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06 de abril, de 2017 | 08:38

Afinal, quem pode e quem deve falar de política?

Beto Oliveira

Divulgação
Recentemente Wagner Moura fez uma campanha alertando para os riscos da Reforma da Previdência proposta pelo governo Temer. O artista foi imediatamente atacado por algumas pessoas e até mesmo pelo governo. Segundo alguns disseram, o artista deveria se preocupar em fazer filmes.

Outros disseram que, como comentarista de política, ele é um ótimo ator. Mas afinal, quem são os bons comentaristas de política? Quem deve se preocupar com a coisa pública, já que artistas devem se preocupar apenas com seu ofício? Será que há algum cabimento em determinar quem deve falar de política quando todos são afetados por ela?

Como resposta aos que o criticaram, Wagner Moura escreveu um texto, “Quem tem medo de artista”, que foi publicado na Folha de São Paulo. A primeira frase do texto já nos indica o centro da questão: “Artistas são seres políticos”, diz Moura, e prossegue convidando os leitores a indagarem aos gregos, a Shakespeare, a Brecht, a Ibsen ou a Shaw. Encontraremos em todos esses artistas um convite ao dramaturgo, ao ator e, no limite, a qualquer pessoa, a falar, a se interessar e a fazer política.

Os gregos, por exemplo, tinham um bom nome para as pessoas (artistas ou não) que não se metiam com a política (com o que é público): Idiota. O prefixo “idios” vem de privado, particular (como na palavra idiossincrasia). Querer que o artista, o professor, o trabalhador, o analfabeto, o empresário, ou qualquer pessoa que seja, não se meta com política, é um convite para que ele seja um idiota.

O convite de Brecht, por exemplo, é exatamente o oposto. O dramaturgo alemão convida não apenas os artistas, mas todos, a se posicionarem politicamente. No seu texto “Elogio do aprendizado”, ele incita: “Verifique a conta / É você que vai pagar. / Ponha o dedo sobre cada item / Pergunte: O que é isso? / Você tem que assumir o comando”.

O ser político é o que coloca o dedo sobre cada item, o que pergunta quanto vai custar a reforma da previdência ou a maneira como se regularizará as terceirizações. O idiota, ao contrário, só se ocupa com seus afazeres, não com o que é público. Ele é o analfabeto político que aparece em outro poema de Brecht, aquele que não sabe que da sua negligência e desinteresse nasce a prostituta, o menor abandonado e o político vigarista.

Posicionar-se politicamente sempre deve ser mais indicado do que se calar. E no caso dos artistas, isso não é menos verdadeiro, concordemos ou não com o que dizem. No entanto, o artista muitas vezes tem um lugar especial na cultura, uma posição de fala e um poder de influenciar pessoas maior do que muitos de nós. Portanto, deve ter uma responsabilidade maior também.

A responsabilidade que todos devemos ter em não compartilhar mentiras ou em não sermos desonestos intelectualmente deve ser ainda mais cobrada de um artista; ou de qualquer pessoa ou instituição que detêm um poder de influência maior. Mas isso não tem nada a ver em incitá-los a calar ou em desacreditá-los por eles não se dedicarem apenas em fazer política.

Cobrar coerência, honestidade e respeito, enriquece todo debate político. Mas convidar alguém a ser idiota, ou seja, a só se preocupar com seus afazeres particulares, é ignorar completamente a noção de república. Querer que um artista seja idiota, que só se preocupe com a técnica do seu trabalho, é não compreender nada do que foi e do que é a arte. Algo típico de quem confunde arte com entretenimento (atividades que por vezes se coincidem, mas que são distintas) ou de quem age com má fé e está preocupado mais em combater a pessoa do que as ideias que essa pessoa defende.

* Psicólogo. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço. Autor do romance “O dia em que conheci Sophia” e da peça teatral “A família de Arthur”.
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