26 de janeiro, de 2017 | 16:32

As moscas estão zunindo por aqui

Marli Gonçalves

Elas atiçam nossos instintos mais primitivos. Nossos pensamentos mais torpes e violentos de destruição em massa. Pensamos em uma bomba nuclear, extermínio cruel, veneno milagroso. Mas no máximo, as atacamos de pijamas e tentamos pegá-las - ao menos algumas - com ridículas raquetes elétricas xing ling, e só pelo prazer da vingança de ouvir aquele barulhinho de fritura e sentir o cheirinho do queimado. São fêmeas empoderadas, cheias de querer, de fome de pele, suor, sangue. Atacam à noite, e são capazes de estragar todo o seu dia seguinte. Deixam marcas e suas passagens sempre têm o forte alarido; fazem muito barulho com suas asas batendo em nossos cangotes, provocativas, roçando nossos ouvidos ZZZZZZ.

As moscas, as pernilongas estão chegando. Não querem mais cair na sopa, mudaram o paladar. Querem gente, mostrar todo o poder dos insetos sobre a raça humana, e que não há metrópole que as assuste. Não deviam mais ser a manchete de todo ano, todo verão, mas estão aí e são cada vez mais poderosas, numerosas, agressivas e com capacidade de guerra mortal multiplicada. Algumas tipas vestidas de listrado trazem em si a tragédia causadora da zika que compromete gerações futuras, da chikungunya, que imobiliza, da dengue, que derruba. Assassinas.

Não dá para não lembrar o que, para mim, é um dos principais filmes de terror da história do cinema, quiçá da humanidade, e não teve participação nem de Hitchcock, nem de Boris Karloff: A Crônica de Hellstrom, premiado documentário americano de 1971, sobre os insetos e sua absurda capacidade de sobrevivência. Quem viu traumatiza para sempre.

Pois eles, esses pequeninos monstros, estão aí para não nos deixar mentir (nem dormir em paz). Atacando sem dó no país que não se livra das mazelas, cultiva-as. Não limpa seus rios, suja-os. Misérias que criam criadouros de comunidades inteiras de coisa ruim. No país que consegue até a volta de doenças erradicadas, e nos assombram notícias de surtos, febre amarela, urina negra. Outro dia, lá em Roraima, acharam um foco de barbeiros causadores do Mal de Chagas. Sabe onde viviam? Pensam que estavam numa casa de taipas, de barro, de tijolos? Não, estavam confortáveis dentro de um aparelho de ar condicionado de uma residência de alto padrão. Subiram na vida. Pelas nossas costas. Pelas nossas pernas, pelos nossos braços. Fazendo a gente se coçar.

Não é para se preocupar? Aqui em São Paulo está havendo uma séria infestação de pernilongos (pernilongas, que são as que mordem, iguais a presidentas). Se ainda não foi uma de suas vítimas, procure saber. Falam que são daquelas mais simplesinhas, populares, as que zumbem em língua portuguesa, e aquela preguiça tradicional. Depois que nos picam e enchem as suas barriguinhas precisam descansar um pouco. Encostam-se na parede para o amadurecimento dos ovos. Evitam voar principalmente para economizar energia. Voltam a atacar logo após a postura dos ovos. Boa hora - essa de sua distração - inclusive para ganharem uma boa e bem acertada chapuletada para voarem longe antes de descarregarem seus milhares de ovinhos em nossas coisas pelas redondezas, como fazem. Claro, lembre-se que esse assassinato deixará marcas de sangue espatifado nas paredes – muito provavelmente o seu mesmo.

Em Minas Gerais, há um sério surto de febre amarela. Transmitida por quem? Pelo mesmo Aedes aegypti, o pernilongo de facção criminosa, que também passa a febre amarela urbana; as espécies Haemagogus e Sabethes transmitem a febre amarela silvestre - animais silvestres infectados fazem parte desse ciclo. Já se analisa se têm a ver com a tragédia da lama de Mariana e no Espírito Santo (para onde também correu essa lama) e já há quase uma centena de mortes de macacos infectados.

Tudo de ruim ultimamente passa por essa pernilonga Aedes (os machos, meio cafetões, ficam por perto só esperando que as moças voltem para seus ovos, ou procurando alguma que tenha zumbido bom para copular e criar mais pernilonguinhos).

Pernilongos andam grandes distâncias, de carona. Todos os meios de transporte, inclusive elevadores. Quando fixam residência ficam por ali, sempre num raio de 300 metros. Com 270 a 307 batidas de asas por segundo, as ondas se propagam pelo ar e são o zumbido infernal que nos atormenta. Escolhem as vítimas por cheiros e uma pesquisa disse que adoram bebedores de cerveja, cheiros que detectam a 36 metros de distância.

Longe de mim pretender que vocês agora tenham mais pesadelos ainda com esses monstrinhos de milímetros, mas com toda essa movimentação mundial, parei para pensar que talvez também haja êxodo desses insetos, de mais variedades de suas espécies, e nossas políticas de saúde pública não são as melhores. Bem, nossas políticas todas não são as melhores. Já pensaram? E se por acaso a mosca tsé-tsé resolver também vir morar aqui no país da malemolência? ZZZZZZZZZZZZZZZZZZ

Marli Gonçalves, jornalista - Depois que infesta, eles, os que mandam, saem correndo para mitigar, fumigar, enfumaçar os bichos. Neste progressivo país, vale lembrar que ainda tem as pulgas e baratas. Os carrapatos. Principalmente os que grudam no poder. Os escorpiões que nos picam todo dia com suas traições. São Paulo, calorento, insone, 2017. E-mails: marlibrickmann.com.br ou [email protected].
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