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31 de agosto, de 2019 | 16:00

A falácia da MP 881

Maria Inês Vasconcelos *

Na pauta do dia está a Medida Provisória 881, a MP da liberdade econômica, uma das principais bandeiras de Bolsonaro que nasceu, em tese, para estabelecer providências a fim de ampliar a liberdade econômica e assegurar o livre mercado, além de objetivar a desburocratização, simplificar e desonerar a atividade empresarial.

Aparentemente a proposta é uma iniciativa positiva, afinal, acredita-se que, com a sua aprovação, será possível maior fluência econômica e a geração de novos empregos. Mas, na realidade, essa MP é extremamente ambígua por ter em seu bojo uma segunda reforma trabalhista.

Os interessados em sua aprovação afirmam que a burocratização tem custo elevadíssimo para a economia do país, e que é um verdadeiro cancro. Contudo, a desburocratização é muito mais do que eliminar o carimbo e acabar com as famosas autenticações em cartórios. Ela mexe com princípios, ideologias e tem uma justificativa social e histórica. Quanto menos confiança, mais burocracia. Ela é um apanágio da falta de confiança.

Dessa forma, somente com uma visão reduzida, precipitada e ingênua, pode-se acreditar que, retirando o carimbo, tal fluência na economia seja almejada. O resultado pode ser o contrário, porque a desburocratização decorre da elevação da confiança entre os contratantes e a diminuição da intervenção estatal nos negócios jurídicos.

Ora, do ponto de vista de boa parte da sociedade, o Brasil ainda é um país imaturo para tanta liberdade e flexibilidade. A ampliação da confiança é algo que se faz com modificações sociais e culturais. A operação Lava Jato, por exemplo, pode marcar o início de uma fase de corrupção aplacada, mas ainda é muito cedo para enxergar que o país superou a crise da ética.

Por outro lado, a MP tem embutida em seu texto outra reforma trabalhista, essa sim, muito criticada e ponto de conflito entre o legislativo e o executivo. A supressão de direitos obreiros, infelizmente, nem de longe irá gerar novos empregos ou fará prosperar os negócios. É preciso que se repense este aspecto, porque quanto mais se mexe com o trabalhador, mais precariedade se produz. E convenhamos, a precariedade é um veneno para o crescimento econômico.

O que se pretende com a referida MP é um absurdo em alguns pontos específicos. A medida tem uma chuva de inconstitucionalidades e é um atentado contra pilares de certos dispositivos que sempre tiveram a função de impedir a super exploração do trabalhador. É o caso, por exemplo, do controle de ponto ou do controle de jornada, com o ambíguo, porém criativo modelo de “controle de ponto por exceção”; bem como a permissão de trabalho aos domingos e feriados, além da supressão das CIPAS e diminuição da responsabilidade do grupo econômico em caso de execução. De onde se pode imaginar que aumentando o risco para o empregado é possível aplacar a desburocratização?

É surreal pensar que tais ambiguidades possam possibilitar o crescimento econômico. Desburocratizar é uma coisa, precarizar o emprego é outra. A precarização nunca gerou mais emprego. A tragédia da Vale está aí. Imagine o que será quando acabarem com as CIPAS e reduzirem a responsabilidade do grupo econômico? O que será do trabalhador? Que lógica infeliz em aumentar o risco na relação de emprego.

A ideia de diminuir a responsabilidade dos grupos econômicos é ardilosa. É a partir de ideias como essas que foram criados mecanismos denominados blindagem patrimonial. São as holdings e empresas sociais de outras empresas, muitas CGS e um esquema bem montado para fraudar os credores. Lógico que há holdings feitas para finalidades legítimas, como é o caso de planejamento sucessório e fiscal. Mas há deturpações.

E quando se enfraquece a responsabilidade dos grupos econômicos, surge uma plataforma favorável de atuação para o credor mal pagador. Perdoem os que pensam de forma contrária, mas isso nunca vai permitir que o país cresça, ao contrário, vai alimentar a corrupção, a sonegação e a precariedade do emprego. O dinâmico e imprevisto mundo moderno do trabalho está sofrendo profundas alterações e a intensidade desse fenômeno exige cautela. Agrega-se a isto tudo o paradigma neoliberal e a desregulamentação de direitos trabalhistas.

Portanto, ainda que se decidida desburocratizar os negócios e a atividade empresarial, não pode haver descuido no seguinte aspecto: o trabalho deve ser ético e a relação de trabalho deve ser digna, sem banalização da precariedade. Estes pilares não podem ser desarticulados por nenhuma Medida Provisória. Portanto, essa MP cheia de ilegalidades, ao contrário do que possam pensar, é um tiro no pé, uma força contrária ao crescimento que cria engenhocas ambíguas e que em nada represam a opressão sobre o trabalhador, além de não reconhecer a força do trabalho e a mais valia.

Ainda que estejamos vivendo nos tempos das relações líquidas, de Zygmunt Bauman, os pilares do trabalho não podem ser atingidos por MP nenhuma. Essa história de controle de ponto por exceção, entre outras, são uma porta aberta para o desmantelamento do mínimo necessário ao trabalho. É isto que deve pesar no empresariado.

Assim, o Estado Liberal, as novas formas de organização do trabalho e o processo capitalista que só vê a possibilidade aparentemente vantajosa de diminuição da responsabilidade do grupo econômico, estimulando fraudes e corrupção; tudo isso deve atuar ao lado da relação de trabalho digna, pilar do Estado Democrático de Direito. Só assim, o país crescerá. 

* Advogada e escritora.
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