26 de agosto, de 2012 | 00:00

Fartura na mesa e boa prosa

Neta de escravos em Milho Verde mantém viva a tradição das quitandeiras de Minas Gerais

Alex Ferreira
Nascer do sol em um dos destinos românticos mais famosos de Minas Gerais Nascer do sol em um dos destinos românticos mais famosos de Minas Gerais
Uma casa simples, em uma esquina no largo da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no distrito de Milho Verde, município do Serro, preserva a tradição de um dos alimentos mais conhecidos de Minas Gerais: o verdadeiro Pão de Queijo, feito com polvilho azedo, ovos de um bando de galinhas caipiras que povoa um quintal e leite fresco, recém-tirado do rebanho em um curral nas redondezas do povoado.

O dia ainda clareia e um cheiro de lenha queimada, expelida por um enorme forno de barro em forma de iglu, dá os sinais que as quitandas estarão na mesa em instantes. Biscoitos, pães de abóbora e de batata e roscas de nata, são servidos em tabuleiros, mas o que reina mesmo neste universo de delícias é o pão de queijo.

É das mãos de Geralda Francisca dos Santos, 70 anos, que saem as receitas que, levadas ao forno, em minutos, rendem tabuleiros cheios de fartura para o café da manhã dos turistas e dos nativos, que transformam o portão da casa da quitandeira num entra e sai frenético.
Alex Ferreira
Dona Geralda tira mais uma fornada do lendário pão de queijo Dona Geralda tira mais uma fornada do lendário pão de queijo

Dona Francisca, ou Dona Geralda, como é conhecida, recebe os turistas na varanda da casa. O café da manhã, a um preço simbólico perto de tamanha fartura (R$ 6 por pessoa), pode ser tomado ali mesmo, ao redor do forno e da movimentação de tabuleiros repletos de quitandas.

Neta de escravos que foram levados pelos portugueses em busca de diamantes nos garimpos que existiram na região do Período Colonial até o século XIX, Dona Geralda é viúva do Seu Geraldo, o rei da Marujada, com tem teve seis filhas e quatro filhos.

Boa de conversa, ela diz que gosta de receber pessoas de Ipatinga, ao descobrir que recebia ali pessoas do Vale do Aço. “São sempre pessoas muito boas, alegres e bem- humoradas”, afirma.

Informada que seu trabalho iria virar uma reportagem, ela logo lembra que, recentemente, recebeu a apresentadora Regina Casé, para a gravação de uma matéria para o Canal Futura. “Ela chegou aqui um dia depois da sua equipe de produção. Ficou horas com essas quitandas, perguntou muito sobre o pão de queijo e depois rodou por aí”, relatou.
Ilustração de LP de Milton Nascimento, 1981 Ilustração de LP de Milton Nascimento, 1981

Igreja do Rosário

A Igreja do Rosário em Milho Verde, citada na abertura do texto, é uma obra controversa. Ficou famosa por ilustrar a capa do LP Caçador de Mim, de Milton Nascimento (1981), em uma época em que a terra da famosa escrava alforriada Chica da Silva começava a atrair hippies e moradores de cidades grandes e arredores, interessados numa vida mais simples, em um lugar de natureza exuberante.

Inicialmente, foi amplamente divulgado que a famosa igreja fora construída por escravos alforriados, moradores do lugar no século XIX. Mas o professor e pesquisador do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Duarte, tem outra versão. Ele defende uma tese, com base em depoimentos de moradores do próprio lugar, de que a construção data do fim da década de 1950.

“Essa constatação originou uma reflexão sobre a ‘autenticidade’ do edifício. Uma possível explicação para esse fato é o total isolamento em que se encontrava Milho Verde na década de 1950, não sendo servida a localidade por luz elétrica, portanto, não compartilhando das informações da indústria cultural e, por isso, com um alto grau de ‘imunização’ em relação ao ‘kitsch’ por ela difundido”, resume.
Alex Ferreira
Pão de abóbora é outra quitanda espetacular que sai do forno da quitandeiraPão de abóbora é outra quitanda espetacular que sai do forno da quitandeira

Patrimônio natural

Cercada por cachoeiras e um lajedão que se estende até o sopé da serra do Raio, Milho Verde teve recentemente asfaltada a estrada de 30 quilômetros para o acesso à sede do município, Serro. O lugarejo está no meio do caminho para Diamantina, na Estrada Real, e os nativos vivem agora praticamente do turismo, atividade que começa a trazer problemas como o excesso de lixo, especulação imobiliária e descaracterização dos hábitos da população.

Para evitar danos ambientais com a presença das pessoas, o Instituto Estadual de Florestas passou a atuar mais ativamente na região, principalmente na área da Várzea do Lajedo, contígua à vila e um dos pontos mais frequentados pelos visitantes.

Alex Ferreira
Cachoeira do Tempo Perdido, no distrito de Capivari, vizinho de Milho Verde, é uma das mais procuradas da região Cachoeira do Tempo Perdido, no distrito de Capivari, vizinho de Milho Verde, é uma das mais procuradas da região


Alex Ferreira
Cahoeira do Moinho - essa é uma das quatro quedas da cachoeira localizada no sopé do morro que dá acesso ao distrito de Milho Verde Cahoeira do Moinho - essa é uma das quatro quedas da cachoeira localizada no sopé do morro que dá acesso ao distrito de Milho Verde


Alex Ferreira
Cachoeira do Carijó - todos os cursos d'água que formam as cachoeiras em Milho Verde são de afluentes do rio Jequitinhonha, cuja nascente se localiza a 12 quilômetros do distrito Cachoeira do Carijó - todos os cursos d'água que formam as cachoeiras em Milho Verde são de afluentes do rio Jequitinhonha, cuja nascente se localiza a 12 quilômetros do distrito


Alex Ferreira
Nos arredores do distrito está o Parque Estadual da Serra do Rio do Raio e do  Lajeado, marcado por inúmeras cachoeiras Nos arredores do distrito está o Parque Estadual da Serra do Rio do Raio e do Lajeado, marcado por inúmeras cachoeiras

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