17 de março, de 2019 | 06:33

Ipatinguense relata experiências vividas na Venezuela durante anos de crise

Entre os anos de 2007 e 2018, o ipatinguense Alessandro Nunes, de 37 anos, morou na Venezuela, a trabalho, e passou por diversas complicações durante sua estadia lá

Wôlmer Ezequiel
Alessandro Nunes informou que morou na Venezuela entre 2007 e 2018, período em que pôde acompanhar de perto a crise econômica no país vizinho Alessandro Nunes informou que morou na Venezuela entre 2007 e 2018, período em que pôde acompanhar de perto a crise econômica no país vizinho

A situação política e social na Venezuela está cada vez pior. São diversas as dificuldades que o povo venezuelano enfrenta no país, como falta de comida, água, remédios e, mais recentemente, eletricidade. Desde o início desse mês, várias regiões do país registraram apagões no sistema de energia elétrica, que causaram prejuízos à população.

Entre os anos de 2007 e 2018, o ipatinguense Alessandro Nunes, de 37 anos, morou na Venezuela, a trabalho, e passou por diversas complicações. Em entrevista ao Diário do Aço, Alessandro relatou as experiências vividas no país vizinho, onde trabalhou como engenheiro civil pela construtora Odebrecht, quando também casou-se com uma venezuelana. “Em 2007, fui contratado por uma prestadora de serviço da Odebrecht para trabalhar em Maracaibo, no estado de Zulia. Um ano depois, passei a ser funcionário da Odebrecht. Nessa época em que cheguei ao país, o preço do barril do petróleo estava em alta e havia muitos investimentos. A inflação não era tão alta como nos dias de hoje. Então era um país que estava em crescimento, com muitas obras em desenvolvimento”, informou.

Segundo Alessandro, poucos anos depois a situação começou a ficar crítica, quando houve uma queda do preço do barril do petróleo no mercado internacional. “Em 2009 já houve uma redução do número de obras no país, por falta de investimentos do governo, e também diminuiu a manutenção nessas obras já construídas, principalmente nas refinarias de petróleo. Até que, em meados de 2011, a situação se tornou uma calamidade e foi só piorando”, observou.

Impactos
O engenheiro civil conta que, em 2010, ele mudou-se para a cidade de El Tigre, no estado de Anzoátegui, onde morou até 2018, e continuou trabalhando para a Odebrecht nesse período. Para Alessandro, os primeiros impactos que sentiu no início da crise foram em relação ao abastecimento de produtos básicos no mercado. “Os primeiros impactos apareceram em 2009, como falta de alimentos, medicamentos, sabonetes e papel higiênico, dentre outros. Como eu viajava para o Brasil a cada seis meses, com apoio da empresa, eu levava esses produtos em três malas para a Venezuela. Nos supermercados era até possível encontrar algum desses produtos, mas era algo bem difícil e ainda havia uma limitação nas compras. Além disso, o nível de desemprego e a inflação começaram a aumentar”, contou o ipatinguense.

Alessandro relatou ainda que, a partir de 2013, ano em que Nicolás Maduro assumiu o governo do país, no lugar do presidente Hugo Chávez, que morreu em decorrência de um câncer, já não era mais possível encontrar alimentos e produtos básicos na maioria dos mercados do país. Além disso, quando Nicolás Maduro conseguiu se reeleger, em 2018, Estados Unidos e outros países deram início a aplicação de sanções contra a Venezuela. “Quando Maduro se tornou presidente ele já não tinha apoio da população, mas a maioria votou nele por causa do apoio que recebeu de Chávez. Então, quando Maduro assumiu o cargo de presidente, em 2013, a situação já estava crítica. Tanto é que, em 2012, a Odebrecht começou a paralisar suas obras no país porque não recebia pagamento do governo venezuelano. Só algumas obras continuaram, porque eram financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Brasil. Depois do problema da empresa com a Operação Lava-Jato, aí houve uma paralisação total das obras. Atualmente, apenas alguns representantes da Odebrecht permanecem na Venezuela, como medida de precaução, para a Venezuela não alegar que a empresa abandonou o país e, com isso, não queira mais pagar a dívida com a empresa”, ressaltou.

Fome
O ipatinguense destacou ainda que a situação na Venezuela era tão crítica que tornou-se comum ver pessoas passando fome ao seu redor. “Eu tinha um colega de serviço que, em um intervalo de um mês, teve uma mudança radical na fisionomia. Ele era uma pessoa forte, mas depois ficou muito magro. Quando fui conversar com ele, esse meu colega me contou que tinha que decidir se era ele que se alimentava ou seus filhos. E vale ressaltar que isso não era um caso isolado no serviço ou na cidade”.

Em relação à inflação, Alessandro Nunes ressalta que, nos últimos anos que morou na Venezuela, a inflação oscilava entre 300% a 500% ao ano. “Então é um país no qual todo dia aumenta-se o preço da comida de supermercados e restaurantes. Com isso, a população sofre muito. Eu já presenciei cenas em que pessoas catavam restos de comida nos lixões. Ou então, pegavam carne podre nas ruas, lavavam com vinagre e comiam. Hoje, qualquer estado da Venezuela tem casos como esses. Para eu não ficar com fome, precisava comprar comida por um valor bem mais alto na mão de revendedores, porque não tinha tempo de ficar nas filas quilométricas dos mercados”, detalhou Alessandro.

Apagão
Na entrevista, o engenheiro também contestou a afirmação do governo venezuelano que insiste em afirmar que as falhas no fornecimento de energia elétrica são por causa de um ataque cibernético praticado pelos Estados Unidos. “Isso é mentira. Falo isso porque conheço especialistas e tenho amigos que trabalhavam nessa área. Eles confirmaram que a falta de eletricidade ocorreu devido à falta de manutenção nas linhas de transmissão de energia elétrica ao longo de vários anos. Por causa disso, houve incêndios nas linhas principais e o país ficou sem energia”.

Segurança
Como muitos não possuem condições financeiras para comprar comida na Venezuela, Alessandro Nunes relata que um dos meios encontrados por essas pessoas é o assalto. “A segurança pública de lá está horrível por causa disso. Não tem um policiamento ostensivo que garanta a segurança do povo. Até durante o dia, as ruas de várias cidades são muito perigosas. Recentemente, em Maracaibo, 200 lojas foram saqueadas”, destacou.

Saúde
Segundo Alessandro Nunes, a maioria dos hospitais na Venezuela está sucateada, sem materiais básicos para socorrer a população. “Em muitos hospitais públicos, por exemplo, não há sequer agulhas para aplicar injeções. Quando tem, são em unidades privadas, que conseguem trazer de fora do país. Por causa dessa situação, minha esposa preferiu ter o nosso filho nos Estados Unidos, em 2017, e também para ele ter a cidadania americana”, explicou o engenheiro.

Reconhecimento de Guaidó
No início deste ano, o deputado Juan Guaidó, que faz oposição ao governo de Nicolás Maduro, assumiu a presidência da Assembleia Nacional da Venezuela. E com o apoio de outros países, como os Estados Unidos, Juan Guaidó decidiu se autoproclamar presidente interino da Venezuela, por considerar a posse de Maduro ilegítima, após vencer uma eleição acusada de muitas fraudes e que foi boicotada por milhares de eleitores.

Para Alessandro Nunes, Juan Guaidó tem forte apoio da população venezuelana para que ele assuma o cargo de presidente interino e possa fazer a transição de governo até que uma nova eleição seja realizada. “O venezuelano está sofrendo com a situação em que o país se encontra. A maioria entende que não é correto apoiar o governo de Maduro. Tem até militares que estão passando para o lado do Guaidó. No último protesto que aconteceu pela entrada de ajuda humanitária pelas fronteiras, quase 200 militares pediram refúgio. Posso falar que, hoje, cerca de 90% apoia Guaidó”, disse o ipatinguense.

Migração
Devido à crise na Venezuela, muitas pessoas buscam sair do país com o intuito de ter uma vida melhor. Segundo Alessandro Nunes, a maioria dos seus colegas de serviço saiu da Venezuela, só permaneceram aqueles que não tinham condições financeiras de deixar o país. “Eu ainda mantenho contato com alguns venezuelanos. Tenho muitos amigos lá. Sempre que posso, procuro obter notícias deles. Além disso, os pais da minha esposa ainda moram na Venezuela. Houve dias que nem conseguimos conversar com eles, porque ficaram sem sinal de telefone com esses apagões. Então, hoje em dia, só fica na Venezuela quem não tem condições para sair desse país ou não possui um rumo para onde ir, porque a situação lá está realmente lamentável”, concluiu.



Repórter: Tiago Araújo
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