09 de fevereiro, de 2012 | 00:10

Mãe e traficante

Ela vende drogas para manter filhos: "Não dá para pensar no sofrimento do próximo"

Nilmar Lage


Crack

DA REDAÇÃO - O objetivo de qualquer mãe responsável pelo zelo de seus familiares não seria tema de reportagem, se não fosse a maneira marginal encontrada por uma traficante de crack, ouvida pelo DIÁRIO DO AÇO. Sob a condição de sigilo sobre a sua identidade e localização, respaldada pelo artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal, a dona de casa e mãe de dois filhos conversou com a reportagem e aceitou revelar os meandros do comércio da droga que, a cada dia, angaria novos dependentes.
Para atender sua imposição de anonimato, a traficante disse que gostaria de ser tratada nesta reportagem pelo pseudônimo “Maria”. “Toda Maria é uma guerreira. É dessa maneira que eu vejo a minha luta para me manter viva e em condições de cuidar da minha família”, inicia a mulher, que está sem seu marido há três anos. Ele foi preso e condenado por tráfico de entorpecentes enquanto transportava cerca de dez quilos de maconha e 500 gramas de crack.
“Sempre soube que meu marido era envolvido com o crime. Mas, até ele ser preso, nunca tinha participado de absolutamente nada. Eu era apenas uma dona de casa. Depois do que houve com ele, não tive outra saída a não ser dar sequência aos seus negócios. Hoje, sou eu quem toma conta de tudo”, declara.
Vivendo em uma casa normal, exceto pelo considerável número de aparelhos eletrônicos dispostos na sala sem o mínimo de organização, quase nada chama a atenção a ponto de denunciar que ali o crack é comercializado sem nenhum constrangimento. “Eu sei que isso acaba com a vida das pessoas. Mas o mundo que a gente vive hoje funciona de um jeito que eu não tenho como pensar no próximo. Primeiro eu penso em mim, no meu marido e nos meus filhos. Eu não tenho emprego, não tenho formação. Infelizmente, o que tenho é crack para vender.
E gente para comprar é o que não falta”, revela a mulher, sem demonstrar nenhum tipo de remorso. Atualmente, “Maria” divide sua residência apenas com um filho de 17 anos. “Minha menina não entende o que eu faço. Mesmo assim, aceita meu dinheiro para pagar o curso superior. Isso me deixa muito triste, mas o que importa mesmo é ver ela formada um dia”, compartilha com esperança a mãe, ao revelar que conta com a “ajuda de Deus” para que seu filho não siga o mesmo caminho dos pais.
Segurança
Sobre os riscos de estar à frente de uma “boca de fumo”, Maria afirma que sua casa não é frequentada por qualquer tipo de pessoa. “O crack desfigura aquele que o consome. Com o passar do tempo, transforma o viciado em um tipo de bicho. Quando eu vejo que o meu cliente começa a entrar nesse nível eu simplesmente o proíbo de voltar. Caso ele insista, eu apelo para alguns amigos que mantêm a minha segurança resolverem o problema”, revela, com frieza.
“E se engana quem pensa ainda que o crack é consumido somente por pessoas pobres. Eu só trabalho com gente de classe média para cima. A cocaína perdeu espaço depois que descobriram a onda que dá misturar o crack com maconha”, pontua.
A traficante revela que a droga que vende, basicamente, tem a mesma origem da maioria do crack comercializado no resto do país. “As fronteiras do Paraguai. É de lá que todo traficante de verdade compra o grosso do produto para depois providenciar as porções que são vendidas por uma média de R$ 5 a R$ 10. Atualmente, tenho contatos com mais de cinco pessoas que nunca me deixam na mão. Se um é preso, eu recorro a outro. E assim a gente faz o nosso trabalho enquanto o poder público não faz o dele”, ironiza.
Lucro
Ao ser questionada sobre o lucro que tem com a venda da droga, Maria retirou do bolso inúmeras notas de R$ 10 e começou, naquele momento, a fazer o balanço do dia. “Dá para tirar uns dois mil reais num dia normal. Mas não se engane, eu gasto muito com segurança.
Tenho esquema com toda a sorte de pessoas. Nenhum traficante consegue se manter sozinho. No mês, eu acho que devo tirar uns R$ 10 mil, limpo. Mas aí vêm os gastos com advogados e despesas de casa. Onde eu conseguiria esse dinheiro todo se trabalhasse normalmente?”, questiona. “Maria” revela que tem a expectativa de parar com essa atividade assim que o marido sair da cadeia e a filha terminar a faculdade.
Enquanto isso não acontece, ela se arrisca diariamente para administrar as consequências de viver no submundo do crime. “Meu marido deve ficar livre daqui a uns quatro anos. Eu guardo um dinheiro para que possamos abrir um negócio legal. Não sei o que ainda. Mas não quero viver desta maneira o resto da minha vida. Meu sonho é ter liberdade e ver minha família bem”, finaliza Maria.
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