26 de julho, de 2017 | 13:33

Reforma trabalhista, princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva e acesso à justiça

Pedro Mahin Araújo Trindade

Divulgação
Aprovada a "reforma" trabalhista, o momento é de recuperar o fôlego e, ao menos na frente jurídica, partir para a disputa pelo sentido das normas postas no texto da "nova" Consolidação das Leis do Trabalho, que, na verdade, estabelece regulação das relações de trabalho similar àquela vigente no século XIX.

Dentre esses novos campos de enfrentamento, talvez um dos mais importantes seja o do princípio da "intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva", mencionado no parágrafo 3º do artigo 8º e no parágrafo 1º do artigo 611-A da “nova” CLT.
 
Dizem os referidos dispositivos que "No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva".

O propósito da alteração legislativa é evidente: restringir ao máximo o exercício do controle de legalidade e de constitucionalidade de convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho pela Justiça do Trabalho. 

Conjugado com o disposto no caput do artigo 611-A da “nova” CLT, segundo o qual "A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei (...)", o "princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva" parece franquear ao poder econômico ampla margem de "negociação" para reduzir ou suprimir direitos dos trabalhadores, sem o risco de ver-se submetido ao crivo do Poder Judiciário. 

E, neste ponto, o princípio concebido pelos legisladores que "reformaram" a CLT vai de encontro a um direito fundamental de todo trabalhador e trabalhadora brasileira ou estrangeira residente no país, no sentido de que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Ou seja, o princípio da "intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva" esbarra no limite da amplitude do acesso à Justiça, previsto na Constituição da República, de modo que a norma legal não pode se sobrepor a um direito fundamental estabelecido constitucionalmente. Ao contrário, deveria seguir a sua orientação.

Ainda segundo o novo princípio, o exame das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho deve restringir-se à conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, estabelecidos no artigo 104 do Código Civil.

Nos termos desse dispositivo, a validade do negócio jurídico requer, dentre tantas outras coisas, objeto lícito (inciso II). Por si só, isso permite, sim, que a Justiça do Trabalho prossiga exercendo o controle de legalidade e de constitucionalidade das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho.

Assim, o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva pouco ou nada diz de relevante quanto à atuação do Judiciário Trabalhista frente a acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho. Se o instrumento coletivo estiver de acordo com a lei, não haverá razão para a intervenção da Justiça do Trabalho; por outro lado, se estiver em desacordo, o Poder Judiciário não poderá deixar de apreciar lesão ou ameaça a direito.

Com a mais absoluta descaracterização da Consolidação das Leis do Trabalho, a Constituição da República deve assumir, em definitivo, na práxis judiciária, posição de vértice interpretativo do Direito do Trabalho pátrio.

Apesar da ampla desregulamentação havida, o Direito do Trabalho, tal como o conhecemos ainda hoje, permanece, em boa medida, na Constituição da República, e é a partir dela que os juristas verdadeiramente comprometidos com a promoção das condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora brasileira devem começar a reconstruir este tão importante ramo do Direito. 
 
* Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e sócio do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, em Brasília.
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