01 de dezembro, de 2017 | 17:23

Pagar para trabalhar, mais uma aberração

Elídio Braga *

"Com regra de trabalho intermitente, empregado corre risco de ter de pagar para trabalhar". Com essa manchete nos jornais esta semana, ficou claro que a reforma trabalhista, em vigor há menos de um mês, precisa ser "remendada", caso o governo não queira que as mudanças virem uma enxurrada de ações judiciais, com inegável prejuízo para o já castigado setor produtivo brasileiro. Comemorada por muitos e criticada por vários outros, a reforma que Lula empurrou com a barriga e Dilma deixou no esquecimento, mas encarada por forças nitidamente interessadas no governo de Temer tem muitos pontos obscuros. E onde há mancha de dúvida, aplica-se o princípio “in dubio pro reo” (na dúvida para o réu).

Vamos a uma das aberrações que precisarão de remendo na reforma trabalhista. Relatam as notícias da semana que profissionais com salário mensal inferior ao mínimo terão recolhimento abaixo do aceito pelo INSS para a aposentadoria e, caso optem pela contribuição previdenciária, precisarão completar a diferença por conta própria. Mas não é simples assim.

Essa informação foi divulgada depois que a Receita Federal divulgou na segunda-feira, 27, as regras para o recolhimento da contribuição previdenciária dos trabalhadores intermitentes cujo rendimento mensal ficar abaixo do salário mínimo. Esta é uma situação inédita no País que pode ocorrer com aplicação das normas previstas na reforma trabalhista. O próprio empregado poderá pagar a diferença entre a contribuição incidente sobre o contracheque e o mínimo exigido pela Previdência Social. A regra fará com que, no limite, alguns trabalhadores precisem pagar para trabalhar, caso optem pela contribuição previdenciária. É óbvio que, conhecendo bem as necessidades imediatas do brasileiro, principalmente o mais pobre, haverá uma legião de trabalhadores sem contribuição. E depois vão reivindicar o direito de se aposentar sem ter contribuído?

É preciso entender que, como no contrato intermitente o empregado atua apenas quando é convocado, o salário varia conforme o número de horas ou dias trabalhados. Pela lei, deve-se receber, pelo menos, valor proporcional ao salário mínimo pela hora, R$ 4,26, ou pelo dia trabalhado, R$ 31,23. Como o valor do contracheque é base de cálculo para os encargos sociais, os trabalhadores com salário inferior ao mínimo terão recolhimento abaixo do aceito pelo INSS para a contabilidade da aposentadoria.

Diante dessa situação inédita, a legislação prevê que trabalhadores "poderão recolher a diferença" entre a contribuição calculada sobre o contracheque e o mínimo exigido pelo INSS. Quem não recolher esse valor adicional por conta própria não terá acesso à aposentadoria nem a benefícios como a licença médica, caso entre em um quadro de doença ou sofra um acidente.

Ao divulgar o entendimento, a Receita Federal também deixou claro que esse recolhimento extra deverá ser feito pelo próprio trabalhador com base na alíquota de 8% sobre a diferença entre o que recebe e o salário mínimo até o dia 20 do mês seguinte ao salário. Agora vem a explicação da aberração. Como exemplo de situação extrema, pode ser citada uma das vagas anunciadas recentemente: operador de caixa intermitente de uma rede de supermercados. Para quatro horas por dia, seis vezes por mês, a empresa oferece salário de R$ 4,81 por hora. Com essa carga horária, o salário mensal chegaria a R$ 115,44. Com este valor no contracheque, a contribuição à Previdência paga diretamente pela empresa à Receita seria de R$ 23,09. A contribuição mínima exigida pelo INSS, porém, é de R$ 187,40. Para se adequar à regra da Receita, portanto, o empregado precisaria desembolsar R$ 164,31. Ou seja, mais que o próprio salário, de R$ 115,44. Nesse caso, o trabalhador terminaria o mês devendo R$ 65,03.

Se ainda não entenderam que fizeram uma lambança que precisará ser corrigida, os políticos precisam acordar. Esse, certamente será mais um dos assuntos entre as quase mil emendas ao ajuste da reforma, que ainda será votado pelo Congresso Nacional. Em uma das propostas os empregados que receberem menos que o mínimo terá recolhida, pelo empregador, a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo para o INSS. É uma situação que requer urgência, pois atinge o mais necessitado, o trabalhador menos qualificado e, portanto, de mais baixa renda. Não custa entender que o trabalho intermitente não poderá ser uma mera formalização do chamado "bico", da precarização, com papel passado e anuência de uma lei que mal entrou em vigor e já se mostra um desastre e não uma solução.

* Economista
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