30 de maio, de 2017 | 15:27

Como ter igualdade em um mundo de diferenças

Samuel Sabino

Divulgação
Não somos todos iguais. Na condição de seres humanos, ainda que existamos também como seres coletivos, nossa individualidade é grande parte de nós, e se manifesta em diversos aspectos de nossa própria existência, de forma positiva ou negativa. Esse é um dos motivos pelo qual se busca tanto a igualdade.

O caso é que há mais a ser pensado do que apenas a busca da igualdade. Quando a desigualdade prejudica uma pessoa ou grupo, nem sempre a busca por igualdade cobre todas as necessidades do indivíduo. Pode parecer polêmico e até complexo, mas na verdade é algo bem simples.

É comum, em situações de opressão, buscarmos igualdade, afinal, o ser humano é dotado de dignidade e sempre busca conquistá-la ou mantê-la, libertando a si e aos seus da opressão. Infelizmente, é comum também que, quando conseguida a igualdade, com o acréscimo de poder, o quadro se inverta e o oprimido passe a oprimir.

Isso porque a ética nas ações requer certo grau de responsabilidade no cotidiano. Também é comum a distorção envolvendo a busca por igualdade. O que deveria ser a busca por uma equalização, muitas vezes é vista como busca por retribuição, gerando por si só a constante da desigualdade. Mais uma vez porque, a ética é complexa quando explicada, difícil quando vivida, e, sobretudo, aprendida.

É por isso que a igualdade enquanto conceito carece de um complemento, fazendo com que a ética seja funcional e plena em uma sociedade. Você conhece a palavra equidade? Deixe-me começar explicando os termos e suas diferenças. Ambas são ideias que podem ser aplicadas à conduta humana. São motivadores da vontade de fazer algo que equilibre um sistema e proporcione bem-estar para todos.

O ser humano busca viver dignamente e plenamente. O desafio está em permitir que todos conquistem essa condição. A igualdade consiste em tratar todas as pessoas como iguais, independentemente do quão diferentes sejam. Esse conceito considera que todos somos iguais por princípio: pelo fato que somos todos irmãos diante de Deus, ou simplesmente de que todos somos detentores de dignidade. Já a equidade entende-se em sentido contrário: o diferente deve ser tratado de forma diferente.

Primeiro porque as pessoas, de fato não são iguais, e segundo porque podemos considerar ou entender interesses individuais diferentes, considerando o início ou problema da desigualdade.
A verdade é que ambos estão corretos: tanto igualdade como a equidade. Somos diferentes, não nascemos iguais, não temos as mesmas oportunidades, não somos influenciados pelas mesmas coisas, tornando impossível querer que todos vivam em um mundo igual.

Entretanto, somos todos humanos, seres vivos, oscilámos em mesma conservação (vida), bem-estar (mal-estar), felicidade (infelicidade) e o direito de ser. Acima de tudo temos direitos de ser tratados como iguais. Apesar disso, há os que precisam de mais ou de menos em determinada situação. Vou citar um exemplo para ficar claro.

Uma senhora de 80 anos entra no ônibus. Há alguns assentos preferenciais para ela, enquanto todo o resto da população divide os assentos comuns. Pela igualdade pura não deveriam todos os assentos ser iguais? Essa senhora precisa se sentar mais do que a trabalhadora mais jovem e cansada que entrou junto com ela? Bem, o caso é que sim. Não é apenas questão de “respeito aos mais velhos” ou “merecimento”; é questão de equidade, que deverá auxiliar a igualdade quando necessário.

A idosa, por já ter vivido mais tempo, pode até ser saudável, estar descansada, mas seu corpo já possui menos resistência do que o da jovem. As variáveis em ambos os casos são diferentes. A resistência nos braços da idosa para se segurar numa virada brusca serão menores, e, portanto, maiores serão as chances de cair e se machucar. Assim também serão maiores as chances dela se machucar gravemente, pois seu corpo já não se regenera de forma tão eficiente quanto o da jovem.

Numa queda, o que seria um roxo na perna da moça pode ser uma fratura no fêmur da idosa. Logo, elas são iguais em alguns pontos, são seres humanos, mas com situações físicas diferentes, pois há vulnerabilidade. O princípio de redução de danos se torna fundamental para o convite da equidade depois que o da igualdade já foi estabelecido.

Mas então devemos tratar pessoas mais velhas como frágeis? Não exatamente. É preciso entender as limitações de cada situação, pessoa ou grupo. Deve-se aplicar a equidade, mas tendo a igualdade como protagonista. Primeiro você trata de forma igual, a igualdade vem primeiro. Posteriormente, para adequar as necessidades que ainda restam, aplica-se a equidade conseguindo um sistema realmente justo e balanceado.

Quando o inverso é feito, só se consegue desigualdade ou injustiça para a grande maioria. Para citar outro exemplo, suponhamos 10 pessoas com fome: você aplica a equidade antes, favorece aqueles que são seus amigos, os que particularmente gosta mais. Resultado: três pessoas bem alimentadas e até passando mal de tanto comer e sete pessoas com fome. Vemos isso em alguns modelos governamentais.

Ainda sobre isso: primeiro os políticos atendem aos seus; o que restar vai para a população. Agora, se a igualdade é aplicada, 10 pessoas serão alimentadas primeiro, porém, uma pessoa que precisa de menos comida para se satisfazer poderá receber um pouco menos em relação ao todo. Uma outra que precisa de um pouco mais poderá receber um pouco mais da diferença daquele que recebeu um pouco menos.

É aqui que a equidade entra. Todos são humanos, todos serão alimentados, porém às vezes um precisa de mais e outro de menos. Equilibrando isso, dando o excedente de um para o que necessita de um pouco mais, ambos ficam igualmente satisfeitos.

E se não houver o bastante de alimento para todos? Nesse caso se divide o que tem de forma igual. O importante é a maior aproximação do bem-estar e da dignidade ou a tentativa de redução de danos. Esse pode até ser um pensamento visto como “esquerdista” ou “comunista”; ou qualquer uma dessas palavras cujos significados uma boa porcentagem das pessoas vê como modelo ideal ou justo para a sociedade.

Mas a prática ética não tem nada a ver com esquerda ou direita; comunismo ou capitalismo. Quem reduz isso a um “lado”, simplesmente não entendeu o sentido mais profundo da ética.

* Professor na Escola de Gestão da Anhembi Morumbi, filósofo e mestre em bioética, fundador da Éticas Consultoria, ministra o curso de Inner Compliance com foco em ética no meio corporativo.
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