10 de julho, de 2010 | 20:00

Josias, com muita história pra contar

Guia fala da beleza, curiosidade e perigos do Parque Nacional do Caparaó

Alex Ferreira


ABRIGO

ALTO CAPARAÓ – Ele não fez curso de meteorologia, mas sabe prever a chuva pela água que bebe. Apesar de fumar diariamente cigarro de palha, percorre 6,9 km montanha acima em apenas duas horas.
Por trás do olhar desconfiado, da pele marcada pela exposição ao sol, e sorriso largo, está um grande mestre da montanha. Falamos do guia do Parque Nacional do Caparaó (Parnacaparaó), Josias Vieira Câmara, 46 anos.
Situado a 205 Km de Ipatinga, 30% do Parnacaparaó ficam no município de Alto Caparaó (MG). A outra parte pertence ao estado do Espírito Santo.
 
Wôlmer Ezequiel


JOSIAS GUIA CAPARAÓ

 
Ambos os lados são cercados por lavouras com monocultura do café de montanha, a base da economia daquela região. O atrativo mais popular da serra é o Pico da Bandeira, que se eleva a 2.892 metros acima do nível do mar.
No lado mineiro o parque possui duas áreas de acampamento. A Tronqueira, que fica a 1.940 metros acima do nível do mar. O acesso da portaria do parque até esse ponto é feito de carro.
A partir daí, sobe-se a pé, por trilhas, 3,7 quilômetros e chega-se ao Terreirão, a 2.370 metros do nível do mar. É o “acampamento base” de onde se parte para visitar o Pico da Bandeira, campos de altitude, vales, cachoeiras e o Pico do Cristal.
Até o Bandeira o visitante precisa caminhar mais 3,2 km. Os guias entram em cena para ajudar os visitantes a chegar e voltar com segurança.
 
Alex Ferreira


FLOR PICO BAND
Entrevista

Josias Vieira atua na profissão há 25 anos. Desde criança já desbravava a perigosa e exuberante montanha. Em entrevista ao DIÁRIO DO AÇO, Josias contou os truques para uma subida segura, história de gente que já morreu no lugar e de onde tira energia para exercer o ofício. Josias nasceu nas montanhas que cercam o Pico da Bandeira, na região de Alto Caparaó.
“Naquela época o lugar era tomado por donos de gado. Meu pai era um deles. Nasci ali, um pouco pra cima da portaria”, contou Josias.
Mortes
Josias Vieira relata que antes da área do Parque ser desapropriada para administração do governo federal, muita gente morria por lá. “As pessoas ficavam perdidas porque o Parque não tinha contorno. Morriam de frio, principalmente. Quando eu tinha 12 anos teve o caso de seis cariocas que subiram o pico, mas um acabou se perdendo por causa da serração. Depois de 18 dias ele foi encontrado morto, abraçado a uma árvore. Morreu congelado”, revelou Josias.
O guia lembrou também do caso de um avião que caiu acima da portaria pelo lado capixaba, nos anos 70. “Uma família inteira morreu de frio e de fome. Quando encontraram o avião o filho estava no colo da mãe. Eles não se machucaram”, comentou o guia.
 
Por causa da altitude, o frio no alto da Serra do Caparaó, mesmo no verão, fica em torno de 5 graus centígrados. No inverno pode cair a -5 ºC, quando nascentes e os lados nos campos de altitude viram gelo. O gelo natural, em pleno País tropical é outro atrativo do lugar.
Segurança
Alex Ferreira


ABRIGO

Mas a história dos acidentes pertence ao passado. Segundo Josias Vieira, hoje quando o visitante chega ao Paranacaparaó preenche uma ficha para entrar.
“No final do dia as fichas são conferidas. Se tiver faltando alguma, a portaria nos aciona. O pico é perigoso porque tem trechos muitos iguais. O visitante deve prestar muito a atenção nas referências, se estiver sozinho”, completou Josias.
Por isso, é muito importante o acompanhamento de um guia, principalmente para iniciantes. O passeio durante o dia custa R$ 70, independente do tamanho do grupo.
Previsão climática
Ao ser perguntado se já esteve em apuros na serra, Josias afirma categoricamente: “Nunca passei aperto porque eu sei trabalhar”. O guia refere-se à importância de saber “ler” os sinais da montanha para garantir a segurança.
“Principalmente no verão. Se armar chuva, no Terreirão, pela madrugada, vou em todas as barracas e cancelo passeio, por segurança”, falou Josias.
 
Se Josias disser que vai chover, de fato chove. Para prever o tempo, o guia usa como base a água e o vento. “Pela água que eu beber eu te falo como será o tempo. O vento também me traz informações muito boas. Estamos muito próximos ao mar. Se o vento estiver no sentido para o mar, pode passear porque não tem chuva. Se tiver do mar pra montanha vai chover”, revelou Josias.
 
Alex Ferreira


CRISTAL
Dicas
Josias Vieira diz que os acidentes mais comuns durante a trilha são torções do pé. “Acontece muito quando a pessoas andam olhando para a paisagem, achando que estão de carro e torcem o pé”, frisou.
De acordo com ele, em média o tempo de caminhada do acampamento Tronqueira até o Pico é de quatro horas. Isso depende do condicionamento físico do visitante. “O importante é parar a cada hora para descansar um pouco e tomar água”, orientou.
Dieta curiosa
O “combustível” que garante energia a Josias é cigarro de palha e pão com salame, por mais curioso que seja.
“Da Tronqueira até o pico, sozinho, gasto 2 horas subindo e 1 hora e meia descendo. Eu ando muito. Sempre levo pão com salame. Como em média doze pães ao longo do dia. Muitos médicos que eu guio ficam impressionados com meu condicionamento e dieta”, observou Josias.
 
Apesar de subir a serra por 25 anos, Josias Vieira garante que cada vez que sobe vê uma paisagem diferente. “O pôr do sol, os sinais no céu, tudo é único. Sempre me emociono porque não vejo a mesma coisa todos os dias”, destacou o guia.
Apaixonado pelo parque, Josias Vieira acredita que a estruturação da reserva foi muito benéfica. “Porque nosso lugar era pobre e o parque nos enriqueceu. Gerou muitos empregos. Na minha opinião, o turismo é mais promissor do que o café”, opinou Josias. 

 

Lembranças da guerrilha 
Alex Ferreira


ABRIGO

Três anos após o nascimento de Josias Vieira, Alto Caparaó era palco de um episódio histórico, mas pouco conhecido, a Guerrilha do Caparaó.
Um grupo guerrilheiro ocupou partes da Serra do Caparaó em meados de 1966. Foi um dos primeiros movimentos de resistência armada à ditadura militar.
O objetivo era arregimentar tropas e lançar uma luta armada contra os militares, mas o movimento fracassou. Os guerrilheiros foram presos pela Polícia Militar de Manhuaçu, município vizinho.
O fato virou um documentário intitulado “Caparaó”, de Flávio Frederico. O longa foi premiado no renomado festival “É Tudo Verdade”, em 2006.
 
Josias participou das gravações como coadjuvante, ao fazer uma fogueira durante uma das entrevistas, com os oito guerrilheiros ainda vivos.
“O pessoal até falou depois que tenho cara de guerrilheiro e que na época eles me chamariam para a guerrilha”, brincou Josias. No fim da produção, o guia acabou saindo no filme como guerrilheiro.
Para Josias, os guerrilheiros só foram encontrados pela polícia e presos por causa do medo dos moradores locais. “De repente, começou a aparecer aqueles homens cabeludos, comprando remédio e comida. O povo assustou e chamou a polícia”, concluiu Josias.  
Alex Ferreira


POR DO SOL
     
Alex Ferreira


GELO

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