29 de junho, de 2018 | 16:15

Dois livros, o mesmo tema: O desastre do neoliberalismo

Daniel Miranda Soares *

“Atingindo o topo, chutam a escada para impedir que outros países possam segui-los no caminho do sucesso e da riqueza”

“O comércio livre entre países com estágios muito diferentes de desenvolvimento sempre foi um desastre para os mais fracos”

No ano eleitoral voltou à superfície a discussão sobre o "estado mínimo", "liberalismo econômico" ou "neoliberalismo". Aos defensores dessas "teses" recomendo a leitura do coreano Ha-Joon Chang que escreveu “Chutando a escada” da Editora Unesp. Ele é professor da Cambridge. Também se faz necessária a leitura do norueguês Erik S. Reinert, autor de “Como os países ricos ficaram ricos e por que os países pobres continuam pobres” da editora Contraponto.

Os dois abordam o mesmo assunto. Eles descrevem a história de como os países ditos desenvolvidos conseguiram se desenvolver partindo de estágios mais atrasados, alguns, da pobreza mesmo e chegando aos níveis atuais de desenvolvimento. Detalhe: eles fizeram isso protegendo suas indústrias e todo o processo que envolveu suas revoluções econômicas e técnico-científicas. Erik disse que esse protecionismo ocorre há mais de 500 anos na Europa do Norte.

Outro detalhe importante: ao atingirem os estágios mais avançados de seu desenvolvimento, eles passam a pregar o liberalismo para os outros países ou seja, atingindo o topo, chutam a escada para impedir que outros países possam segui-los no caminho do sucesso e da riqueza pregam a livre concorrência, o livre mercado e o não intervencionismo estatal, como se estas condições por si só propiciassem espontaneamente o desenvolvimento, premissas que segundo a teoria econômica são abstratas demais para que possam funcionar na prática a hipocrisia é total e está toda armada e desenvolvida em instituições internacionais que fazem a maior pressão em cima dos países mais pobres instituições tipo FMI, Banco Mundial, OMC, etc.

Para se ter uma ideia, Erik cita o caso dos EUA, que protegeram com unhas e dentes todo o seu processo de desenvolvimento industrial durante 150 anos do século XIX até o pós-2ª Guerra Mundial. A partir daí, e principalmente a partir da queda do Muro de Berlim, os EUA e Europa passam a defender o livre comércio internacional, a desregulamentação da economia, as privatizações, o Estado mínimo, queda das barreiras alfandegárias, tarifárias, impostos, etc, passam a defender o Consenso de Washington, que é uma cartilha detalhada para que os países do Terceiro Mundo possam realizar empréstimos e obter ajuda dos organismos internacionais estes princípios se tornam um pensamento único pregado em todas as instâncias e absorvido totalmente pela mídia dominante.

Um exemplo marcante do fracasso destas políticas neoliberais é o caso da Mongólia. Logo após a queda do Muro de Berlim, o país abriu totalmente sua economia, da noite para o dia, seguindo fielmente os conselhos das instituições de Washington (Banco Mundial, FMI) no sentido de minimizar o Estado e deixar o mercado tomar conta. O meio século de construção da indústria da Mongólia (pós-1940) foi praticamente varrido em apenas quatro anos 1991-1995. Na maioria dos setores industriais a produção em volume físico caíra mais de 90%. O Plano dos neoliberais do Consenso de Washington foi extremamente bem-sucedido em desindustrializar a Mongólia. A indústria havia sido praticamente erradicada, começando pelas mais avançadas.

A produção de pão caíra 71% e a produção de livros e jornais, 79% - sem que a população diminuísse. Em poucos anos os salários reais haviam sido cortados quase pela metade e o desemprego era crescente. A taxa real de juros era de 35%, destruindo qualquer possibilidade de investimentos produtivos e favorecendo os investimentos financeiros e especulativos. As únicas indústrias que cresciam era a produção de álcool e as de “penas de estofamento de aves”. Fazer a população recolher penugem de aves não pode ser outra coisa senão a primitivização da economia. Muitas pessoas foram obrigadas a regressar ao seu modo de vida ancestral: o pastoreio nômade. O desemprego em grande escala aumentou a degradação ambiental.

Os países hoje desenvolvidos desde o fim do século XV até depois da Segunda Guerra Mundial sempre praticaram (internamente e não abertamente: “façam o que eu digo e não façam o que eu faço”) em política econômica o “culto da indústria manufatureira”, isso significava “plantar indústrias” e para isso criaram duas instituições diferentes: a proteção de novos conhecimentos (via patentes) e a transferência desses conhecimentos para novas áreas, via proteção tarifária. Isto criava e expandia geograficamente os novos conhecimentos mediante estímulo à concorrência imperfeita.

Concorrência perfeita e livre comércio só para os pobres…. Enquanto que os efeitos “ruins” da economia estão ligados à concorrência perfeita, os efeitos “bons” da economia estão ligados à concorrência imperfeita. O termo indústria, durante séculos era sinônimo de mudança tecnológica, rendimentos crescentes e concorrência imperfeita ao se dedicarem à indústria algumas nações se apossaram dos tipos “bons” de atividade econômica.

Esse foi o modelo de sucesso, começando com a Inglaterra de Henrique VII (1485 – protegendo sua indústria têxtil), passando pela industrialização do continente europeu e dos EUA, o Império Meiji no Japão (quando o governo japonês cria políticas abrangentes para industrializar o país a partir de 1860) até os mais recentes sucessos de Coréia e Taiwan. Todos se tornaram ricos da mesma forma, por meio de políticas que protegeram suas atividades manufatureiras. Além desses países, nenhum outro conseguiu se desenvolver no período pós-2ª G.M., em mais de meio século. Nenhum outro se tornou desenvolvido. Alguns conseguiram uma industrialização instável, capenga e dependente: mas não conseguiram um desenvolvimento autônomo e singular e por isso continuaram sendo subdesenvolvidos.

E o livre comércio, o estado mínimo e a concorrência perfeita? Só funciona entre os países que já atingiram níveis semelhantes de desenvolvimento econômico e social. No entanto o comércio livre entre países com estágios muito diferentes de desenvolvimento sempre foi um desastre para os mais fracos. É como colocar na arena dois atletas de pesos diferentes: por exemplo, um peso pesado e um peso pena. Você já sabe o resultado. Mas o Consenso de Washington trabalhou intensamente para ter a hegemonia do pensamento único de forma a não permitir contestações. Eles controlam instituições, universidades, equipe técnica dos bancos, mídia, intelectuais e até as elites do Terceiro Mundo. Até hoje, apesar das várias crises sofridas pelas economias neoliberais, é muito difícil contestar o sistema. Mas sempre existiram contestações e modelos alternativos.

Daniel Miranda Soares é economista e mestre pela UFV.
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Envie seu Comentário