
07 de novembro, de 2018 | 08:11
A catarse do Morumbi
Protagonista da jogada que resultou no gol mais emblemático da história do Corinthians, José Ângelo recorda o clima de guerra” da finalíssima de 1977
José Célio de Sousa
José Ângelo acusa o falecido árbitro Dulcídio Wanderley Boschilia de mal intencionado” na partida que decidiu o campeonato paulista

Se não o mais importante, certamente o mais simbólico título dos 108 anos de existência do Sport Club Corinthians Paulista, é o de campeão estadual de 1977. Nem os títulos mundiais, brasileiros e da Copa do Brasil têm importância mais significativa do que aquele conquistado há 41 anos no Morumbi. A história do Timão é dividida em Antes do Gol de Basílio (AGB) e Depois do Gol de Basílio (DGB). Entre fevereiro de 1955, mês em que a Convenção Nacional do PSD homologa a candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência da República, em 13 de outubro de 1977, data em que o general Sylvio Frota foi exonerado do Ministério do Exército pelo presidente Geisel, que não concordou com a pretensão do subordinado em sucedê-lo no Planalto, o Corinthians ficou quase 23 anos sem levantar a taça de campeão paulista.
A torcida, no entanto, não abandonou o time - daí o epíteto de Fiel - e, surpreendentemente, cresceu ainda mais. Quando, portanto, chegou a decisão da melhor de três contra a Associação Atlética Ponte Preta para definir o campeão paulista de 1977, a expectativa da torcida, da diretoria do clube, da imprensa era incomum. Será que daquela vez o título viria? Será que daquela vez o time seria mais uma vez vice-campeão? O campeonato daquele ano contava com muitas surpresas. O primeiro turno foi conquistado pelo Botafogo de Ribeirão Preto - em cima do São Paulo -, e que tinha em seu ataque um jovem de enorme talento chamado Sócrates. No segundo turno, o Corinthians foi o campeão ao derrotar o Palmeiras. No terceiro turno, Timão e Ponte Preta venceram seus grupos e foram para a finalíssima.
Arquivo pessoal
Darcy Menezes, Ângelo, Nelinho, Souza, Piazza e Raul; Guido (massagista), Eduardo, Zé Carlos, Palhinha, Dirceu Lopes e Joãozinho, no Cruzeiro

A Ponte Preta tinha um time recheado de craques; dois na seleção brasileira, o goleiro Carlos e o zagueiro Oscar, e mais dois sendo observados pelo técnico Cláudio Coutinho, o também zagueiro Polozzi (que acabou sendo convocado para a Copa do Mundo na Argentina) e o lateral-esquerdo Odirlei. Sem contar o excepcional meio-campista Dicá, que para muitos deveria estar na lista de convocados; além dos ótimos atacantes Rui Rei e Lúcio Bala. O time do Corinthians não tinha tantas feras, e apenas um jogador na seleção brasileira, o lateral-direito Zé Maria. O ríspido, digamos assim, zagueiro Moisés, tinha feito um único jogo pela seleção, em 1973, quando jogava pelo Vasco da Gama. Por sua vez, o lateral-esquerdo Wladimir, ficara marcado pela única partida que fizera pela seleção, em fevereiro de 1977, no empate em 0 a 0 contra a Colômbia, válida pelas eliminatórias, e não voltou mais.
Superioridade técnica
Para se ter uma ideia da superioridade da Ponte Preta, em sete jogos contra o Corinthians em 1977, a equipe de Campinas ganhou cinco. Nosso time era mais jovem e melhor em quase todas as posições. Estávamos muito entrosados e realmente comprometidos em fazer uma ótima campanha. O Rui Rei era um grande goleador; o Dicá, um dos maiores meias que o Brasil já teve, um mestre da bola; o Carlos, um ser humano fora de série, passava por fase excepcional; e o Oscar, com 23 anos, estava no auge da carreira. Na minha opinião, ele formou com Luizinho, na seleção brasileira, uma das melhores duplas de zagueiros da história do futebol”, recorda José Ângelo Ferreira, o Preca, que passou a integrar o elenco pontepretano à partir da segunda metade do campeonato paulista daquele ano.
A diretoria da Ponte Preta o trouxe emprestado do Cruzeiro para ficar na reserva de Odirlei. Sua atuação em apenas dois jogos pelo Palmeiras, onde ficou por um breve período, o tinha credenciado para integrar o elenco do time capitaneado pelo meio-campista Vanderlei, ex-campeão brasileiro pelo Atlético Mineiro em 1971. Eu tinha subido para o time profissional do Cruzeiro em 1975. O Vanderlei era o lateral-esquerdo titular e ainda tinha o Mariano e o Izidoro. Então fui emprestado para o Coritiba e Palmeiras. Foi quando enfrentei o Guarani e Taubaté. Minha atuação nestas partidas chamou atenção da diretoria da Ponte, que negociou meu empréstimo com o Cruzeiro. Quando cheguei a Campinas o segundo turno do campeonato paulista estava em andamento”, explica o fabricianense José Ângelo.
Titular absoluto e um dos melhores laterais da história da Ponte Preta, Odirlei levou o terceiro cartão amarelo na segunda partida da final, decisão que o próprio jogador afirma em suas entrevistas ter sido premeditada e com a finalidade de prejudicar a Ponte, uma das várias polêmicas que marcará a histórica melhor de três. Aliás, as denúncias de que o Corinthians estava sendo favorecido pela arbitragem começou na semifinal contra o São Paulo, quando um gol de Serginho foi anulado pelo árbitro Oscar Scolfaro. O tricolor precisava do empate e o Corinthians acabou vencendo por 2 a 1. Sem Odirlei, o técnico Zé Duarte escala José Ângelo para formar a zaga com Jair Picerni, Oscar e Polozzi. Eu estava preparado muito bem psicologicamente, em razão do bom trabalho feito por nossa equipe técnica. Todo nosso time estava focado no jogo”; conta José Ângelo.
Mal intencionado”
A exemplo das duas partidas anteriores - na primeira o Corinthians ganhou por 1 a 0 e na segunda a Ponte venceu por 2 a 1 - no terceiro jogo para definir o campeonato, os jogadores do time de Campinas foram recebidos num clima de intensa agressividade pela torcida corintiana e mesmo depois no vestiário e túnel do Morumbi as hostilidades continuaram. A diretoria do Corinthians preparou um clima muito ruim. Tivemos que ir de helicóptero de Valinhos para o Morumbi, mas nossa chegada foi num verdadeiro clima de guerra, com os torcedores tentando nos amedrontar. Era como se estivéssemos na Argentina, jogando contra o Boca Juniors na Bombonera. A situação era amedrontadora”, relembra José Ângelo, que entrou em campo com a responsabilidade de substituir Odirlei logo na partida mais importante da história da Ponte Preta.
No entanto, para o jovem lateral-esquerdo que começou a carreira jogando no infantil do Social, de Coronel Fabriciano, em meados dos 1960, a pressão contra os jogadores pontepretanos continuou depois que a partida começou. Sentimos rapidamente que o juiz Dulcídio Wanderley Boschilia [falecido em 1998] estava mal intencionado”, denuncia José Ângelo.
O que ficou registrado para a posteridade é que logo aos 16 minutos do primeiro tempo, o perigoso atacante Rui Rei, carrasco do Corinthians, foi expulso num lance que ainda hoje é motivo de acirrada polêmica. A expulsão foi injusta. O Rui Rei apenas reclamou de uma falta cometida contra ele pelo Moisés e então o Dulcídio falou um palavrão e o expulsou. Numa jogada normal eu levei cartão amarelo”.
Aos 35 minutos do segundo tempo ocorre a jogada que mudaria a história do Corinthians. José Ângelo coloca a mão na bola e na falta cobrada por Zé Maria ela percorre a pequena área e vai parar no pé de Vaguinho, que, de bico, a manda no travessão. Na rebatida Wladimir cabeceia e em cima da linha, também de cabeça, Oscar salva. Mas no rebote, a bola sobra para o Pé de Anjo de Basílio e desencadeia a catarse do Morumbi. Depois do jogo a torcida corintiana não nos deixou sair do estádio, o que só foi ocorrer às 3h da madrugada, quando fomos escoltados até Campinas”. Segundo José Ângelo, que quer retomar sua carreira de técnico de futebol, o atacante Rui Rei foi acusado injustamente de ter provocado sua expulsão. Ele ainda não estava vendido para o Corinthians, conforme foi divulgado. Ele sofreu muito por isso”, conclui a entrevista.
José Célio de Sousa *
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