29 de abril, de 2014 | 00:00

Timóteo dos Antônios e da Zaíra

No 50º aniversário da cidade, moradores que assistiram ao desenvolvimento do município narram histórias e impressões do período de emancipação


TIMÓTEO – Nesta terça-feira, 29, o município de Timóteo também celebra 50 anos de sua emancipação política e administrativa. Com processo de urbanização semelhante ao de Ipatinga, a cidade teve seu crescimento impulsionado pela siderurgia. Dos pioneiros que assistiram ao desenvolvimento do município, a maioria deles teve relação direta com esse segmento. É o caso de Antônio Romão dos Santos, 79, e Antônio Soares Teixeira, 74.

Antônio Romão nasceu no município e é parte da história do bairro Ana Moura. O irmão mais velho, inclusive, é quem dá nome à rua onde mora o “Seo Romão”: José Pedro dos Santos. O pai do pioneiro veio de Mesquita e constituiu a família de oito filhos na região. Todos trabalharam na Companhia Aços Especiais Itabira (Acesita), implantada na década de 1940. “O crescimento da indústria na região é o maior marco da história da cidade, porque o desenvolvimento do município se deu a partir disso”, afirma Antônio Romão.

Na empresa, hoje denominada Aperam South America, Antônio trabalhou por 23 anos e cinco meses e narra o cronograma dessa trajetória com devoção. Na maior parte do tempo na empresa, ele atuou no setor de forjaria, de onde peças produzidas saíram para indústrias automotivas do país e do exterior. No final da década de 1970, todavia, a forjaria foi transferida para a região de Belo Horizonte, relata Antônio Romão, representando a seu ver uma perda irrecuperável no que poderia ser hoje um polo local de fabricação de peças de automóveis.

Wôlmer Ezequiel


Antônio Romão dos Santos


Grande parte da área vizinha a avenida Ana Moura pertenceu ao pai de Antônio Romão. Para não criar desavenças entre os filhos ao dividir um terreno de nove alqueires, a família decidiu lotear a área, parte repassada aos parentes, parte vendida a terceiros. E, foi no período entre 1977 e 1984 que Antônio Romão literalmente ajudou a construir a cidade: para complementar a aposentadoria, abriu uma fábrica de blocos. Além dos construtores do Ana Moura, a venda dos materiais de construção ocorreu, principalmente, para as edificações do bairro Serenata.

Ele também ajudou a construir o sucesso do futebol amador local. Antônio Romão foi um dos fundadores do Industrial Esporte Clube, em 1956, onde jogou por muitos anos como ponta-direita.

Em face à celebração dos 50 anos de emancipação de Timóteo, Antônio Romão se preocupa com a crise na indústria, maior alicerce financeiro da região, em sua opinião. "Além de investir nas oportunidades de educação técnica e superior é preciso dar aos estudantes a chance de trabalhar aqui. A educação e as oportunidades de trabalho, se olhadas com carinho, melhoram o resto. Fora isso, a cidade precisa ter outros meios para evoluir e atentar à parte assistencial da população – seja na saúde, seja na segurança, por exemplo”, diz.

“Oportunizar”
A preocupação Antônio Romão é a mesma do xará Antônio Soares Teixeira, que completou nesta segunda-feira (28), 74 anos. Morador do bairro João XXIII, Antônio Teixeira nasceu em Bom Jesus do Galho e veio para o Vale do Aço na década de 1960, à procura de emprego. O trabalho foi conquistado na Acesita, para onde se empenhou em ingressar os irmãos que também precisavam de emprego. “Tivemos um privilégio que seis irmãos ‘ficharam’ na empresa e saímos todos aposentados dela”, relata.

Wôlmer Ezequiel


Antônio Soares Teixeira


Aposentado em 1992, Antônio Teixeira constituiu a família de três filhos e cinco netos em Timóteo. Ao avaliar o panorama do município ele também lamenta a perda da forjaria da Acesita, onde trabalhou por sete anos. O desassossego do pioneiro está relacionado ao futuro do setor industrial na região. “Os empregos não são mais como antes. Na indústria, as pessoas já vão inseguras quanto à estabilidade no emprego. É preciso oportunizar a instalação de mais empresas na região, e dar condições para isso”, comenta, indicando a necessidade de viabilizar estrutura viária para escoamento, como a duplicação da BR-381.

 

Registros de quem viu de
perto o crescer da cidade

 

Quem conhece bem a história de Timóteo é Zaíra de Carvalho, 78 anos. Pós-graduada em Letras e Língua Portuguesa, a pioneira já publicou 12 livros e se prepara para o lançamento do 13º. Várias de suas obras retratam o desenvolvimento da cidade, assim como os problemas sociais enfrentados ao longo de sua emancipação política e administrativa, em 1964.

Filha de Raimundo Alves de Carvalho, Zaíra nasceu em 1935, no então arraial de São Sebastião do Alegre - à época distrito de Antônio Dias -, de uma família tradicional e detentora de terras que se tornaram os bairros Quitandinha, Cruzeirinho e Olaria II. Ainda nova, a filha dos Carvalho assistiu à construção da antiga Acesita (hoje Aperam South America) e ao crescimento desenfreado da cidade. 

“Aqui era só mata virgem. Andávamos na infância pelas trilhas dentre as árvores e não enxergávamos o céu, de tão altas. Quando a empresa chegou, abriram estradas. Trouxeram o progresso, mas vieram também os transtornos. Pessoas vinham para cá e não tinham onde se instalar; as empresas não podiam abrigar tanta gente. Vieram doenças, assassinatos. O pessoal vivia armado, não havia policiamento”, narra.

Com a chegada do Padre Joseph Cornelius Marie De Man, veio a Universidade do Trabalho (atual Unileste), em 1969. Foi nessa instituição que Zaíra se graduou em Letras. A bagagem acadêmica foi o que proporcionou à professora de português e literatura a lançar, em 1982, seu primeiro livro: “Coquetel de versos em taças de amor”, uma antologia poética. Anos mais tarde, lançou uma coletânea que trouxe uma síntese histórica dos municípios da Região Metropolitana do Vale do Aço.

Wôlmer Ezequiel


Zaíra de Carvalho


Ao longo de 50 anos da emancipação de Timóteo, os marcos históricos na lembrança de Zaíra são muitos. A criação do Clube Campestre Choupana, na década de 1960, é um deles. Mas a lembrança do clube no bairro Santa Cecília, há muito fechado, se transformou em tristeza. “Era um cartão-postal do município. Já realizei um congresso nacional de escritores por lá e foi fantástico. Tinha muito orgulho daquele lugar. Fiquei assustada quando vi o que se tornou o clube. Devia ser resgatado, afinal, não podíamos perder uma fortuna daquelas – e não me refiro a dinheiro, mas à importância cultural e social daquele clube”, lamenta. 

O 13º livro de Zaíra está em processo de revisão e, provavelmente, será concluído em maio. A obra retratará a história de Timóteo sob a ótica da saúde. A escritora entrou em contato com médicos, outros profissionais da saúde e moradores que participaram da consolidação de serviços no município. Até quem atualmente mora em outros estados topou vir dar depoimentos. “É um livro contado pelas pessoas que viveram o período”, resume.

No panorama atual, o campo da Saúde, a seu ver, ainda tem muito o que melhorar. Os leitos são insuficientes e falta assistência adequada à população - acredita a pioneira. Mas, o que também preocupa a moradora do bairro João XXIII é a assistência à infância e juventude, fatores que para ela estão ligados à onda de violência que envolve menores de 18 anos. 

A preocupação de Zaíra de Carvalho com os menores não é de hoje. Em 1990, ela fundou o Lar das Meninas Joanna de Ângelis. A instituição já abrigou 36 crianças em situação de vulnerabilidade social ou em processo judicial de tutela. Devido à idade e ao falecimento da irmã que cooperava no trabalho, a casa foi fechada há quase dez anos. Hoje, a placa da instituição, o parquinho e outros resquícios ainda estão na rua Carmem Cota, mas somente quatro meninas ainda convivem com ela, com o apoio de uma funcionária contratada.

Afora o lar das meninas, a educadora sempre se voltou às ações sociais em periferias com o público infanto-juvenil. O interesse sempre existiu, dado à experiência pessoal com a pobreza – décadas atrás a família faliu em meio a tantas dívidas. “E a gente fica impressionada de ver crianças que acompanhamos quando pequenos agora no meio da criminalidade. Há 15 anos, ajudei a cuidar de uma criança com desnutrição em uma favela daqui. Dia desses, soube que esse menino se tornou um traficante. É triste demais isso”, resume.

O problema de adolescentes infratores, realidade presente em muitas cidades, é grande e tem muitos responsáveis. Dentre esses, a falta de estrutura familiar e ausência do Estado. “Culpo muito o Estatuto da Criança e do Adolescente por proibir o trabalho para o menor. Oras, dizem que uma ‘mente vazia é oficina do diabo’. Se tirou o trabalho e não colocou outra coisa no lugar, temos essa juventude que está aí”, opina.

Timóteo tem uma qualidade de vida satisfatória, avalia Zaíra. Os problemas principais e pontuais estão, por exemplo, nos bairros de periferia e nas ocupações irregulares. “Há favelas e as condições de vida por lá são tristes. Há muita carência, pobreza. Há muito por fazer”, encerra Zaíra de Carvalho. 

 

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