01 de junho, de 2019 | 10:00

Por um projeto melhor para o saneamento

Luiz Pladevall (*)

“Um dos pontos mais polêmicos proíbe contratos de programas entre estados e municípios”

Uma nova página sobre o saneamento no país pode ser escrita nos próximos dias. O Congresso Nacional tem até 3 de junho para decidir o destino da MP 868/18, assinada no apagar das luzes do governo do presidente Michel Temer, e que impõe um novo marco legal para o setor. Um dos pontos mais polêmicos do projeto está no dispositivo que proíbe os chamados contratos de programas, que são aqueles firmados entre estados e municípios para prestação dos serviços de saneamento em colaboração. Atualmente, essas parcerias não exigem licitação, pois o contrato não é realizado com uma empresa privada.

Da maneira como está, a MP vai ampliar a insegurança jurídica e atrasar ainda mais o avanço do saneamento no país. A gestão associada é uma prerrogativa que cabe aos estados e municípios disciplinarem, e essa parceria está prevista na Constituição. A interferência proposta no projeto é um flagrante caso de inconstitucionalidade e obriga os prefeitos a cederem à iniciativa privada, mesmo diante de modelos de sucesso, como é o caso da Sabesp (São Paulo) e Sanepar (Paraná).

O caminho proposto pela MP 868/18 é espinhoso e contraproducente diante da complexidade do saneamento no país. Sem impor um planejamento e a demanda de projetos substanciais, a proposta do novo marco legal vai atrasar ainda mais a infraestrutura do setor, intimidar investidores diante da flagrante insegurança jurídica, transformando o saneamento em uma fonte de grande importância para os escritórios de advocacia em detrimento das empresas de engenharia consultiva, as verdadeiras responsáveis pelos planejamentos e projetos.

O novo marco sequer oferece uma solução para o acompanhamento federal uniforme do saneamento nos municípios. A torre de babel vai persistir no atendimento às demandas das localidades para obras de infraestrutura, por exemplo. Para se ter uma ideia de como funciona essa gestão, as cidades com até 50 mil habitantes são atendidas pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde), ligada ao Ministério da Saúde, e as demais localidades pela Secretaria de Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Vale ressaltar que a participação privada é essencial para o avanço do saneamento no país. Inicialmente prevista para 2033 a universalização dos serviços do setor, a falta de recursos das empresas comprovou o quanto é impossível alcançar as metas inicialmente propostas. Por isso, ainda hoje, 100 milhões de brasileiros não têm acesso à rede de coleta e tratamento de esgoto e 35 milhões não contam com água potável. As epidemias ou endemias relacionadas à transmissão hídrica já são registradas em 34,7% dos municípios, segundo estudos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Porém, a abertura pura e simples do mercado de saneamento não vai atender às demandas da população diante dos vultuosos recursos necessários de Norte a Sul do país.

O que os agentes envolvidos no saneamento precisam entender é que a participação privada no setor não é similar ao que ocorreu na privatização da telefonia, energia elétrica e aeroportos. Muito pelo contrário, o marco legal precisa atender às especificidades dos municípios. Alguns deles, com indicadores de países desenvolvidos tanto no abastecimento de água como no esgotamento sanitário. Por outro lado, outras cidades são altamente deficitárias nesses serviços. Por isso, o saneamento não deve ser visto como a solução do déficit fiscal dos estados. A população brasileira merece um projeto melhor.

(*) Luiz Pladevall é presidente da Apecs (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente) e vice-presidente da ABES-SP (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental).


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