21 de fevereiro, de 2015 | 20:00

Pela redução da “epidemia” de cesáreas

Especialistas alertam para a necessidade de conscientização para aumentar o número de partos normais


IPATINGA – A gravidez cria uma rotina de cuidados e muita expectativa dos pais com o nascimento do bebê, entre as quais a forma como o parto será feito. O número de cesáreas, principalmente na saúde suplementar, ganhou espaço em relação ao parto natural, a tal ponto de levar essa opção (cesárea) a ser definida como uma “epidemia”. No Brasil, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) o percentual de cesarianas chega a 84% na saúde suplementar. Na rede pública, este número é menor, envolvendo cerca de 40% dos partos.

Para tentar inverter esses dados, uma resolução publicada no início de janeiro deste ano estabelece normas para estímulo do parto normal e a consequente redução de cesarianas desnecessárias na saúde suplementar. As novas regras ampliam o acesso à informação pelas consumidoras de planos de saúde, que poderão solicitar às operadoras os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico. Atualmente, 23,7 milhões de mulheres são beneficiárias de planos de assistência médica com atendimento obstétrico no país.

A situação no Vale do Aço não é diferente. O número de cesáreas via planos de saúde é extremamente alto. O maior deles está no Hospital Unimed Vale do Aço, onde, em 2014, as cesarianas corresponderam a 95% dos partos realizados, um total de 806, sendo 772 via plano de saúde e os demais de maneira particular; contra apenas 45 partos normais. O coordenador do serviço de ginecologia da Unimed, Ricardo Cysne Rodrigues, que assumiu o posto recentemente, define como uma “epidemia de cesarianas” essa realidade na saúde suplementar.

Na avaliação do obstetra, vários fatores precisam ser melhorados para mudar esse cenário, como estrutura das maternidades, equipe qualificada e multidisciplinar para atender as mães nos partos e, principalmente mudança cultural e educação. Ele afirma que, ao longo dos anos, a evolução no parto cesariano levou à sua banalização. “A cesariana foi criada para salvar a vida do bebê quando não há condição do parto normal ocorrer e para o caso de antecipar o nascimento. Mas a partir do momento que foi melhorando a questão estética com corte baixo, anestesia e a analgesia pós-parto, a cesárea passou a virar rotina”, opinou o médico.

Polliane Torres


Ricardo Cysne Rodrigues
Na tentativa de modificar essa realidade, a Unimed deve passar por reestruturação de equipe e do espaço físico, a fim de oferecer melhores condições ao parto normal. “Estamos fazendo plano de restruturação da maternidade, e vamos buscar enfermeiro obstétrico para acompanhar o plantonista. Precisamos estruturar melhor a maternidade. Também é necessário um trabalho do médico no pré-natal de convencer a paciente que o normal é melhor, com menos riscos e complicações”, contou.

Partograma
Pela resolução da ANS, cabe aos obstetras a utilização do partograma, documento gráfico onde são feitos registros de tudo o que acontece durante o trabalho de parto. O partograma passa a ser considerado parte integrante do processo para pagamento do procedimento. Para Ricardo Rodrigues, a obrigação do documento vai ajudar muito a mudar a atual realidade. “O partograma vai ajudar o médico a acompanhar o parto e ele terá que justificar a cesariana, com base nesse documento ou uma indicação médica formal”, disse Ricardo Rodrigues.

Porém, a mudança cultural por parte das mães e dos médicos ao indicarem mais o parto normal é a principal mudança a ser feita para mudar esse cenário. “Muitas mulheres, logo na primeira consulta, já pedem cesariana, pelo medo da dor do parto, a ansiedade na reta final, desconforto. Claro que a orientação do médico no pré-natal ajuda muito. Mas a questão cultural é o grande problema, achar que cesariana é melhor que parto normal, quando na verdade não é. As complicações são muito maiores na cesariana”, frisou o obstetra.

Fatores
Uma série de questões pensa da escolha de mulheres pela cesárea. Entre eles, a cultura da paciente querer fazer o parto com o médico que a acompanhou no pré-natal. “No caso do normal, ele nem sempre pode fazer o parto e sim o médico do plantão. Isso faz muitas mães optarem por cesariana”, comentou. Em relação ao papel do médico, na avaliação de Ricardo Rodrigues, os profissionais devem se conscientizar e não indicar a cesariana quando não for necessário. “Mas a mãe precisa querer o parto normal e entender que ele é melhor”, pontuou.
A inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho adia em muitos casos a maternidade e, com isso, aumenta o número de grávidas a partir dos 35 anos. Na avaliação do médico, esse detalhe não justifica o alto índice de cesáreas. “Sabemos que gravidez acima de 35 anos tem mais risco, mas não necessariamente. Elas também podem ter parto normal”, salientou. 

"Cultura da cesariana não tem culpados"

Cerca de 500 partos são realizados por mês no Hospital Márcio Cunha (HMC), estima o médico e responsável técnico pela assistência obstétrica da instituição, Celso Cordeiro. Os nascimentos assistidos pela saúde pública – o Sistema Único de Saúde (SUS) - representam 70% desse total. Nessa fatia, as cesarianas ocorrem entre 35% e 40% dos casos. Já na saúde suplementar, isto é, nos planos de saúde, os partos com intervenção cirúrgica ocorrem em 75% dos casos. O trabalho para reduzir os índices ao patamar considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS) está na pauta da instituição, afirma Cordeiro.

Wesley Rodrigues


Celso Cordeiro
O obstetra defende a estrutura do HMC e destaca que, diante da necessidade de elevar os índices de partos vaginais, o partograma já é uma realidade na instituição. Antes feito manualmente, no hospital o relatório completo dos procedimentos desde que a mulher entrou em trabalho de parto está agora em processo de informatização. Outras ações são as técnicas de indução artificial ao trabalho de parto e analgesia, para controle e redução da dor; realização de palestras e oficinas, organizadas pelo Usisaúde, informando os benefícios do parto normal; incentivo às visitas hospitalares pelos casais, para conhecimento do ambiente parturial; e exigência do acompanhante durante o processo, dando maior segurança à grávida.

Celso Cordeiro reafirma a necessidade de qualificação da equipe médica para reduzir o que considera como desvios na assistência obstétrica e salienta que o corpo clínico do hospital há muito vem priorizando a contratação de enfermeiros e demais profissionais com especialização em obstetrícia. Outro fomento ao parto humanizado, informa, é a participação das doulas, as acompanhantes voluntárias com experiência de vida e que atuam na promoção de conforto físico e emocional da futura mãe.

A “cultura da cesárea” não tem culpados, mas diversos fatores que motivaram “desvios”, entende Celso Cordeiro. No começo da gestação, poucas mulheres já consideram a cesariana, mas a grande maioria opta por esse método ao se aproximar do término da gravidez. Para o médico, há medo e falta de informação. Ele também não descarta a influência de profissionais em direcionar a gestante a uma direção oposta do parto normal, seja por comodidade, seja pelo fator financeiro. “Há estudos mostrando que, em longo prazo, a cesariana pode trazer riscos potenciais a gravidez futura. Descolamento de placenta, localização ruim, ruptura de útero. Há uma série de complicações dependendo do grupo de pessoas. Em curto prazo não há problemas muito acentuados, mas em longo prazo, sim”, diz. Todavia, parto normal não é via de regra, argumenta o obstetra. “Há casos e casos”, pontua. 

Opiniões divergentes entre mães

Wôlmer Ezequiel


Maes Silvia Helena e Ana Carolina
As irmãs Silvia Helena dos Santos, 23 anos, e Ana Carolina Rogério, 29 anos, tiveram diferentes experiências no parto de seus filhos e, por isso, têm opiniões divergentes sobre o assunto. O filho da estudante Silvia Helena, Bernardo Augusto Leal Silva, nasceu com 39 semanas por cesárea e completa quatro anos de idade no dia 17 de março. Com uma recuperação rápida e sem complicações, ela aprovou a experiência. “Não tenho nada a reclamar da cesárea, optei por ela porque não estava aguentando mais ficar grávida. Não tive problemas com recuperação, o corte foi colado. Com três dias estava andando, tomando banho e fazendo tudo sozinha. Tinha tudo para ser normal, mas escolhi cesárea. Futuramente pretendo fazer cesárea novamente”, relatou. O conforto de ter a garantia da presença de sua médica para fazer o parto e a hora definida são outras vantagens apontadas pela estudante. “Sou a favor da escolha. A mulher deve escolher o que quer e o que acha melhor para o seu corpo”, destacou.

Defensora do parto natural, há três anos a bióloga Ana Carolina teve o pequeno Arthur Tarumã com 41 semanas de gestação, de parto normal. Ela reclama que, durante o procedimento, sofreu duas intervenções a contragosto. “Quando cheguei ao hospital tinha 2 centímetros de dilatação e me colocaram no soro para induzir o parto, mas eu não queria. Fizeram episiotomia sem me comunicar antes. O parto não foi natural como eu queria. E tive algumas complicações posteriormente”, contou.

Apesar da experiência, Ana Carolina que está grávida de cinco meses continua defendendo o parto natural porque acredita ser a melhor opção para mãe e bebê. “Faço exercícios e busco uma gravidez saudável para ter um parto natural. Não quero intervenções. Acredito que meu corpo foi feito para isso. A cesárea é uma cirurgia de risco, não recomendada para toda mulher. Pra mim, parece produção em massa, marcar hora e dia para o bebê nascer sem perguntar pra ele”, ressaltou a bióloga, que cogita ter a filha no Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, referência em parto natural no Estado.
 

Parteira destaca cuidado e importância do parto normal


Maria Zélia da Silva, 67, é ferrenha defensora de um desfecho natural para a gravidez. Não é para menos: ao longo de muitos anos ela atuou como parteira na zona rural em toda a região. Não havia serviço médico próximo dos casebres e “dar à luz” ocorria no leito de cada mulher, que carregava desafios distintos para que os bebês viessem ao mundo.

Wesley Rodrigues


Parteira Maria Zélia
Para Maria Zélia, hoje dona de casa e moradora do bairro Vila Militar, no ofício de partejar, com os valores culturais advindos de antepassados, reforçava, antes de tudo, a humanização do parto. O cuidado das parteiras com o nascimento, a paciência para que o parto fosse normal e uma compensação que vinha do reconhecimento social, descreve, eram parte da tradição.

A motivação para ser parteira veio com o nascimento da primeira filha, no distrito de Bom Jesus do Bagre, em Belo Oriente. “A parteira precisou me cortar com gilete porque não tinha passagem. As várias mulheres que juntaram para ajudar esperavam que eu morresse depois de dar à luz, dadas as condições em que eu estava. Fiquei três meses sem andar, porque na roça, muito pobre, não levei ponto, não levei nada. Depois desse sofrimento, eu passei a acompanhar Don’Ana, uma parteira conhecida que havia lá”, narra a idosa, nascida em Mesquita.

Ainda jovem, era preciso coragem para encarar o ofício. E ela aprendeu um jeito diferente de atuar com cada mulher, com saberes que vinham “dos antigos”. Católica, Maria Zélia carregava sempre para as “parições” nas comunidades rurais no meio do eucalipto, uma toalha e uma imagem de Nossa Senhora do Bom Parto, que ela ganhou da avó. “Era pela experiência e pela força de Deus que os meninos vinham”, lembra. Se não estava tudo certo para um parto normal, havia as simpatias. “Quando a pessoa estava naquela dificuldade e com a criança atravessada no útero, a gente ia ao fogão de lenha, virava o tição no sentido contrário e aí o menino desvirava. Tinha uma oração para gente rezar, além disso. Sempre dava certo”, recorda.

Maria Zélia teve três filhos e todos nasceram de parto normal. O ofício de parteira foi deixado há 40 anos, quando se mudou com a família para Ipatinga, mas a opinião dela se mantém. “Aconselho sempre as mulheres a terem um parto normal, tanto pela recuperação, quanto pela saúde da mãe e do menino. E oriento a tomar chás caseiros e coisas naturais. As coisas estão na natureza. Esses remédios que passam hoje a gente não sabe o que eles usam para fazer e tem sempre um efeito colateral”, diz. 

 

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