18 de julho, de 2019 | 15:00

Ensaio sobre a responsabilidade dos administradores de grupo do Whatsapp

Adriano Fidalgo *

“Aplica-se ao administrador de grupos de Whatsapp e demais aplicativos a legislação comum”

“Já há jurisprudência formada com o entendimento que os agentes de eventual ato doloso ou culposo poderão ser responsabilizados”

Como é notório existem diversos grupos de Whatspp e que provavelmente você, leitor, participa de alguns deles, sobre os mais variados temas.

Contudo, os administradores devem tomar cuidados e bem gerenciar os grupos que cuidam. Assim como quem os criou, pois se a começar pelo nome ele já carregar alguma ilegalidade ele já começará mal (exemplos: cyberbullying, violação a direitos autorais, apologia ao crime e por aí vai). Todo poder recebido ou conquistado atrai a devida responsabilidade subsequente.

Aplicam-se ao Whatsapp e demais aplicativos a legislação comum. Se um administrador faz algo errado em uma empresa ele pode responder criminalmente ou civilmente, dependendo da ilicitude praticada. O mesmo ocorre na órbita da administração pública em que alguém que exerça função de comando erre. Por que isso não ocorreria no Whatsapp? Quem comanda carrega ônus e bônus. O status de liderança carrega responsabilidades, por obvio.

Incidirá na vertente cível a teoria geral da responsabilidade subjetiva (negligência, imprudência ou imperícia) ou objetiva, dependendo da legislação que se aponte como violada no referido grupo, como por exemplo, na órbita de direito do consumidor. No nicho penal vai depender também do tipo penal invocado como transgredido. Além de se observar valores constitucionais como os direitos a manifestação do pensamento, a imagem, a honra, a privacidade, a intimidade, a propriedade, a legalidade, ao devido processo legal, a dignidade da pessoa humana, além de tantos outros que poderão ser manejados.

Portanto, deve-se sempre evitar respostas de apenas sim ou não, para quem atua no direito em várias oportunidades vale mais o depende. Em quaisquer tipos de grupos que se participe possivelmente se enfrentará uma situação de interseção com o direito, seja a exposição de um menor, a possível violação a direitos autorais e de propriedade intelectual, de direito de imagem, de direitos humanos e etc., seja qual for a discussão travada. O que deve um administrador fazer?

Para se chancelar tal posicionamento com um exemplo prático vale observar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio dos seus artigos 17 e 18. Não se adentrará aqui sequer na seara da ilicitude ser penal ou cível, apenas uma transgressão genérica. Imagine-se a hipótese de um caso de exposição de nudez de menores postada em um grupo, por qualquer membro. Confrontando com os referidos artigos, nota-se que algumas regras valem para qualquer lugar:
“Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

“Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Quando o artigo fala “é dever de todos”, entende-se que vale para todas as pessoas (físicas e jurídicas inclusive) e em todos os lugares, inclusive no mundo digital. Trata-se apenas de um exemplo, na nossa enorme legislação existem tantos outros que poderiam aqui ser invocados.

Qual postura se espera de um administrador de grupo em um caso dessa índole? Claro que a culpa de uma pessoa que está na condição de administrador não deve ser medida de forma automática e irrestrita. Tampouco se confunde com a dos membros do grupo. Cada qual sempre responde nos limites da sua culpa.

No entanto, deve o administrador ter ciência inequívoca de uma ilegalidade para se averiguar sua responsabilidade. E quem posta também tem as suas responsabilidades. Cada qual na sua dosimetria, averiguando-se agravantes, atenuantes e excludentes. Ainda que a mensagem seja criptografada e restrita aos membros do grupo pode vir a público. Eis que, um membro pode denunciar as ilegalidades ou o conteúdo ser desvendado, após ordem judicial.

E se o administrador não tomar nenhuma medida, quando o fato for notoriamente ilícito aí é que se poderá saltar alguma responsabilização de modo mais contundente, avaliando-se cada caso em concreto. Baseando-se na teoria da aparência se pressupõe que quem administra um grupo está ciente do que lá ocorre. Com o respeito às opiniões contrárias, se alguém administra um grupo deve zelar por ele. Ou ter mais de um administrador. Dá trabalho administrar.

Claro que um julgador avaliará pela quantidade de membros se esse "monitoramento" era possível e em qual prazo seria razoável e proporcional tal verificação do conteúdo. Se todos os dias ou de quanto em quanto tempo. Ou se tem o administrador que ser notificado por algum membro do grupo para se deter, deste modo, a certeza de que o administrador tem ciência inequívoca da postagem, seja de um texto, de uma imagem ou de um vídeo. Ou vale apenas os riscos azuis que denotam a leitura da postagem?

Refutando por antecipação, desde já reputo ser indevida a comparação de um administrador de grupo com provedor de hospedagem ou de aplicações, conforme rege a matéria o Marco Civil da Internet, pois essas funções só podem ser desenvolvidas por pessoas jurídicas, já o administrador se trata de pessoa física, dotada de inteligência, sentimentos e características natas humanas, o que lhe dá condições de julgamento sobre a moralidade e legalidade de dada postagem.

Desta forma, não se afirma que, há regra irrestrita, absoluta e automática de responsabilização, seja penal ou cível, dos administradores de grupos no Whatsapp. Nesse sentido, já há jurisprudência aplicada a casos práticos em que tal responsabilização foi invocada, com o entendimento que os agentes de eventual ato doloso ou culposo poderão ser responsabilizados, avaliando-se a situação concreta, especialmente se forem violados princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, valioso sobreprincípio da democracia brasileira.

Assim a tese deverá prosperar, sempre dosando o grau de responsabilidade do administrador, por culpa in vigilando. Conforme se levantou neste breve ensaio, com a análise da casuística e dos valores constitucionais envolvidos.

* Advogado. Auditor Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco. Pesquisador cadastrado no CNPQ, entre outros, no Grupo de Pesquisa em Educação, Tecnologias e Cultura Digital. Autor do livro: Reputação Digital no Facebook, Sustentabilidade Empresarial e o Consumidor.

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