02 de maio, de 2017 | 09:46
Estranhos dias
Marli Gonçalves
Novamente vou ter de me socorrer com você, perguntando se a sensação de que, de alguma forma, os dias andam meio estranhos, se é sensação só minha ou se você também definiria assim. Eu não sei nem ao menos descrever exatamente como ela é, está ali pinicando. Não é de todo negativo, nem chega a pressentimento, mas incomoda porque nos obriga a estar alertas, ligados. Inquietos. É isso? Só para eu saber.Estranhos dias de um estranho país. Entenda por estranho todas as definições da palavra: atípico, fora do comum, diferente, misterioso, que não se conhece; que apresenta mistério, que tende a ser enigmático. Por fim, que causa um sentimento meio incômodo.
Por exemplo, vamos tomar a greve geral convocada para a semana que passou. Foram verdadeiros, reais e totalmente esquizofrênicos os dias anteriores, até o maior telejornal do país fez de conta de que não existia, que não tinha nada acontecendo e, mais ainda, o dia da dita cuja.
Antes, o mundo se dividiu em: pessoas que não têm a menor ideia do que é uma greve geral; os que esqueceram que uma dessas da boa deve contar com uma soma de reivindicações que sejam da ampla maioria para funcionar, expressiva; até aos que associaram tudo apenas aos petistas ou aos preguiçosos ou aos que apenas queriam emendar o feriado.
Era besteira de tudo quanto é lado. E até agora, dias depois, eu ainda não descobri exatamente a pauta política além dos sindicatos. Só sei que vivi para saber que quando centrais inimigas se unem é porque tem muito caroço no angu. E não é para o prato do trabalhador.
Os de sempre que apoiam os que se foram e hoje estão em grandes apuros comemoraram vitória como se não houvesse amanhã e que alguma coisa vá mesmo mudar, além da queima de estoque de pneus, o prejuízo do comércio, os feridos, os ônibus-tocha, o festival de bombinhas de efeito moral e o sapecante gás pimenta (curiosidade: quanto custa cada lata dessas?). Opa-opa.
Realmente conseguiram parar o país. Isso não dá para discutir, mas eles não podem acreditar que milhões de pessoas aderiram e os apoiam. Não tirem o pé do chão, por favor, não viajem nesse orgulho que os fará perder ainda mais o foco. E é preciso que haja oposição. Sempre. Mesmo que desordenada. Igual placa no metrô: deixe a esquerda livre.
Sim, parou tudo. Aqui em São Paulo não vi um ônibus na rua.
Enfim, se pararam os transportes, ônibus, metrô, trem, muitas pessoas que não sabem nem onde estão parados, mas que têm de bater ponto para comer, não puderam ir aos seus trabalhos e viraram... grevistas! Não perguntaram a eles, como na igreja, no casamento: "É de sua livre e espontânea vontade a decisão de não comparecer ao trabalho hoje, em protesto contra... contra..."
Contra o que mesmo que era?
Não me agridam, nem quem achou que não houve nada (houve sim), nem quem achou que foi o maior sucesso. Não foi. Está tudo muito estranho! No mesmo dia era divulgado que 14 milhões e 200 mil pessoas estão desempregadas, e procurando trabalho, que é o que as coloca dentro dessas estimativas. Imaginem, e vocês conhecem, estão vendo, sentem na própria pele os milhões que desistiram e estão se virando por conta própria, inventando novas formas de sobrevivência.
No mesmo dia também ficamos sabendo todos que o Brasil tem mais de 17 mil sindicatos, garantidos por um dia de trabalho suado que até agora era tirado compulsoriamente do salário. Será por não quererem que acabe essa baixa fresca que as centrais se uniram? Será?
Já fomos mais legais que isso tudo, que estas picuinhas. Tudo agora racha. Não sei o que racha opiniões; não sei o que lá divide as pessoas. Tudo racha. Racha para lá. E racha para cá.
Maio chega um tanto quanto sem graça, e com perspectivas de notícias tenebrosas vindas do Oriente que sacudiriam toda a humanidade. Mais dias estranhos e tumultuados vão sendo agendados, e cresce o desconforto com tudo. E a falta de opções para nada disso.
* Jornalista - Pare do lado de grupos de pessoas conversando. Como quem não quer nada escute só sobre o que elas estão conversando. É muito estranho. Fiz isso lá no dia da greve. Voltei para casa correndo. E achando tudo muito mais estranho ainda. Maio, 2017. [email protected] - [email protected]. @MarliGo.
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