01 de abril, de 2019 | 00:02

Ditadura nunca mais

Wallace Carvalho Costa *


O período histórico vivido pelo Brasil de 1964 a 1985 não deve ser comemorado. Tal época celebrou a privação da liberdade e a restrição dos direitos de vários brasileiros. Foi um tempo de manto negro sobre o Brasil. Bolsonaro patrocina a subversão de valores democráticos ao convocar uma celebração de um regime que fechou o Congresso, prendeu opositores e usou tortura e mortes como métodos oficiais de repressão. A visão do Presidente não é necessariamente a visão dos brasileiros.

O inventário da violência dos anos de chumbo é farto de evidências contrárias ao Estado de Direito, tendo em vista que pessoas eram investigadas pelos órgãos de segurança sem qualquer critério. Há casos de cidadãos detidos por suspeita de subversão, como também de acusação em julgamentos viciados de auditorias militares. Os números somam mais de duzentas mil pessoas detidas e cinquenta mil julgadas equivocadamente. A tortura era algo praticado com rotina, como mecanismo de obtenção das 'verdades', sem qualquer restrição. Só no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo foram mais de dez mil pessoas torturadas, incluindo crianças, conforme apuração feita e publicada na obra literária 'Brasil Nunca Mais', do Cardeal Paulo Evaristo Arns.

Como se não bastasse, as maldades e as barbaridades não se resumiam aos aspectos narrados acima, tendo em vista que o regime vitimou índios, camponeses, estudantes e professores universitários. Aproximadamente dez mil pessoas, incluindo índios e camponeses foram proibidos de exercerem suas atividades com liberdade. Os professores e alunos universitários foram vítimas do Decreto 477/69 que estabelecia a definição de infrações disciplinares, que consideravam os movimentos acadêmicos e populares como subversivos e contra a segurança nacional. A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi banida. Havia privação das liberdades de expressão e manifestação.

Diversos brasileiros foram exilados e obrigados a sair do país para viver uma vida de silêncio. A permanência no país não era garantia de vida e o risco de morte era iminente. Políticos perderam seus mandatos, funcionários públicos foram aposentados ou demitidos, militares foram reformados compulsoriamente, como forma de atender aos ditames totalitaristas. Há relatos documentados de que dez mil brasileiros foram exilados, quatro mil e oitocentos mandatos políticos foram cassados, mais de mil funcionários públicos foram aposentados compulsoriamente e mil e trezentos militares reformados a bem da governança ditatorial.

No campo das relações sociais trabalhistas, mil e duzentos sindicatos sofreram intervenções do Estado e do Judiciário, enfraquecendo a organização popular. Líderes religiosos foram banidos, juízes foram expurgados dos tribunais, sendo três deles membros do Supremo Tribunal Federal. O Congresso Nacional foi fechado três vezes pelos generais ditadores, assembleias estaduais foram postas em recesso em demonstração do poder autoritário controlador dos caminhos da sociedade. Senadores e prefeitos biônicos foram nomeados.

'O inventário da violência dos anos
de chumbo é farto de evidências
contrárias ao Estado de Direito'


A propaganda do governo anunciava um falso crescimento econômico que escondia os escândalos financeiros com empréstimos internacionais e construções faraônicas, tais como a Transamazônica, a ponte Rio/Niterói, Itaipu e as Usinas Nucleares de Angra dos Reis. A corrupção fazia parte da gestão pública.

Havia também censura prévia a toda a imprensa brasileira, fosse ela escrita, falada ou televisiva. Os domínios da Lei de Segurança Nacional e da propaganda da ideologia de segurança garantiam a inércia da grande maioria da população.

Tal fenômeno fortaleceu a ideia de que o golpe era benéfico ao país e afastava o risco do socialismo. Vale lembrar que o discurso do presidente deposto, João Goulart, era contrário aos interesses das elites nacionais e internacionais. Jango, como era conhecido, pregava não apenas a reforma agrária, mas também a reforma tributária, a reforma eleitoral ampla, lutava pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação, pela justiça social e pelo progresso do Brasil. Militares eram submissos aos interesses dos Estados Unidos.

A ditadura fez também mais de quinhentas vítimas que pagaram com suas vidas, sendo que mais de cem ainda estão desaparecidas, não se sabendo o seu paradeiro. Foram vinte e um anos de escuridão com a destruição das vias democráticas e o vilipêndio da Constituição e da liberdade em nome do Estado autoritário e destruidor da nação brasileira. Por isso, lembrar é resistir.

* Advogado, professor e coordenador do curso de Direito do Unileste
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