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25 de junho, de 2019 | 18:00

O caldeirão do Moro

Beto Oliveira*

Em seu livro sobre os chistes, Freud cita como exemplo de um dito espirituoso a história do rapaz que toma emprestado um caldeirão de um amigo e, dias após devolvê-lo, precisa justificar o fato de o caldeirão ter, agora, um grande furo. Para se defender, o protagonista da história alega que: em primeiro lugar, nunca tomou o caldeirão emprestado; em segundo lugar, que o caldeirão já estava furado quando pegou emprestado; e em terceiro lugar, que devolveu o caldeirão intacto. Como alega Freud, cada uma destas defesas é válida por si, mas reunidas excluem-se mutuamente. Em outras palavras, o personagem trata isoladamente o que se devia considerar um conjunto.

A situação em que se encontra o ex-juiz Sergio Moro, agora Ministro da Justiça, não poderia ser mais semelhante. Ao vazarem conversas suas com o procurador federal Deltan Dallagnol, ele se defende dizendo que não reconhece como autênticas as mensagens divulgadas. Essa justificativa, evidentemente, seria válida por si, como o é a justificativa do camarada que alega nunca ter pego o caldeirão emprestado. No entanto, o ex-juiz só fez essa alegação após ter dito, em um primeiro momento, que as conversas eram irrelevantes e corriqueiras, de forma semelhante ao amigo que diz que entregou o caldeirão intacto. Como se não bastasse, Moro ainda sugere que as mensagens foram adulteradas, como quem diz que o caldeirão já estava furado quando o tomou emprestado.

Ora, se ele não reconhece as mensagens como autênticas, não há necessidade de dizer que elas são irrelevantes ou que não comprometem seu trabalho, como tanto ele insistiu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Basta dizer que não são suas as mensagens. Por outro lado, se as mensagens são irrelevantes e não comprometem o processo, por qual motivo debater tanto sobre sua autoria? Mas a alegação mais curiosa, sem dúvida, é quanto as mensagens serem adulteradas. Pois, em conjunto com as outras duas justificativas, ela fez com que os que ainda defendem a imparcialidade do ex-juiz criassem a absurda hipótese de que um hacker teria invadido sua conta para falsificar conversas totalmente irrelevantes.

Além do trabalho de acessar as conversas, o hacker as adulterara, mas não com o intuito de prejudicar a Força-tarefa da Lava Jato, pois as mensagens não são comprometedoras, são mensagens casuais, corriqueiras. Acusar as mensagens de terem sido adulteradas é reconhecer que elas o comprometem, tanto quanto dizer que o caldeirão foi devolvido furado implica que o caldeirão foi tomado emprestado.

A essas justificativas, soma-se a tentativa de fazer com que a invasão de privacidade, sem dúvida algo grave, soe como mais comprometedora do que as supostas mensagens em si. Foi essa a tentativa de parte da imprensa e também do ministro Alexandre de Moraes, que chegou a dizer que a publicação do The Intercept Brasil era um crime.

As conversas podem revelar um crime de Moro, a invasão dos celulares, com certeza, é um crime do hacker, mas a publicação de uma reportagem não pode, de forma alguma, ser vista como um crime. Claro que se alguém citado na reportagem se sentiu caluniado, é seu direito processar o veículo. Causa espécie que o próprio Moro, até o momento, não o tenha feito. Talvez porque se ele decidir acusar alguém de calúnia, restará a ele, como acusador, o ônus da prova.

Em outras palavras, ele terá que provar que se trata de adulterações, ou que as mensagens não são dele ou que são irrelevantes. Agrava-se a isso o fato do The Intercept Brasil ter fechado parcerias distintas para as próximas divulgações, o que coloca Alexandre de Moraes, por exemplo, na condição de ter que acusar de crime muitos outros jornalistas e veículos. Tudo isso faz com que o caldeirão de Moro, emprestado ou não, esteja a cada dia entornando mais e mais. Vejamos até onde alcançam o caldo e seus respingos.

* Psicólogo. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Coordenador do CEPP (Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço). Autor do romance “O dia em que conheci Sophia” e da peça teatral “A família de Arthur”
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