12 de maio, de 2012 | 00:00

Som no curral, pancadão nos salões...

Artigo do jornalista João Senna fala das discrepâncias musicais da atualidade

boladear.com


vaca

João Senna
A mordomia concedida aos animais na Expozebu, em Uberaba, foi matéria no Jornal Nacional. A relação entre homens e animais, muito próxima desde tempos imemoriais, só ultimamente tem sido mais bem compreendida. A princípio, se pensava que todo e qualquer bicho existia apenas para servir ao homem. E tome pancadas e maus-tratos que dizimaram inúmeras espécies.
Longe de ser conversa pra boi dormir, a construção das baias agora é projetada para garantir vista privilegiada, e a “cama” é forrada com palha de arroz. E ainda: banhos com xampu de coco, tratadores para dar a comidinha na boca e cuidar de outros detalhes para o bem-estar do animal. Tanto mimo dá retorno. A Savana produz 46 litros de leite por dia. E enquanto há pessoas com “xis” ou cruzinhas na certidão pela indiferença de pais desnaturados, a vaca Baquiana, na sua ficha, ostenta até o nome do tataravô. “Esse trabalho de melhoramento genético, a ponta dele, é a carne que chega à mesa dos brasileiros”, disse Paulo Trindade, dono do exemplar.
 
Um animal pode valer dois milhões de reais, e um investidor celebrava a aquisição do clone de um bezerro. Pela terça parte do futuro campeão, pagou R$ 615 mil. Personagem folclórico, o podólogo Zé Gancho passa a vida a bordo de aviões e helicópteros no Brasil e países vizinhos, para fazer as unhas das estrelas das exposições e rodeios.
 
A Expozebu, por sinal, deveria movimentar R$ 100 milhões em negócios. A cereja, nesse bolo formado por cifras astronômicas, é o requinte de tocar música romântica para deixar as vacas mais relaxadas e prontas para produzirem mais leite. Pesquisas comprovam que, flores e plantas, ao som ambiente de música clássica e outros ritmos harmoniosos, cresceram bem mais e ficaram mais viçosas do que as expostas à pauleira. Então, deve haver certa ciência nesse novo dengo com as vaquinhas.
 
O contraponto dessa novidade é que o homem, com o diferencial de ser racional, vem perdendo terreno até para as vacas. Em visita ao Brasil, Laura Pausini se queixou da queda de qualidade das composições na Itália, mas esse é um mal universal. Tal e qual erva daninha, há sempre uma fornada de novos “artistas” na praça. O problema é que, comboiados por Faustões, Gugus e Bials, locutores das rádios pererecas ou sites de grandes publicações preferem a comodidade de seguir a boiada do sucesso descartável, a dar tratos à bola para atender ao ouvinte ou leitor mais requintado, sufocando-o com uma enxurrada de besteiras.
 
E como a burrice embarcou na esteira da globalização, um comunicólogo do Miami Herald comparou Michel Teló a Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Conforme o imbecil, o hit “Ai se eu te pego” seria a versão moderna de Garota de Ipanema. A cartilha do “Nois pega o peixe”, avalizada pelo então ministro Haddad, teria sido traduzida para o inglês?
 
A ditadura do besteirol pode campear à solta desde que não melindre os burocratas da Igualdade Racial. Conforme o ouvidor nacional Carlos Alberto Silva Júnior, o clipe “Kong” leva a crer que o negro está em "condição de ser inferior", e que "não se desenvolveu a ponto de se tornar ser humano". Tudo por causa da frase: "É no pelo do macaco que o bicho vai pegar", que pode render dores de cabeça a Alexandre Pires e ao cracão Neymar.
 
Em contrapartida, até o momento nenhum órgão idôneo veio a público para criticar a asneira da Câmara de Presidente Olegário (MG), que aprovou a construção de uma estátua do cantor Gusttavo Lima, natural da cidade.
 
Com essa submissão, mansa e bovinamente, aos estrumes “musicais” e “culturais” até em recepções de fino trato, as vacas, no embalo da música romântica, foram colocadas em patamar superior ao do bicho homem.
 
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