25 de fevereiro, de 2017 | 09:22

A ‘pós-verdade’ e a verdade

Gabriel Chalita

Divulgação
A palavra “Pós-verdade”, como a conhecemos hoje, foi usada a primeira vez em 1992, pelo dramaturgo Steve Tesich. De lá para cá, ela ficou restrita a alguns grupos que tentavam compreender o sentido do pouco apreço pela verdade. Ou da “preguiça de pensar” sobre o que se tenta vender como verdade. Foi no ano passado, entretanto, que a “pós-verdade” ganhou força. Tanta, que a Oxford Dictionaries a elegeu a palavra do ano de 2016.

Donald Trump vendeu que estava sendo apoiado pelo Papa Francisco, vendeu que Barack Obama era um dos fundadores do Estado Islâmico. E que, ao proibir os estrangeiros, garantiria emprego a todos os americanos. Sem a tal “preguiça de pensar”, tais produtos não seriam comprados. Trump ganhou as eleições. Venceu prometendo ser a voz dos americanos, prometendo destruir pontes e criar muros, o oposto de seu antecessor.

A Grã-Bretanha decidiu deixar a União Europeia. A venda deu certo. O discurso de que o custo para os ingleses era exorbitante ecoou. Por aqui, muitos políticos venderam que não eram políticos e ganharam as eleições em importantes cidades. O eleitor comprou. Os que têm o poder de investigar defendem a ideia de que precisam falar muito sobre suas investigações para que tenham apoio popular. A mídia compra essa ideia. E se apressa em criar mitos e destruir biografias.

A “preguiça de pensar” diminuiu a possibilidade de uma reflexão mais profunda sobre o papel de quem tem o poder de investigar. O povo acompanha o desenrolar de casos e mais casos de corrupção. Não sabe muito bem dos detalhes – ”preguiça de pensar” –, mas divulga pelos meios disponíveis o que dos meios disponíveis recebe. Combater a corrupção é um dever de governantes e governados. É lutar contra uma praga que há muito rouba direitos de quem mais precisa. Mas devemos atentar para os que se valem desse discurso com fins pouco corretos. Ou dos que, com “preguiça de pensar”, generalizam o mal feito.

Frequentemente, vejo alguém comentar uma verdade recebida pelo Facebook ou Whatsapp. Frequentemente, vejo a própria pessoa que acabou de comentar a tal verdade pensando sobre ser a sua verdade inverossímil. Pensou um pouco e percebeu que o que foi vendido como verdade não poderia ser comprado. Mas sem esse pensamento, as máquinas de divulgação vão registrando os compradores desses boatos. As crenças pessoais, os preconceitos, os egoísmos vencem os fatos objetivos.

É certo que as novas formas de comunicação têm sido um canal dessas não-verdades. Mas os meios tradicionais de notícias também vêm sendo pouco criteriosos no trato com a verdade. Justiça seja feita, há excelentes jornalistas, mulheres e homens ciosos do seu ofício e do seu poder.

Mas há também o outro lado. A busca pelo furo jornalístico, ou outras razões pouco éticas, faz com que a verdade seja menos importante do que alguma fonte que garanta que, pelo menos, há alguma fumaça para que o noticioso fogo ganhe espaço. Se no dia seguinte se descobrir que a fumaça era de pó de estrada e não de lenha de floresta, escreve-se sobre outra coisa. Admitir o erro é exceção no mundo da imprensa.

Mas se é fato que vivemos a “pós-verdade”, o que fazer para virar a página? O que fazer para escrever um outro texto? Mais elaborado. Com mais cuidado. A verdade é uma utopia? A verdade é relativa? É possível se chegar à verdade? Essa discussão não é nova! Desde Sócrates e os sofistas, trava-se essa batalha. Sócrates queria a verdade. Os sofistas não se preocupavam com ela, mas com a aparência da verdade. Como não acreditavam na verdade, queriam o que parecesse ser a verdade, talvez para agradar, talvez para receber o vaidoso aplauso. Sócrates não se preocupava em agradar.

Preocupava-se em chegar até a verdade, demorasse o tempo que fosse necessário. Como dizer isso a um jornal de televisão ou de rádio? Ninguém tem tempo. A notícia vendida por alguém é comprada por outro alguém e vendida para milhares ou milhões de pessoas. Mas, e a verdade? E os danos provocados pela ausência da verdade? Ausência que pode vir da pressa ou da má fé. As audiências dos telejornais têm caído. O número de leitores de jornais e revistas, também.

Há uma nova geração descrente das informações que a mídia tradicional passa. Mas crentes no que leem em seus círculos digitais. O cenário é bastante estranho. Mas há saída. E a saída é a educação. Do povo e dos jornalistas. Do povo e dos que devem promover a justiça. Do povo e dos marqueteiros das eleições. Do povo e dos políticos. Parece utópico, mas, se combatermos a “preguiça de pensar”, o ciclo da “pós-verdade” pode causar menos estragos e ser menor.

Entre Sócrates e os sofistas, a humanidade optou por Sócrates. Na teoria.

* Presidente da Academia Paulista de Letras
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Envie seu Comentário