consequentemente, os cidadãos já não conseguem respirar em seus negócios próprios, como a minha cliente citada acima.

Segundo a nossa Constituição Federal de 1988, bem como nosso Código Tributário Nacional, o município tem o direito de instituir taxa em duas ocasiões: por conta do exercício do poder de polícia e pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. A lista das taxas é excruciante: localização e funcionamento; licença e fiscalização de obras; licença e fiscalização ambiental; licença e fiscalização de publicidade; licença e fiscalização sanitária; expediente; coleta de resíduos sólidos domiciliares; e serviços diversos.

No caso da minha cliente, a sua queixa mirava as taxas de serviços, cujas características são a especificidade e a divisibilidade. Na primeira, o contribuinte sabe perfeitamente por qual serviço está pagando, o que é diametralmente oposto ao que temos como Taxa de Serviços Diversos, cobrada por alguns municípios. Na segunda, conseguimos determinar os usuários dos serviços, por isso, é vedado a um Município cobrar uma taxa de limpeza de rua, porque a atividade beneficia a coletividade genericamente considerada; assim como o Supremo Tribunal Federal (STF), em sua súmula vinculante 41, entendeu que o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.
A avidez municipal refere-se, sobretudo, à base de cálculo das taxas, cuja valoração tem de haver uma correlação razoável, ou mais próxima possível, com o custo do serviço público prestado. Pelo bom senso, não se exige uma precisão matemática; porém, uma conexão congruente é constitucionalmente exigível, pois a essência de uma taxa é ser uma contraprestação a uma atividade estatal anterior; do contrário, haverá um enriquecimento ilícito do ente público.

O próprio STF, em novembro de 2016, em um recurso extraordinário, declarou a taxa de serviços administrativos da Zona Franca de Manaus rigorosamente inconstitucional, haja vista o seu fato gerador não ser específico nem divisível, desrespeitando o princípio da referibilidade entre a taxa e a atividade estatal. Ou seja, nossa Corte Suprema, em síntese, evidenciou o caráter arrecadatório e confiscatório do tributo, o que aumenta ilegitimamente o peso morto dos contribuintes.

O que o Estado deve compreender é que se minha cliente monta um negócio, em qualquer ramo, um esforço inicial nos primeiros anos de empreendimento é absolutamente comum. Qualquer lucro ou dividendo gerado tem, em tese, a direção do reinvestimento, como um período de maturação. Contudo, caso o Estado onere em demasia os seus produtores sem respeito ao ordenamento jurídico, está fadado a extorquir o seu povo e a provocar, o que exatamente o filósofo Thomas Hobbes queria evitar, um estado em que o homem fosse o lobo do homem (Homo lupus homini). Ainda bem que o tempo de cabeças cortadas está na história e, agora, temos instrumentos jurídicos para combater essa prática nefasta.

* Advogado especialista em direito empresarial e tributário, sócio do escritório Jayme Rezende Advogados Associados

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