13 de outubro, de 2019 | 06:45

Ipatinguense descobre formação de estrelas

Felipe de Oliveira Alves teve artigo publicado em revista estadunidense

Carolina Agurto
 Atualmente, Felipe Alves vive em Munique, na Alemanha, onde faz pós-doutorado no Instituto Max Planck Atualmente, Felipe Alves vive em Munique, na Alemanha, onde faz pós-doutorado no Instituto Max Planck

O ipatinguense Felipe de Oliveira Alves, de 39 anos, tem dedicado seu trabalho à astronomia. Formado em física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele vive em Munique, na Alemanha, onde faz pós-doutorado no Instituto Max Planck para Física Extraterrestre. Recentemente, teve seu estudo sobre o nascimento de duas estrelas publicado na revista estadunidense “Science”.

Felipe morou no bairro Castelo, onde os nomes das ruas são inspirados em estrelas e planetas. “Foi lá que ‘conheci’ Plutão e depois Antares, que é o nome de uma estrela. Ipatinga tem essa relação com astronomia e eu também, desde a infância”, recorda.

O pesquisador é mestre em astrofísica pela UFMG, tem doutorado em astrofísica pelo Instituto de Ciências do Espaço (Barcelona). Seu primeiro pós-doutorado foi realizado em Bonn (na Alemanha), pelo Argelander-Institut für Astronomie (Universidade de Bonn). Atualmente, realiza um segundo pós-doutorado, em Munique. Ele relata que a maioria das estrelas da Galáxia é parte de algum sistema de duas (ou mais) estrelas, que estão ligadas gravitacionalmente.

“Ou seja, as estrelas giram em torno uma da outra, de forma similar aos planetas do sistema solar, que giram em torno do Sol. Estrelas se formam no centro de nuvens de poeira e gás que estão colapsando, devido à própria gravidade. Por consequência, é muito difícil observar estrelas jovens com telescópios ópticos, já que elas estão escondidas dentro da nuvem que as forma”, explica.

Por este motivo, foram utilizados radiotelescópios para observar a emissão térmica das "nuvens-berços" que contêm as proto-estrelas, que estão cercadas por um disco de acresção de matéria (disco circunstelar) que as alimenta e faz crescer. “Observamos um sistema binário em formação. Os dados do telescópio Atacama Large Millimeter/sub-millimeter Array (ALMA), que fica no Chile, revelaram que o disco circunstelar que observamos, ao invés de conter uma estrelinha, continha duas. Além disso, os dados revelaram filamentos entrelaçados, localizados entre as duas estrelas. Estes filamentos são colunas de gás e poeira, saindo do disco de acresção e alimentando as duas "proto-estrelinhas". É a primeira vez que se testemunha a formação de um sistema binário com tanto detalhe”, revela.

Pesquisa

O astrofísico ipatinguense estuda o processo de formação de estrelas. Especificamente, como estrelas do mesmo tipo do Sol (ou seja, estrelas consideradas de pouca massa) são formadas a partir da condensação de nuvens de poeira e gás, que existem na Galáxia. Este estudo utiliza telescópios de última geração, como os localizados no Atacama Large Milimeter Array (Alma) , no Chile. “Meu trabalho é utilizar primariamente a radioastronomia para observar o gás molecular e a poeira interestelar, existentes nas nuvens de formação de estrela. O objetivo é determinar as propriedades físicas e químicas destas nuvens, e como elas afetam a formação de estrelas do tipo do Sol (eficiência da formação, binaridade, formação de planetas, complexidade química e etc.)”, pontua.

Questionado sobre o porquê estudar fora do país, Felipe explicou que seu orientador de mestrado na UFMG, professor Gabriel Franco (que é também um coautor no artigo da Science) colaborava com pesquisadores da Espanha e, com isso, surgiu uma oportunidade de ir para Barcelona realizar o doutorado e expandir essa colaboração. Porém, o estudo que resultou no artigo iniciou há 15 anos, quando ainda era estudante de física, em Minas.

Os primeiros dados foram coletados no Observatório do Pico dos Dias (Laboratório Nacional de Astrofísica/MCTIC), em Brasópolis (MG). Ele observa que, historicamente, grande parte dos estudos em ciência básica no Brasil são realizados nas universidades federais e estaduais, que possuem grupos de pesquisa altamente produtivos (publicação de artigos, orientação, etc.).

“Porém, a pesquisa no país está longe de possuir o devido incentivo. A ciência é desenvolvida em grande parte no setor acadêmico, onde estudantes de iniciação científica, mestrado, doutorado e bolsistas de pós-doutorado desenvolvem suas pesquisas em regime de dedicação exclusiva, com pouquíssimo retorno financeiro. Em astronomia, o Brasil está envolvido em grandes projetos de instrumentação, que deram um importante retorno tecnológico ao país. Porém ainda dependemos muito de colaborações internacionais para realizar pesquisa de ponta (acesso a grandes telescópios) e de investimento das agências de fomento para poder realizar nossos projetos”, lamenta.

Astronomia como forma de autoconhecimento

A astronomia pode ser uma aliada, na opinião de Felipe de Oliveira Alves. Primeiramente, para autoconhecimento. Ele frisa que, por mais clichê que possa parecer, a astronomia revelou que a humanidade não passa de um grão de areia na vastidão do universo.

“Mas isso é exatamente o que nos torna especiais. Além disso, o retorno tecnológico da astronomia é imenso. Por exemplo, as câmeras digitais usam um dispositivo que foi primeiramente desenvolvido para telescópios (dispositivo CCD), assim como filmes utilizados no setor médico e industrial, corrida espacial, tecnologia para satélites e construção de telescópios. O retorno não é somente tecnológico, mas também favorece o setor industrial. O trabalho publicado na Science contém somente parte dos dados coletados para o projeto. O próximo passo é estudar em mais detalhes a cinemática dos filamentos e sua estrutura química. Além disso, estou envolvido em grandes colaborações que envolvem o estudo da complexidade química em nuvens de formação estelar e discos circunstelares”, adianta.

O estudioso salienta que está fora do país há quase 13 anos, mas percebe em suas palestras no Brasil que muitos estudantes do ensino médio sequer sabem que existe a carreira de astrofísica no país. Para ele, a astronomia é talvez a ciência mais fascinante dentre as áreas das ciências naturais, portanto, não deveria ser difícil despertar o interesse por ela nas gerações mais novas.

Sobre as teorias da terra plana, que ganharam força ao longo dos últimos tempos, ele é categórico. “Tal crença, assim como os antivacinas ou a negação do aquecimento global, fazem parte de uma onda de enorme retrocesso, que não possui qualquer embasamento científico, mas somente político e religioso. É preciso entender que a ciência sobrevive por meio dos tempos às custas de falhas, sucessos e conhecimento que se herda do passado. Destruir essa estrutura sem qualquer embasamento é uma irresponsabilidade não somente com a ciência, mas também com a sociedade (vide a volta dos casos de doenças erradicadas há anos - como a pólio)”, alerta.

Mensagem

Para as crianças e jovens que pensam em seguir a mesma área, Felipe Alves deixa uma mensagem. “Somos exploradores por natureza. A curiosidade está em nosso instinto humano. Trabalhar com ciência é um constante exercício de paciência e resiliência, mas também é se redescobrir, é abrir janelas, é expandir o nosso conhecimento. As universidades e centros de pesquisa no Brasil desenvolvem trabalhos de ponta na área de astrofísica. Mas é preciso ser bom em matemática, inglês, gostar de viajar e, claro, ter espírito de aventura. Foi assim comigo e não me arrependo do caminho que trilhei”, conclui.

(Bruna Lage - Repórter)
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Comentários

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Machado Júnior

15 de outubro, 2019 | 12:33

“Gostaria de saber onde ele falou de religião na entrevista.”

Roberto L. C. R.

14 de outubro, 2019 | 23:03

“Gostaria muito de entrar em contato com o Felipe... tenho o sonho de atuar na mesma área, caso alguém o conheça e possa ajudar ficarei agradecido.”

Gabriela Martins

14 de outubro, 2019 | 17:16

“eu olhei e gritei BURGUES SAFADO parabens pela descobertah amoreh”

Jovem Aprendiz

14 de outubro, 2019 | 12:01

“Este sim merece ser chamado de "Doutor". Ele não é apenas um simples delegado, advogado ou médico que se autointitulam de doutor ou que são chamados por populares de "Doutor Fulano de Tal".”

Kleber Barbosa Júnior

13 de outubro, 2019 | 14:41

“Um cientista brilhante e consciente dos prejuízos ao conhecimento gerados pelas superstições religiosas..”

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