06 de outubro, de 2018 | 09:02

República das mentiras: as armas e escudos das Fake News

Beto Oliveira *

Até ao anoitecer do dia 15 de novembro de 1889, os planos do Marechal Deodoro para o país eram pouco claros. Depois de ocupar o Campo de Santana e prender o ministro Ouro Preto, ele ainda hesitava em efetivar o golpe da República e nenhum novo governo fora proclamado. Foi somente à noite, após ouvir o inverídico boato de que D. Pedro II substituiria Ouro Preto por Gaspar Silveira Martins, um antigo desafeto do Marechal que havia seduzido uma dama por quem ele fora apaixonado, foi que o militar proclamou a República.

Enfim, nossa república nasce de um golpe militar, exercido também como um ato de vingança pessoal do marechal e sustentado por uma mentira orquestrada, pelo o que parece, por Benjamin Constant. Mais de cem anos depois estamos diante de uma eleição em que já não são poucas as vozes que afirmam que ela será decidida também por boatos. No entanto, há uma grande diferença. Obviamente que podemos alegar que mentiras, fofocas e boatos sempre participaram da vida social e política do país.

Mas, é preciso entender que a tecnologia potencializa as forças humanas seja para o bem ou para o mal. E que, dessa forma, algo que sempre existiu pode ganhar proporções que dão ao fenômeno um aspecto de novidade. Em outras palavras, mentiras estão em todas as partes e em todas as eras, mas a capacidade que elas têm de se espalhar e de influenciar o destino do país é fortalecida ou enfraquecida de acordo com as ferramentas que temos para difundi-las ou contê-las.

A pesquisa Datafolha divulgada no dia 2 de outubro mostra que 68% dos eleitores possuem conta em alguma rede social e, possivelmente, por ela se informam sobre política. Dentre os eleitores de Bolsonaro, 81% usam uma rede social, de Ciro, são 72%, de Haddad, 59%, e de Alckmin 53%. Talvez as redes sociais se revelem mais importantes do que o tempo de rádio e TV – até a eleição passada considerado fator fundamental para o resultado das urnas.
Não sejamos ingênuos de pensar que os meios mais institucionalizados de informação (TV, rádio, jornal) seriam isentos de mentiras. Muito pelo contrário, o boato, a má informação, a informação viciada, a mentira, a pós-verdade, também circulam nesses canais.

Mas com a descrença da população nas instituições e, portanto, também nessas mídias formais, cresce a busca por notícias que surgem do submundo da internet, por canais sem nenhuma transparência e sem nenhuma responsabilidade com seus efeitos e com suas origens. Se um canal de televisão divulga uma difamação, é possível ao menos buscar um direito de resposta, investigar a origem da mentira, etc. É possível responsabilizar civilmente e criminalmente o autor de uma matéria que não seja verdadeira ou caluniosa. Já nas redes sociais, muitas vezes é difícil até saber de onde partiu a informação.

A gravidade dessa situação aumenta quando, diante dessa descrença absoluta nas informações (tudo pode ser mentira), a população acaba escolhendo em qual verdade acreditar de acordo com seus ânimos e suas convicções. Assim, as chamadas Fake News se tornaram não apenas armas para difamar, influenciar e assustar a população, como também um escudo para se defender de verdades incômodas. Mesmo a reprodução em vídeo da fala de um candidato que ataca os trabalhadores ou que fomenta preconceitos é neutralizada com a alegação de que não passa de edição ou Fake News.

Sacrificando a verdade, qualquer debate míngua. Sem verdade, sobra o puro afeto. O afeto do medo, o afeto do ódio, as paixões mais avassaladoras e irracionais. Em 2008, o sociólogo Alberto Carlos Almeida escreveu o livro “A cabeça do eleitor”, talvez seja preciso um dia falar da bile do eleitor, pois, abstendo-se da verdade, dos dados e das leis, é o que nos sobra para orientar nosso voto. Que o Brasil recupere o bom senso e que nossa república não seja decidida pela mentira, pelo boato e, principalmente, pelo ódio.

* Psicólogo. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Coordenador do CEPP (Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço). Autor do romance “O dia em que conheci Sophia” e da peça teatral “A família de Arthur”.
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Envie seu Comentário