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25 de setembro, de 2015 | 20:00

Entre o cárcere e a recuperação: os presídios de Campo Grande

O diretor João Bosco mostrava as imediações do Presídio de Segurança Máxima Jair Ferreira, em um corredor onde transitavam agentes com molhos de chaves nas mãos, e detentos. Alguns dos internos trabalhavam em reparações na própria estrutura do local.



Lá fora, em meio ao sol quente daquela manhã, uma cena chamou a atenção. Enquanto alguns presos estavam em fila, em um corredor, aparentemente em algum banho de sol, em frente a eles se estendia uma estrutura que parecia uma enorme gaiola de ferro. Anexa, do lado de fora, à alguma cela lá dentro. Nela um homem, sozinho, sem camiseta e agachado, encarava os outros a sua frente.



Entre o cárcere e a recuperação: os presídios de Campo Grande é a terceira matéria da série “Da margem às grades”.



Presídio de Segurança Máxima Jair Ferreira

Ninguém tem dúvida de que o sistema carcerário brasileiro é um dos calos sociais do país. Superlotação e denúncias já são marcas decorrentes. Só em 2014, a população carcerária brasileira chegou a 607.731 pessoas, de acordo com o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça.

É a quarta maior do planeta. Só perde para os Estados Unidos, China e Rússia. Desde 2000, a população prisional cresce, em média, 7% ao ano, um aumento de 161%. Valor dez vezes maior que o crescimento do total da população brasileira.

O presídio de segurança máxima Jair Ferreira em Campo Grande, não é diferente. Com capacidade para pouco mais de 600 presos, no mês de agosto o número de internos era de 2.300, número que mais do que duplicou apenas na transição de 2014 para 2015.

“A maioria é tráfico ou assalto, depois vem homicídio, e o próprio roubo né”, conta o diretor do presídio, João Bosco. Assim como as Uneis (Unidades Educacionais de Internação), o presídio tem na sua superlotação um único motivo: tráfico de drogas.


Presídio feminino Irmã Irma Zorzi

Diferente do presídio masculino, o presídio Irma Zorzi possui uma logística de administração mais fácil. Assim como na Unei Estrela do Amanhã, de meninas que cumprem medidas socioeducativas, quando o assunto é sistema carcerário, as mulheres ainda são um número inferior ao dos homens, mas essa situação tem mudado. A população carcerária feminina cresce duas vezes mais que a masculina, padrão notado desde 2005.

Da capacidade de 231 internas do Irma Zorzi, o tráfico promove uma variação diária, que pode oscilar de mais de 200 internas até mais de 300. Mas esses números não impedem a aparência de calmaria do local. Desde o jardim com pedras e ornamentos na parte administrativa, até as salas de aula, salões de beleza e aula de jazz.

“O presídio vive em movimento. Nós temos aqui muitos cursos profissionalizantes, inclusive, quinta-feira que vem, 59 internas foram capacitadas entre os cursos de vendedor, manicure e pedicure e maquiador profissional. Então na semana que vem vão ser entregues 03 certificados para essas 59 internas. Há 15 dias efetuamos entregas de certificados pra 25 internas de curso de crochê em vestuário.”

As mulheres também trabalham para remissão de pena ou remuneração de ¾ do salário mínimo. São atividades na cozinha, empacotamento de velas, montagem de caixas e confecções. Todas as empresas são terceirizadas e empregam 170 mulheres. Além do trabalho e dos cursos, a Escola Estadual Polo Profª Regina Lucia Anffe Nunes Betine atende 142 alunas do presídio, em 4 salas de aula. A equipe de saúde também compreende desde técnicos, médicos e enfermeiros até dentistas.

O presídio tem bom funcionamento, mas ainda assim, funcionários reclamam do número irrisório de agentes. Houve um dia, por exemplo, que somente 07 agentes estavam trabalhando para cuidar de 390 internas.

Apesar do número crescente, o sistema carcerário ainda continua mais duro para as mulheres. “Assim, de 100% da massa carcerária daqui do presídio onde eu me encontro, 90% foi sim aliciada por homens, entendeu, por pessoas que estão presas”. Flávia Ângelo está presa por tráfico, e explica que a maioria das mulheres é apresentada ao tráfico pelos companheiros.

“O que presta tem como você aprender também. Só que o que uma adolescente pensa? Se já está no erro lá fora, se não tem estrutura familiar, vai chegar aonde já tem formado o crime, vai ficar pior do que já está. Vai ficar mil vezes pior”. É o que Flávia pensa sobre a redução da maioridade penal.


A saga das mães

O ambiente calmo e iluminado do presídio, ganha um ar melancólico quando se abre a porta do berçário. Sentadas em colchões, mulheres olhavam para cima com expressões resignadas segurando bebês de colo nos braços. As jornadas das mulheres nos presídios, assim como fora deles, são duplamente difíceis por conta das bases culturais machistas.

As mulheres que têm filhos na prisão sofrem ainda mais. Ficam em alojamentos separados enquanto estiverem com os filhos, mas só podem ficar com os bebês até os 06 meses de idade.

Com um sistema judiciário ainda baseado na condenação moral da mulher, muitas vezes a prisão pelo tráfico, maioria nas prisões brasileiras, condena a mulher duas vezes. O estigma que é deixado pela prisão, faz com que essas mulheres corram o risco de perder a guarda dos filhos, além do abandono dos companheiros, que na maioria das vezes não as visitam na prisão.

Nas celas, olhares tentavam captar o que acontecia lá fora por meio da pequena abertura nas portas de ferro maciço. Talvez alguma mãe estivesse ali. Lembrando um bebê que cresce longe dela. Pensando no peso moral de ser uma “mãe do cárcere”.


Os presídios e a alimentação terceirizada

Não é de hoje que o sistema de alimentação terceirizada é alvo de críticas. De trabalho escravo até a péssima qualidade da comida, presídios de todo o país são investigados.

O presídio de segurança máxima tem um contrato R$ 8.614.469,52 com a empresa Real Food, com validade até 28 de dezembro. A empresa é investigada pelo Ministério Público Estadual pela qualidade da comida e pelos contratos firmados com a Prefeitura Municipal. A Real Food servia os funcionários e até larvas já foram encontradas na comida. Mas parece não chamar a atenção quando se trata da alimentação dos presos.


Além da Real Food, a Health, que servia comida de má qualidade nas Unidades Educacionais de Internação (Uneis), é a empresa que atua no presídio feminino utilizando trabalho das presas.


O peso da punição

O sistema punitivo não é neutro. Assim como no sistema socioeducativo, a população carcerária tem cor, classe e gênero. O número de pessoas negras presas é de 67%. Além disso, mais da metade deles (53%) não completou o ensino fundamental.

A presidenta Dilma Roussef sancionou no dia 10, com veto, mudanças na Lei de Execução Penal para instituir o ensino médio nas penitenciárias. O que se espera é que a determinação mude a realidade dos números, já que somente 10,7% dos presos brasileiros estão incluídos em atividades educacionais.

O peso do martelo punitivo da sociedade, que pressiona o sistema penal e carcerário, parece não render resultados. Seja o tráfico que parece vencer a construção de novos presídios, ou a ideia de que o preso tem que trabalhar de graça e não receber nenhum tipo de estímulo educacional, o que os números mostram é um Brasil que não só falha no combate a violência, como é campeão em produzi-la.
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