25 de setembro, de 2013 | 00:05

Oftalmologista é condenado a 23 anos de prisão por pedofilia

Em decisão que cabe recurso, homem foi julgado culpado por abusar de duas meninas de famílias amigas


IPATINGA – O médico oftalmologista Mauro Roberto Andrade de Souza foi condenado a cumprir 23 anos e quatro meses de prisão pela prática de pedofilia contra duas meninas. O caso tramitava na Justiça Criminal na Comarca de Ipatinga desde 21 de dezembro de 2011 e foi sentenciado, em primeira instância, no dia 20 de setembro passado. Como se trata de uma decisão de primeira instância, o médico pode recorrer. 

 

O processo tem duas vítimas. Uma menina, hoje com 21 anos, alegou que foi abusada sexualmente dos onze aos treze anos. Outra, hoje com 15 anos, foi abusada quando tinha entre 10 e 11 anos. As famílias eram amigas, faziam viagens de férias juntas, frequentavam as casas e até participavam de um mesmo grupo religioso. Em um ambiente acima de qualquer suspeita, um dos piores crimes era cometido, contando com o silêncio de pessoas inocentes.

 

Consta no processo que era no ambiente familiar que Mauro Roberto acariciava as partes íntimas das meninas e pedia que elas fizessem carícias nele, quando as famílias estavam afastadas. Os delitos foram praticados repetidas vezes em 2003 com uma menina e, em 2009, com a outra, o que caracteriza continuidade delitiva.

 

Mas o histórico de casos praticados pelo médico, mantidos em silêncio mesmo depois de descobertos por outras famílias de vítimas, acabou em inquérito policial em 2011 quando duas famílias decidiram dar um basta à situação e levou a denúncia ao Ministério Público. Dois anos depois, uma sentença relativa ao crime de pedofilia com as duas vítimas condenou o médico oftalmologista Mauro Roberto Andrade de Souza a penas que somam 23 anos e 4 meses de prisão.

 

Como se trata de uma decisão de primeira instância, ele pode recorrer, em liberdade. A juíza criminal Ludmila Lins Grilo assim justificou a sentença: “O acusado, muito embora não tenha confessado espontaneamente em juízo a prática do ato delituoso, o fez espontaneamente a várias pessoas que depuseram em juízo, tendo inclusive as genitoras das vítimas gravado tal confissão”.

 

A gravação foi aceita como prova e, com isso, a magistrada considerou a atenuante da confissão espontânea. No processo, as famílias não pediram indenização. Mais à frente a juíza explica que o acusado respondeu todo o processo em liberdade, sem que tenha havido notícia acerca de outros delitos por ele praticados nem coação de testemunhas e vítimas, razão pela qual permitiu que o médico recorra da sentença em liberdade. 

 

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Defesa 

Em um dos principais argumentos da defesa do médico, é alegado que Mauro Roberto Andrade ficou com sequelas de um acidente automobilístico ocorrido em 1992, mas os argumentos foram refutados pela juíza: “O próprio acusado afirma exercer normalmente a profissão de médico oftalmologista em dois consultórios, um em Coronel Fabriciano e outro em Ipatinga, chegando a ser risível a alegação de que não se encontra em posse de suas plenas faculdades mentais”. 

 

 

Descoberta cinco anos depois 

Em entrevista ao DIÁRO DO AÇO, a família de uma das vítimas informou que soube do caso quando a filha já estava com 18 anos. A jovem hoje está em Belo Horizonte e, quem relata o caso é a mãe dela: “Há dois anos fomos assistir a um jogo de futebol pela televisão na casa desse amigo. Em determinado momento ficaram sozinhos e ele tentou tocar nas partes íntimas dela. Nos dias seguintes, ela escreveu uma carta em que relatava o que havia ocorrido com ela dos onze aos treze anos. Com apoio de um amigo, um pastor, marcamos um encontro, apresentei a carta e ele confirmou que era tudo verdade”, detalhou a mãe da vítima. 

 

Inicialmente, a família pensou que o fato de a vítima já ter 18 anos, e de terem se passado cinco anos do crime, não seria possível fazer mais nada. A mãe contou para a irmã todo o episódio e, para a surpresa de todos, descobriram que em 2009 a sobrinha, então com 13 anos, também sofrera abusos, entre os 10 e 11 anos. “A minha filha começou a chorar, pois também era vítima da mesma situação. Descobri, desta forma, que ela foi abusada”, relatou a outra mãe, que não esconde o constrangimento.

 

Persistência

Todos os anos a campanha de combate à exploração sexual da criança do adolescente incentiva as denúncias, mas fazer com que os culpados, ou suspeitos dos crimes, sejam levados à Justiça e julgados requer uma persistência que muitas pessoas não têm. Desde a descoberta, as duas famílias passaram por uma série de idas e voltas até que o inquérito policial, aberto na Delegacia de Mulheres e da Criança e do Adolescente, fosse concluído e a denúncia do MP fosse remetida à Justiça Criminal.

 

Entre as situações vividas pelas mães das vítimas, elas dizem ser difícil dizer qual foi a pior. A mãe de uma das vítimas afirma que em um dos momentos decisivos ela foi ao consultório do oftalmologista com um gravador ligado. Na conversa, o médico confessou o crime. “Não tem desculpa... não tem perdão...É uma compulsão”, diz um trecho do áudio, cuja íntegra foi aceita como anexo no processo. “Gravei também uma conversa com a mulher dele em que ela admitiu saber que ele fazia isso. Mas afirmou acreditar que aquilo não faria mal às crianças”, relata a mãe. 

 

O pai (da vítima de 21 anos) enfatizou por que decidiram tomar o caminho inverso do que fazem muitos pais ao descobrem crimes dessa natureza. “Nós sabíamos que havia muitas outras crianças que frequentavam a casa desse homem. Decidimos levar o caso para a Justiça como forma de evitar que esse mal fosse feito a outras crianças. Não queríamos ser coniventes com a impunidade. Para nossa surpresa, descobrimos que havia outros casos e apareceram até as pessoas cujas filhas foram vítimas e tentaram nos convencer a parar com o processo. Ele falava aos amigos que tinha parado, mudado de vida. As pessoas acreditavam, mas vimos por meio de nossa filha que isso não era verdade. Ou tomávamos essa providência ou ele faria novas vítimas”, afirmou. 

 

Entre os casos, ainda não investigados e apurados, as famílias descobriram uma menina que denunciou o abuso à mãe, que não acreditou na história. Acometida por problemas emocionais, a menina chegou a tentar o suicídio. “Ninguém nunca acreditou nessa menina. Quando nosso caso veio à tona os pais dela foram pedir desculpas e perdão. Essa menina nos procurou, foi solidária à nossa causa e nos relatou que um dia esperou que os pais agissem e a Justiça punisse o médico pelo que fez com ela”, relatou. 

 

 

Demora 

As mães e o pai das vítimas acreditam que a pouca idade delas as impedia de denunciar o abuso. Uma das mães relata uma conversa específica com a jovem, hoje com 21 anos. “Ela me disse que somente com o passar do tempo entendeu que o amigo fazia com ela algo que não era normal. Não era o natural. Ela mesma depôs no processo e disse que enfrentava todo esse constrangimento para evitar que voltasse a ocorrer com outras crianças”, enfatizou. 

 

 


Famílias afirmam que vítimas ficaram com sequelas

As duas vítimas da pedofilia vivem até hoje as sequelas do abuso a que foram submetidas. Uma das jovens teve uma crise grave quando o caso foi descoberto. Ambas tiveram assistência psicológica. Ao procurar atendimento médico, com uma profissional em Belo Horizonte, uma das famílias teve outra surpresa. A profissional já tinha morado em Ipatinga e, coincidentemente, a filha dela também sofreu abuso por parte do mesmo homem.

 

“Na primeira consulta essa situação foi descoberta. Não sabíamos disso, mas a psicóloga é ex-cunhada do médico e a filha dela também foi vítima, dos 9 aos 14 anos. Essa jovem, hoje com 28 anos, foi testemunha no processo das nossas filhas em Ipatinga. Quando a filha dela contou o ocorrido, a mãe foi à família conversar com o marido e com o avô. Como estava em um processo de divórcio do pai da menina, irmão do médico, a jovem foi acusada de trazer transtorno para a família, inventando a calúnia. A mãe preferiu pegar os filhos e mudar-se para Belo Horizonte, onde os criou”, detalhou uma das mães.     

 

A outra mãe acredita que o abuso sofrido foi a principal causa do afastamento da filha. “Ela me responsabiliza pelo ocorrido. Como eu poderia saber? Nesse período ela afastou-se de mim e ameaçava se matar. Somente recentemente consegui trazê-la de volta”, contou. 

 

 

Fez-se justiça?

Ao tomar conhecimento das penas que somam 23 anos e 4 meses de prisão para Mauro Roberto Andrade de Souza, as famílias das duas vítimas disseram que estão na expectativa do que vai ocorrer. “Deste total de pena, quantos anos ele vai efetivamente ficar atrás das grades? A justiça vai permitir que ele permaneça solto na sociedade? Ele tem direito a recorrer em liberdade, mas continua a trabalhar. Eu encontro com ele na porta da escola da minha filha. É um constrangimento sem tamanho”, reclama a mãe. 

 


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