20 de setembro, de 2018 | 14:23

Museus brasileiros: responsabilidade de quem?

Amir Jose de Melo *

“No Brasil, a criação de museus é sempre ato de heroísmo de pessoas idealistas”

“O Museu José Avelino, apesar de novo, já está consolidado nos seus objetivos”

“O poder público tem sido negligente, mas a sociedade também, a partir do momento que não une forças”

A catástrofe que se abateu sobre o Museu Nacional no início deste mês, reascendeu o debate em torno do descaso em relação às instituições culturais brasileiras. Faltam-lhes verbas para mínimas necessidades e o incêndio que consumiu 200 anos de história não é o primeiro. Em meio a outras, igual catástrofe destruiu o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1978, transformando em cinzas, obras de Picasso, Miró, Matisse, Salvador Dalí, Portinari e outros.

Na semana do incidente com o Museu Nacional, coincidentemente, nas aulas de história das turmas de segundo ano, na Escola Estadual Pedro Calmon, eu trabalhava a Transmigração da Corte Portuguesa para o Brasil, ocorrida em 1808. Dentro do tema, estudamos as obras empreendidas por Dom João VI, que incluía o Museu Real, atual Museu Nacional, ao lado da criação do Banco do Brasil, Jardim Botânico e a Biblioteca Real, atual Biblioteca Nacional.

No dia seguinte ao incêndio, ao chegar para trabalhar, encontrei o assunto fervilhando na sala de professores, com manifestações de indignação de colegas. Na sala de aula, alguns alunos relacionaram de imediato, o fato com o tema que estudavam. Debateu-se a causa quando uma aluna concluiu, que a catástrofe era fruto do descaso, não apenas do poder público, mas da sociedade. Concordando com a ideia, analiso que se existe descaso do poder público, é porque nós permitimos. Prova disso, é a notícia que o número de brasileiros que visitaram o Louvre no ano passado, foi expressivamente maior que os que visitaram o Museu Nacional, o maior museu brasileiro. Esta informação me leva a supor desprezo nosso em relação a nossa própria cultura e serve de base para analisarmos até que ponto temos responsabilidade em desastres como o do Museu Nacional.

Aquela instituição, assim como tantas, vinha se mantendo porque pessoas devotadas à frente das mesmas preservam-nas, buscando alternativas sacrificantes, às vezes debaixo da indiferença das autoridades e da população.
Não precisaríamos esperar pelo poder público para resolver os problemas da falta de segurança geral, reclamada pelos museus. O poder público tem sido negligente, mas a sociedade também, a partir do momento que não une forças para cobrar responsabilidade do governo ou para oferecer ajuda pessoal. Nos Estados Unidos e Europa é comum que famílias ricas e empresas assumam espontaneamente ajuda material, anual aos museus. Citam-se os museus de Nova lorque, a exemplo do Metropolitan Museum of Art, cujo gigantesco acervo é fruto doações de famílias, num propósito de engrandecer a cultura daquele país. Gestos que aliam amor às artes e à pátria.

No Brasil, a criação de museus é sempre ato de heroísmo de pessoas idealistas que buscam diferentes formas para verem solidificados seus sonhos. Às vezes gastam recursos financeiros próprios e trabalham tempo excessivo deixando para trás, propósitos da vida pessoal. Um exemplo de idealismo inspirador é o do jornalista Abílio Barreto, fundador do Museu Histórico de Belo Horizonte, que hoje tem o seu nome. Abílio Barreto iniciou a organização do museu na sua própria casa. Teve a felicidade de conhecer, Juscelino Kubitscheck, que em 1940, ao assumir como prefeito de Belo Horizonte o convidou-o para implementar o Museu, inaugurado em 1943.

Em termos locais, o Museu Histórico de Coronel Fabriciano José Avelino Barbosa, foi organizado com o objetivo de recolher e preservar bens que contribuam para a compreensão da história da cidade. A lei de criação data de 1984, de autoria do então vereador Clodomiro de Jesus. A cidade deve a ele, além do museu, a criação da Biblioteca Pública e outros trabalhos. Quanto ao museu, Clodomiro esperou 30 anos para vê-lo consolidado, só inaugurado 22 de outubro de 2014. O nome é uma homenagem ao empresário José Avelino Barbosa falecido em 2013 e que deixou para a instituição um importante acervo de objetos de relevante valor histórico.

O trabalho de organização foi iniciado 2013, quando foram enviados 175 ofícios, as famílias e instituições, informando o projeto e solicitando doações de objetos para compor o acervo. Do total, apenas 11 responderam à proposta.
Apesar disso, algumas pessoas procuraram espontaneamente o museu para oferecer doações, dentre as quais, Dom Lelis Lara. O Bispo Emérito da Diocese de Itabira, falecido em 2016, foi um grande apoiador do empreendimento. Entre os objetos, doados por ele, estão dois quadros de autoria da Pintora Du Ramos. Suely e Elizabeth Bragança doaram objetos da família. Os artistas Isac Alves, Mirian d’Arc, Selma Franco e Rosimarie Camargo doaram belos quadros de suas autorias. Zenóbio Ayres Gomes doou objetos do restaurante Sobradão, usados para servir presidentes da República, quando de visita à cidade.

Em meio a esses fatos, no museu sempre fomos surpreendidos com diferentes propostas, como pessoas querendo vender objetos que não se integrariam jamais ao seu acervo: livros de romances de bancas, filmes em fita VHS e até uma casa de João-de-barro. É sempre difícil explicar que os melhores museus do mundo são constituídos de doações e que não dispomos de recursos para comprar objetos. É também difícil explicar que, no caso específico do museu de Coronel Fabriciano, objetos a serem adicionados ao acervo, devem ter ligação com a história da cidade.
Algumas vezes, chegaram também, pessoas oferecendo fotocópias de fotografias de famílias, sem nenhuma nitidez. Um museu trabalha para preservar objetos originais. Explicar isso é melindroso. O doador costuma se sentir ofendido com a recusa da doação. Entre outros casos, certa vez, uma senhora levou ao museu, caixas contendo revistas Veja, torneiras, chuveiros velhos e até tampa de vaso sanitário, por sinal, suja. Como recusar tais ofertas? Nenhuma delas se enquadra dentro dos objetivos do museu. Tentamos falar com a doadora depois. Diante do insucesso, demos outra destinação às doações.

Entre os visitantes predominam os elogios. Algumas vezes ouvimos pessoas criticarem o museu, classificando-o como pequeno ou com adjetivos diminuidores. Recentemente, uma pessoa afirmou que não sente nenhum “tesão” em visitá-lo e que ao passar na porta não se sentia atraída. Completou dizendo que estava acostumada a visitar grandes museus das capitais.

Se alguém visitar o Museu de Fabriciano esperando encontrar suntuosidade, saiba que não encontrará. O museu é novo e por isso ainda pequeno, assim como grandes museus foram no passado. O próprio Abílio Barreto, hoje referência como museu histórico de município, para chegar a este estágio, seus funcionários e administradores buscaram todos os meios possíveis. Encontraram apoio de pessoas de boa vontade e receberam ajuda internacional. A sua moderníssima sede construída com recursos captados pela Associação dos Amigos do Museu, só foi inaugurada em 1998, ano em que a instituição completou 55 anos de existência.

O Museu José Avelino, apesar de novo, já está consolidado nos seus objetivos. Foi constituído obedecendo as orientações do Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM), documento editado pelo Ministério da Cultura que orienta a criação de museus no Brasil. Além do atendimento aos visitantes, está aberta a pesquisadores, incluindo alunos de faculdades, para realização de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Escritores e jornalistas têm publicações realizadas com base em pesquisas realizadas na instituição. Citamos a escritora Margarida Drumond, com sua obra: Dom Lélis Lara: vida de amor, testemunho de caridade.

* Mestre em História Social, suporte Técnico no Museu Histórico “José Avelino Barbosa”

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