07 de março, de 2019 | 14:47

Com auxílio de política estadual, mulheres rompem ciclo de violência doméstica

Mediação de Conflitos, da Secretaria de Estado de Segurança (Sesp), fez 16 mil atendimentos em 2018; programa trabalha a prevenção e o enfrentamento à violência em territórios de vulnerabilidade social

Foi em uma das idas à ONG Dona de Leite, para buscar mantimentos para as filhas, que Cibele*, de 27 anos, encontrou um panfleto que chamou sua atenção. Depois de quatro anos sofrendo agressões e ameaças constantes do companheiro, aquele pedaço de papel com informações sobre o programa Mediação de Conflitos, da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), poderia lhe ser útil, e Cibele guardou o folheto na bolsa. Semanas depois, durante um ataque, ela se lembrou do programa e telefonou para o Centro de Prevenção à Criminalidade (CPC) Ribeiro de Abreu, em Belo Horizonte. Uma ligação que salvaria sua vida.

Cibele é apenas uma das centenas de vítimas que conseguiram romper ciclos de violência doméstica com o auxílio da política de Prevenção Social à Criminalidade desenvolvida pela Sesp. Apenas em 2018, o Mediação de Conflitos realizou cerca de 16 mil atendimentos, grande parte deles relacionados a casos de violência doméstica e intrafamiliar – de todo o público atendido, 70% são mulheres. Ao interceder de forma preventiva e também no enfrentamento à violência, o programa esclarece direitos, media conflitos e intervém na busca pela proteção da mulher que relata risco à vida.

Nesta sexta-feira (8) para celebrar o Dia Internacional da Mulher, a política de prevenção à criminalidade da Sesp estará presente no evento Sempre Vivas – Mulheres em luta contra a violência. Realizada pela Assembleia Legislativa de Minas na Praça Sete, no centro de Belo Horizonte, a iniciativa tem o objetivo de reunir instituições públicas e coletivos que trabalham diariamente na luta contra a violência doméstica. Durante toda a tarde, as equipes farão a sensibilização do público com distribuição de folders e apresentação dos trabalhos dos programas Mediação de Conflitos e Fica Vivo!.
Atendimento do Mediação no CPC Ribeiro de Abreu - Foto: Luiza MuzziAtendimento do Mediação no CPC Ribeiro de Abreu - Foto: Luiza Muzzi

Rompimento do ciclo

“A comida não estar pronta já era motivo para ele me bater. E eu tinha medo de denunciar, porque ele falava que iria me matar. No dia que vivi a situação mais difícil me lembrei daquele papel e liguei para pedir ajuda”, conta Cibele. Ao perceber que era denunciado ao telefone, o companheiro tomou o celular de sua mão e a ameaçou com uma faca no pescoço. Do outro lado da linha, a última frase que as analistas do CPC Ribeiro de Abreu ouviram foi: “Você não vai falar com ninguém, nunca mais”.

Naquele momento, a equipe acionou a rede de proteção estadual, e Cibele conseguiu escapar com o apoio da sogra. No mesmo dia, as analistas a acompanharam até a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, onde ela registrou um boletim de ocorrência. Como havia risco iminente se voltasse para casa, Cibele também foi encaminhada para um abrigo.

Em um cenário em que crimes como esse têm sido recorrentes, a subsecretária de Políticas de Prevenção à Criminalidade da Sesp, Andreza Gomes, ressalta que as mulheres precisam de suporte para serem informadas sobre o ciclo da violência, seus direitos, medidas protetivas e as formas de saída de relacionamentos abusivos. “Os programas de prevenção, em especial o Mediação, dão essa possibilidade de acesso a essas informações, para que as mulheres possam se fortalecer para sair da violência”, explica Andreza. A subsecretária destaca que o programa, por estar próximo delas, em áreas de vulnerabilidade, oferece às mulheres uma porta de entrada relevante e toda a articulação da rede de proteção para aquelas que muitas vezes não têm condições ou meios de acessar os equipamentos especializados.

Recomeço

Analista do Mediação de Conflitos do CPC Ribeiro de Abreu, Joice Rios conta que, passados alguns meses da ameaça do hoje ex-companheiro, Cibele retornou ao território fortalecida: “Ela estava sob risco, mas conseguiu romper um ciclo de violência, e agora é outra pessoa. Percebemos que ela voltou mais consciente, orientada, entendendo a violência, e isso para a gente é uma vitória”.

Cibele relata que o apoio que recebeu do programa fez toda a diferença para que criasse coragem para denunciar o companheiro e interromper um ciclo de violência que se repetia. “Aquele foi o pior dia da minha vida. Se eu estivesse sozinha na delegacia, acho que teria ido embora”, diz. “Com ajuda, é mais fácil a gente romper. Aprendi que muitas coisas que aconteciam comigo eram violência e eu não sabia, e entendi que não preciso passar por isso nunca mais na vida”.

Segundo a analista que acolheu Cibele, muitas mulheres chegam ao Mediação de Conflitos para pedir orientações sobre divórcio e pedidos de pensão e, durante o atendimento, a equipe acaba identificando situações de agressões e ameaças. “A violência muitas vezes é naturalizada, e vamos mostrando para elas que o sacode, o falar que é doida, a ameaça de tirar os filhos também são formas de violência. Normalmente o ciclo começa assim, depois vêm muitas promessas, e, quando retorna, a agressão é sempre pior”, explica.

Joice pondera que o mais importante é que as mulheres saibam que não precisam passar sozinhas por essas situações de violência. “Quando estamos sozinhos, tudo fica mais pesado, e quando estamos juntos, podemos dividir a carga. Muitas delas não têm ninguém a quem recorrer, mas espero que mais mulheres possam ter essa informação sobre nosso trabalho para que consigam sair desse ciclo”.

O programa

O programa Mediação de Conflitos está presente em 33 Centros de Prevenção à Criminalidade de Minas. Dentre os casos recebidos no ano passado que envolvem violência, 48% eram relativos às violências domésticas e intrafamiliares contra a mulher. Além das intervenções preventivas e de enfrentamento, o Mediação também atua no esclarecimento, junto às mulheres, sobre direitos que coabitam o ciclo de agressões, como reinvindicações de paternidade, pensão alimentícia, entre outros.

Além dos atendimentos individualizados, a equipe também faz trabalhos de prevenção de forma coletiva. “É comprovado, por meio de estudos, que quanto mais empoderada uma comunidade, com acesso a direitos e informações, e sensibilizada sobre questões de violência, mais ela se organiza para prevenir esses fenômenos”, explica a diretora de Resolução Pacífica de Conflitos da Sesp, Tatiane Maia. “Se eu sei onde posso procurar apoio, se reconheço o ciclo da violência e o enxergo no outro, eu posso ser um fator de prevenção, uma ajuda para outras mulheres que estão vivendo isso”, detalha.

Em 2018, o Mediação de Conflitos promoveu 15 projetos temáticos, encontros construídos coletivamente junto a referências comunitárias voltados para discutir questões relativas ao enfrentamento da violência contra a mulher. O objetivo foi sensibilizar a comunidade e potencializar a proteção dessas mulheres em seus territórios ao disseminar informações sobre seus direitos e trabalhar a desnaturalização da violência. Um total de 449 pessoas participaram da iniciativa em diferentes Centros de Prevenção.

Segundo Tatiane, quando o assunto é proteção à vida da mulher, é essencial que a política de prevenção esteja próxima à vítima. “A violência normalmente acontece de forma privada, dentro de casa, e a mulher precisa de um mecanismo de proteção imediata. Quando ela vê um equipamento de segurança pública dentro do território, ao seu lado, ela se sente mais protegida para buscar apoio para sair daquele ciclo”, afirma.

O trabalho com os agressores

Para além do trabalho de prevenção e enfrentamento à violência realizado com as mulheres, a Subsecretaria de Políticas de Prevenção à Criminalidade da Sesp também atua com os homens agressores. Por meio da Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas (Ceapa), homens processados e julgados por crimes relacionados à Lei Maria da Penha são encaminhados pela Justiça para participar de grupos reflexivos de responsabilização sobre os atos cometidos.

Durante os encontros, várias temáticas são discutidas e experiências trocadas, a fim de que os participantes se reconheçam enquanto autores responsáveis pela violência praticada e possam, assim, modificar seu comportamento. Apenas no ano passado, um total de 956 homens passaram pelo programa, participando das ações de responsabilização. ( * Nome fictício para proteger a identidade da vítima)

Com informações da Assessoria de Comunicação Social - Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais (SESP-MG)
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