12 de outubro, de 2019 | 22:00

Olha a faca !

Marli Gonçalves *


Nossa mais nova preocupação é pontuda, afiada, pode ser facilmente encontrada nos mais diversos tamanhos, e feita de materiais que ainda não são exatamente localizados, identificados, previstos ou apontados em inspeções, como cerâmica, madeira, acrílico, plástico. Está cada vez mais comum saber que foram elas as armas que zuniram em atentados, brigas, assaltos e feminicídios. Tenho verdadeiro pavor delas, que surgem do nada

Tudo bem que até um palito de dente pode ser usado como arma. Ou um dedo apontado, intimidando sob uma camisa. Mas enquanto nos preocupamos tanto com o porte de armas, com sua legalização, com o lobby horroroso pró-indústria bélica, assistimos apavorados diariamente a crimes cometidos com uma das mais simples, terríveis e acessíveis formas: as facas, que estão em todos os lugares, nas cozinhas, fininhas, pequenas, grandes, facões, peixeiras. As armas brancas, que surgem no noticiário sempre tingidas de vermelho do sangue de suas vítimas.

Acostumamos a chamar de armas brancas quaisquer objetos, geralmente usados para trabalho, que possam ser utilizados de forma violenta, para defesa ou ataque. Tesouras, machados, martelos, canivetes... e facas. Entre muitas outras formas. São cortantes, perfurantes, perfurocortantes, contundentes, cortocontundentes, perfuro-contundentes e perfuro-cortocontundentes. Todas, formas pavorosas. Ou seja, furam, rasgam, picam e retalham o que alcançam. Terríveis, silenciosas, comuns, perigosas, traiçoeiras, aparecem mais rápido do que alguma reação de defesa, inclusive porque usadas já bem no corpo a corpo, num abraço de morte e traição, como em uma ópera de Bizet.

As armas brancas são utilizadas principalmente em conflitos interpessoais e de gênero (feminicídio), este último com alarmante crescimento nos últimos tempos. As facas têm sido também uma das principais armas em atentados malucos ou terroristas nas ruas de algumas das principais cidades do mundo. Aqui, quase levou a vida daquele que viria a ser – talvez até justamente por causa dessa facada – o presidente da República. Jair Bolsonaro foi atacado no meio de um comício nas ruas de Juiz de Fora.

Dizem que quando a gente tem horror ou medo de alguma coisa pode ser trauma de vidas passadas. Sei não, não sei, mas posso ter sido atingida por alguma lâmina em alguma dessas passagens porque tenho verdadeiro horror a elas, as armas brancas, e admito, as temo mais do que às armas de fogo.

A violência está disseminada de forma tão generalizada que até as leis têm dificuldade de acompanhar. A legislação existe. Está na Lei de Contravenções Penais. Se uma pessoa estiver, por exemplo, com um canivete ou uma tesoura em um ambiente onde isso não é aceitável— um estádio, um cinema – pode ser autuada em flagrante por porte ilegal. Mas, claro, primeiro tem de ser vista. Mas...Pode-se proibir canudos de plástico, mas não as prosaicas e baratas facas de cozinha. Agora também na linda e chique versão das moldadas em cerâmica, de várias cores. Em algum lugar, li que o procurador que recentemente esfaqueou a juíza dentro do Tribunal usava uma dessas; por isso não teria sido detectada no raio-X.

Tudo, enfim, pode ser arma. Até os garfos e as colheres. Até a palavra, vejam só, pode ser mortal, se desferida contra alguém fraco. Pedras atiradas. Estilingues. Flechas. Drones sobrevoam jogando bombas e podem mudar a geopolítica mundial, como também recentemente vimos, atingindo as refinarias de petróleo na Arábia Saudita. Nas mãos de irresponsáveis carros matam diariamente.

Não damos murros em suas pontas. São as cruéis lâminas das facas que entram e saem dos corpos desferidas várias vezes o nosso temor, especialmente agora, para nós, mulheres. Nem sempre elas ficam guardadas nas botas, presas nos dentes, como no vocabulário popular. Nem sempre “Olha a faca!” é bordão de programa humorístico.

* Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Já à venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon. [email protected] / [email protected].
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]
MAK SOLUTIONS MAK 02 - 728-90

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Cidadão Indignado

14 de outubro, 2019 | 08:45

“Primeiramente, Bom Dia!
Adorei a matéria, muito bem escrita.
Porém, expressando aqui minha opinião, as pessoas acabam andando com lâminas por se sentirem ameaçadas pela falta de segurança ou por alguma ameaça às suas vidas ou familiares contigo.
Sou funcionário publico à mais de 11 anos, tenho 32, ando com canivete desde os 12 anos, quando não tinha nada pra fazer eu tava ali cascando um graveto ou fazendo uma gambiarra, usando pra fazer incherto em plantas ou abrindo a terra pra plantar uma muda, sempre andei com ele na capinha na cintura, pra todo mundo ver, pra evitar de ser confundido com um malandro que a esconde da sociedade para ser usada em modo furtivo. Mesmo quando comecei na prefeitura, numa unidade de saúde em 2008, não faltavam grampeadores travados, ventiladores com mau contato, lâmpadas que precisavam ser trocadas, parafusos de cadeiras para serem apertados ou horta pra ser cuidada que precisasse de uma mãozinha amiga para funcionarem de forma correta. Também sou formado em Técnico em Mecatrônica(Mecânica, Elétrica e Eletrônica), possibilitando sempre que necessário realizar reparos que a própria prefeitura não fazia à época.

Pois bem, nunca a apontei pra ninguém, nunca precisei, porém acuado algumas vezes pela malandragem chegando em minha casa à pé com minha esposa e algumas compras em mãos, já cheguei a retirar da cintura, abri-la e segurando embaixo do punho coma a lâmina para trás e para fora, forma em defesa, demonstrando que teria coragem de usar se fosse necessário, porém como estavam na mão grande(desarmados, porém acuando a vítima pela aproximação e quantidade) desistiram quando viram e ficaram encarando enquanto entrávamos em casa. Chamar a Polícia resolveria o problema? Apenas se chegassem em tempo e fizessem a limpa na região, porém eu ainda poderia ser preso por porte ilegal de arma branca, enquanto os caras(se fossem pegos) assinariam um termo e ficariam livres pra voltar a assombrar a segurança da minha família.

Com isso eu deixo aqui minha indignação pessoal de NÃO poder ter acesso à uma arma de fogo para a segurança de minha família, bens ou residência, de não poder exercer o meu direito como cidadão pagador de seus impostos à dar uma voz de prisão como cidadão, de viver acuado esperando o pior, de não poder sair de casa a partir das 18 horas pela insegurança de minha cidade, e de ficar ansioso pela simples volta de minha esposa ou familiares para a casa por causa da insegurança nas ruas.

E no final, eu ando sim, e continuarei andando, pois apesar de ser católico me considero cristão, e tenho direito perante a lei de Moisés a defender os meus contra a tirania do mundo à nossa volta. E rezo à Deus todos os dias pra não precisar de usar, mas também que me dê forças se preciso for para defender minha família quando precisarem de mim!”

Envie seu Comentário