17 de setembro, de 2013 | 00:00

Audiência retoma discussão Sobre o “Massacre de Ipatinga”

Debate será promovido pela Comissão Nacional da Verdade no cinquentenário da tragédia


IPATINGA – O plenário da Câmara de Vereadores recebe, no mês de outubro, uma audiência pública para tratar do episódio que ficou conhecido como “Massacre de Ipatinga”.

Promovida pela Comissão Nacional da Verdade, a audiência terá a participação de pessoas com informações complementares sobre o caso, que tem como um dos principais questionamentos a contagem de mortos, que oficialmente são oito. O dia da audiência da Comissão da Verdade está está confirmado, para o dia 7. Já o fórum local que trata do assunto promoveu uma audiência no dia 4 de outubro.

O massacre ocorreu após a decretação de uma greve geral na Usiminas no dia 7 de outubro de 1963. Naquele tempo era comuns os movimentos grevistas por melhores condições de trabalho em todo o País.

De acordo com o livro “Ipatinga Cidade Jardim”, de autoria de José Augusto de Moraes, a má alimentação servida no restaurante da empresa, então estatal, o baixo salário, as más condições de vida e de trabalho, além do transporte precário foram os fatores que contribuíram para a paralisação.

A audiência foi pensada após diálogo entre a Comissão Especial “Memória e Verdade” da Câmara de Ipatinga, e o jornalista e autor do livro "Não foi por acaso", Marcelo Freitas. Ele explica que existem três lacunas na história: o número real de mortos; a explicação sobre a destinação de 32 caixões recebidos na Usiminas no dia seguinte ao massacre; além de dois trabalhadores vindos da Bahia que desapareceram após o dia 7 de outubro daquele ano.

O período da ditadura militar, iniciado com o golpe de 1964, serviu para jogar mais obscuridade sobre o ocorrido. Sem acesso aos documentos, a verdade sobre a morte dos trabalhadores nunca veio à tona.  

Prestes a completar 50 anos, no próximo dia 7, o Massacre de Ipatinga será investigado pela Comissão Nacional da Verdade. Marcelo Freitas relatou ao DIÁRIO DO AÇO que, recentemente, foi entrevistado por uma pesquisadora da Comissão da Verdade, que coleta depoimentos para subsidiar a investigação.

“A essa pesquisadora repassei informações sobre o que considero como sendo as grandes lacunas que, ainda hoje, persistem sobre o assunto, bem como a indicação de quais deveriam ser os passos da investigação. Todas as informações que passei à pesquisadora estão reunidas no livro ‘Não foi por acaso’, que lancei em 2009. A grande duvida é sobre o número de mortos. Defendo que é sobre esse ponto que a Comissão Nacional da Verdade deveria se debruçar”, avaliou.

Bernadete Amado


marcelo freitas


Nascido em Nova Era, o jornalista observa que seus questionamentos são baseados em documentos e questionamentos que fez durante entrevistas realizadas em Ipatinga. “Trabalhava no jornal ‘Hoje em Dia’ em 1989 quando a história me interessou por ter muita coisa não esclarecida. Fui a Ipatinga para ouvir mais sobre o assunto.

Em 2003, já no ‘Estado de Minas’, guardei documentos que coletei anos depois e fiz um mestrado sobre o tema. Fiz ainda uma entrevista com médicos e enfermeiros sobre o caso. Entrevistei cerca de 30 pessoas sobre o ocorrido, que tem oficialmente oito mortos, número que questiono no livro”, explicou.

Marcelo Freitas destaca que em relação aos desaparecidos, a intenção é não afirmar que todos foram mortos. “Alguns podem ter ido embora com medo da situação, ou ter julgado que não valia a pena permanecer na região. Mas não temos comprovação de que isso ocorreu. Essa é uma lacuna. E toda lacuna dá margem para dúvidas a partir do momento que não se tem uma resposta concreta”, acrescentou.

Ele chama a atenção para o fato de que, talvez, essa seja a última oportunidade que se abre para uma investigação sobre o assunto. “A partir daí, pode ser que o assunto morra e se torne, ainda mais, um fato obscuro da historia. Até porque as testemunhas estão morrendo (pela idade avançada)”, apontou.

Comissão foi criada por lei federal

A Comissão Nacional da Verdade promove no mês de outubro diversas audiências, entre elas duas são do Grupo de Trabalho Sindical: dia 1° sobre a destruição do antigo Comando Geral dos Trabalhadores pela Ditadura e dia 4 sobre os 50 anos do Massacre de Ipatinga. Em reunião, foi definido que a CNV realizará audiências públicas em conjunto com comissões estaduais e promoverá audiências dos grupos de trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical, Papel das Igrejas durante a Ditadura e Perseguição a Militares.

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.


“Minha avó sofreu muito com a perda do marido”

Neta de um dos mortos reconhecidos oficialmente, a moradora do distrito ipatinguense de Barra Alegre, Cléria Lúcia Gomes, aponta o massacre como uma mancha na história do município. À época, sua mãe era adolescente e teve de ajudar a família após a perda do pai. Alvino Felipe Ferreira seguia em direção à Coronel Fabriciano e foi morto com um tiro na cabeça.

Na época, relata Cléria, o avô ia à pé para Coronel Fabriciano, onde faria uma perícia médica, pois estava afastado devido a um acidente de trabalho na extinta empreiteira Cavalcanti. “A empresa fazia contratos temporários, que eram renovados periodicamente para não criar vínculos empregatícios e minha avó morreu sem direito à pensão pela morte do meu avô, por que na época ela não era casada com ele no Cartório Civil, mas somente no religioso (isso era comum na época)”, relata.

Para Cléria, as aulas de história deixaram cair no esquecimento a memória das vítimas do massacre, motivado pela revolta dos trabalhadores da Usiminas, que estavam indignados com as condições de trabalho na época. Como represália aos protestos, foi chamada a cavalaria.

A tensão aumentou na portaria então localizada na área entre os bairros Ferroviários e Horto. Temendo que os trabalhadores avançassem, foi dada a ordem de disparos de armas de fogo pela tropa.

“É triste constatar que esse fato foi esquecido, mesmo tendo sido notícia nacionalmente. Minha avó sofreu muito com a perda do marido. Meu tio quase morreu de tristeza, pois era muito apegado ao pai. Toda a família passou por dificuldades financeiras (depois do episódio)”, lembrou.

Lista oficial de mortos em 7/10/1963

Aides Dias de Carvalho

Alvino Ferreira Felipe

Antônio José Reis

Geraldo da Rocha Gualberto

Gilson Miranda

José Isabel do Nascimento

Sebastião Tomé de Souza

Eliana Martins (criança de três meses atingida no colo da mãe, que passava pelo local do confronto para visitar o marido, internado em Coronel Fabriciano)

 

Arquivo DA


sebastiao tome


 

 
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