26 de abril, de 2017 | 08:16

A delação premiada e o direito talmúdico

Samy Pinto

Divulgação
Uma prática da justiça tornou-se um assunto habitual entre os brasileiros e tomou conta dos noticiários: a delação premiada. A expressão jurídica, que pode ser entendida como “uma troca de favores”, encontrou espaço no centro do debate político do país. Esse destaque veio em razão dos inúmeros casos em que foi adotada nos últimos tempos, e ganhou ainda mais visibilidade por meio da Operação Lava Jato, a maior investigação sobre corrupção no Brasil em ação desde 2014.

A Lava Jato, e tudo o que ela envolve, desperta nos brasileiros grande interesse, incluindo o que tange a metodologia jurídica, que gera cada vez mais debates sobre sua ética, inclusive entre os operadores do direito. Dentro do judaísmo, através da literatura do Talmud e das leis da Torá, é possível encontrar uma profunda reflexão sobre o assunto, que são de caráter atemporal, válidas para o passado, presente e futuro.

A delação premiada, tão popular na operação Lava Jato, baseia-se na negociação entre pessoas envolvidas em um crime e as autoridades, com objetivo de facilitar as investigações dos oficiais da lei. A visão do judaísmo não pretende defender ou criticar nomes ou nichos da sociedade, mas apenas avaliar se a delação premiada é admissível pela Torá.

Para o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), um dos defensores da lei
que regulamentou a delação premiada no Brasil, o que a medida realiza é a busca pela verdade. Porém, os 10 Mandamentos são claros ao pregar: “Não darás falso testemunho contra teu próximo” e, ainda nesse campo, também ensinam “Não dê ouvidos à maledicência. Não acompanhes o mau para servir de falso testemunho”.

De acordo com esses trechos, a Torá não aceita qualquer indivíduo como testemunha. Principalmente, se ele for um “Ed Chamas”, ou seja, alguém envolvido em um caso de roubo, pois é necessário manter a ficha limpa durante toda a vida. Mas por que a rigidez sobre esse assunto?

Em casos assim, é nítido o interesse do delator na causa de anular ou aliviar sua pena, portanto, como acreditar na isenção de seu depoimento? De acordo com a Lei Judaica, esse tipo de testemunha, motivado pelos fatores da delação, será capaz de produzir mentiras, invenções e transmitir informações seletivas.

Quando essa prática jurídica foi levada a Israel, trazida da Europa, o ex-Grão Rabino Chefe, Mordechai Eliahu z’l e o ex-Rabino Chefe da Corte de Israel, Abraham Shapira, concluíram que os depoimentos obtidos por meio da delação premiada não são kosher, quer dizer, não são apropriados, não tem validade, porque o depoente é suspeito de atuar em benefício próprio ou de outros envolvidos no caso.

Essa análise nos faz questionar: como podemos acreditar nos testemunhos obtidos dessa maneira? Até que ponto deve-se considerar as falas dos delatores como verdade?

A Lei do Talmud é sensível à causa educacional, e para uma sociedade que valoriza o resultado, e não o processo, a Lava Jato é um sucesso. Mas será que não seria importante se questionar: os fins justificam os meios?

* Rabino, responsável pela sinagoga Ohel Yaacov, no bairro dos Jardins (SP), também conhecida como sinagoga da Abolição.
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