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15 de setembro, de 2019 | 08:00

Polarização e intolerância dão o tom da política brasileira

Para tentar explicar o porquê deste cenário, o Diário do Aço conversou com o psicólogo Daniel Guedes e com o historiador João Carlos Duarte

Wôlmer Ezequiel
Para o historiador João Duarte, debates podem polarizar-se mais, acirrando o enfrentamento direto e não apenas nas mídias sociaisPara o historiador João Duarte, debates podem polarizar-se mais, acirrando o enfrentamento direto e não apenas nas mídias sociais

A intolerância política tem sido uma situação corriqueira nas rodas de debate e, principalmente, nas mídias sociais. Ao longo dos últimos anos, expor um pensamento contrário ou simplesmente dizer em quem votou na eleição pode ser o estopim de uma discussão acalorada. De forma mais evidente, essa diferença tem crescido entre os que apoiam o Partido dos Trabalhadores (PT) e o presidente Jair Bolsonaro, do PSL. Para tentar explicar o porquê deste cenário, o Diário do Aço conversou com o psicólogo Daniel Guedes e com o historiador João Carlos Duarte.

Para o historiador, vivemos um cenário político conturbado, remetendo às polarizações políticas e ideológicas da década de 1960, em que União Democrática Nacional (UDN) de Carlos Lacerda e PSD/PTB dos getulistas, embalados pelo clima de guerra fria, travaram uma guerra intestina, culminando com a queda de sucessivos presidentes da República até o Golpe Militar de 1964.

Sobre a quantidade de comentários nas mídias sociais incitando o ódio e a intolerância em relação a quem pensa diferente, João Duarte aponta que os sociólogos já sinalizavam, desde a virada do século, para uma mudança brusca nos padrões comportamentais de uma nova sociedade, uma nova era. Delineada como “modernidade líquida”, em que novos valores estavam sendo sedimentados, mediados pela cibercultura. Neste sentido, ele cita o sociólogo francês Michel Maffesoli, que expressou um retorno à era das tribos, ou a retribalização das relações sociais.

“Maffesoli, Bauman e outros já sinalizavam para o declínio do homem público, e que agora eletrônico, estava substituindo a praça pública como centro do debate político. E mais, que o sentimento de sociedade e de solidariedade orgânica da sociedade industrial estava desmoronando e cedendo espaço para um pertencimento às comunidades, dentre elas, as virtuais, em que o sentimentalismo pautado pela emoção e questões privadas, próprias dos interesses grupais, imporiam sobre o bem comum. Nesta esteira, as comunidades se organizam em torno de caciques, e as tribos, com seus desejos ancestrais de guerra a todo tempo, alimentam da disseminação de ódio ao opositor”, avalia.

Ondas
Para João Duarte, a história se movimenta em ondas, ora fortes, ora calmarias e o mar político se aproveita da força das marés, alimentando seus tripulantes com monstros. “Nunca faltaram ilustrações de bodes expiatórios, bem-criados em laboratórios de poder, para justificar ações de crises de legitimidade deste mesmo poder instituído. Já tivemos bruxas, feiticeiras, judeus, comunistas, feministas e outros istas. Porém, não estamos isolados do que ocorre na seara política internacional, sendo que a eleição do presidente Trump, nos Estados Unidos, utilizando deste discurso de ataque a imigrantes latinos e outros sem números de incontinências verbais, propagados todos os dias pelo Twitter, fez e faz acender ainda mais este discurso de ódio aos diferentes, em escala global”, pontua.

Polarização
A polarização política entre PSL e PT não é novidade para o historiador João Duarte. Ele retoma um cenário que já vinha se desenhando desde as eleições de 1990. Fernando Collor x Luiz Inácio Lula da Silva, continuou com PSDB x PT e acirrou na penúltima eleição Dilma Rousseff x Aécio Neves. Ele vê um cenário em que as tribos se agruparam, armadas pela conectividade, comunicação instantânea, com suas pinturas - cores, continuam pintadas para a guerra, em um vale tudo, como se estivessem, ainda, em campanha partidária, em disputa interna do controle da selva política.

Sobre a democracia, se em algum momento ela foi ameaçada, João diz que, em 130 anos de República brasileira, estes últimos 30 anos, inaugurados com a Constituição de 1988, foram os mais sólidos, algo inédito. “Em poucos momentos da História tivemos democracia plena. O que amedronta é o ataque muito forte às instituições, isto é preocupante, a corrosão do aparato judiciário, o aparelhamento do Ministério Público e outros discursos de apologia a governos autoritários recentes é preocupante, podendo ser o prenúncio da germinação do ovo da serpente”, vislumbra.

Questionado se um governo marcado pela presença de militares em cargos importantes pode gerar autoritarismo, ele opina que não necessariamente, mas abre caminhos para que os outros se aproveitem da situação. João acredita que, no momento, os militares que compõem o alto escalão têm sido o ponto de equilíbrio do governo, com discursos e práticas coerentes aos preceitos constitucionais.

Cenário
João Duarte salienta que o cenário político que vivemos depende dos resultados das eleições municipais de 2020, podendo polarizar-se mais, acirrando o enfrentamento direto e não apenas nas mídias sociais. Sobre a guerra híbrida, com clara intenção de influenciar o eleitorado e a manipulação de dados de usuários das mídias sociais, ele faz uma análise sobrea ameaça à democracia.

“Saímos dos currais eleitorais para os currais eletrônicos, e este eleitor sempre foi influenciado, são novas metodologias de influência, que promovem maior acirramento das tensões. Não vejo apenas que esta manipulação seja uma ameaça, como em toda guerra política, prevalece a máxima atribuída a Maquiavel (Nicolau), de que os fins justificam os meios. Faz parte do jogo, trata-se de jogo sujo, antiético. Mas os oponentes, à priori, dispõem das mesmas armas. Esta novidade pode ser corrigida se as instituições judiciarias se dispuserem de mecanismos de controle e a sociedade se mobilizar”, conclui.

Elis Santiago
Daniel Guedes observa que o ódio mobiliza mais que a alegriaDaniel Guedes observa que o ódio mobiliza mais que a alegria
O surgimento da intolerância numa sociedade

O psicólogo Daniel Guedes pontua que o ódio é mobilizador, mais que a alegria. Se alguém chega relatando que está muito feliz, passando por momento de alegria, vai ter pouca adesão ou contagiar menos pessoas presentes. Mas se chega neste mesmo lugar relatando sentimentos de ódio e ira, terá atenção máxima e as pessoas se envolvem na questão.

“As pessoas que odeiam sempre têm vontade de ter mais adeptos ao seu sentimento, pois assim, sentirão mais seguras e aprovadas. Podemos ver grupos formados tendo em comum o ódio. Tem identidade coletiva, criam símbolos, palavras de ordem e mitos. Tudo para denegrir e atacar o odiado aumentando seus adeptos. Um alerta que temos de ter claro é quando o ódio modifica totalmente os pensamentos e ideias, altera emoções positivas em negativas e coloca os outros odiados em situação de desumanização. Isto é muito grave, pois vai para os extremos, perde-se a condição do respeito e limite. Os extremos são ruins e destrutivos, temos que buscar o meio, onde vive a razão. Do contrário, nos transformamos em bichos, sem querer ofender aos bichos, que tem o seu código de convivência administrado pela lei da sobrevivência”, ameniza.

O respeito às diferenças de pensamentos e comportamentos estão ligados ao indivíduo, que tem em sua personalidade suas características. “Sua forma de emoção, seu jeito de agir e reagir diante das coisas, sua maneira de pensar, sentir, todos os seus valores morais. Esses elementos tornam cada um de nós únicos, também complexos na maneira de viver. À medida que vai vivendo, essa personalidade vai se firmando. O contexto familiar tem muita importância nesta formação, o ambiente em que é criado e como participa dele. Se aceito ou não, se temos sucesso com amizades ou não, portanto, nossa personalidade está ligada com as características genéticas e todas as experiências que temos ao longo da vida. (Nelson) Mandela disse ‘ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar’”, avalia.

(Repórter - Bruna Lage)
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