20 de julho, de 2014 | 00:00
ECA ainda gera divergências, 24 anos depois de entrar em vigor
Distorção e ausência de políticas públicas dificultam entendimento e cumprimento da lei
IPATINGA No mês em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 24 anos, o momento é de reflexão. Apesar das conquistas alcançadas nos últimos tempos, o mestre em Direito pela Universidade de Lisboa e doutorando em Direito, Daniel Veiga Ayres Pimenta, aponta a necessidade de se refletir a forma de aplicar a lei e a maneira de se olhar para o menor, desde criança até o adolescente. O estatuto foi instituído em 13 de julho de 1990, por meio da lei 8.069.
Daniel Ayres observa que, para poder entender o que é necessário mudar, é preciso que se entenda a evolução ocorrida até os dias de hoje, uma situação em que era melhor segregar que agregar. Tínhamos uma visão de que era melhor retirar aquele menor que trazia problema, do que tentar reeduca-lo e reinseri-lo para que fizesse parte da sociedade. Essa visão foi alterada a partir da constituição de 1988 e com a edição do ECA, em 1990”, aponta.
A partir de então, pontua o professor de Direito Penal e Processo Civil, passamos a ter uma ideia de proteção integral ao menor e vê-lo como um indivíduo com direitos. As leis garantem ao menor proteção e atribui obrigações à sociedade e a família. O advogado acrescenta que, em sua opinião, o problema maior atualmente está na ausência de políticas públicas que efetivem o que a lei trata. Porque, na prática, ainda há a ideia de que é melhor segregar que agregar, do que tentar reeducar.
O professor acredita que a sociedade se esquece de que as crianças são o futuro e para ter um país melhor, um cidadão melhor, é necessário ter uma criança que seja respeitada e educada da forma correta. O que mais me incomoda na questão da criança e do adolescente é, sobretudo, a questão de políticas públicas e uma visão social de que o menor acaba sendo uma propriedade dos pais e essa visão é extirpada da nossa lei, a nossa lei não pensa assim”, destaca.
Questionado sobre o conhecimento que a sociedade tem sobre o ECA, Daniel acredita que as pessoas sabem que existe um estatuto que protege a criança e o adolescente, mas tem um olhar um pouco distorcido do que é o estatuto. Quando as pessoas falam sobre o menor, as conversas caminham para o mesmo lado, que o menor pode fazer o que quiser que não vai ser punido.
A visão que se tem é que o menor não pode sofrer sanção. E o principal problema, afirma, é que as pessoas veem o ECA como um sistema de passar a mão” na cabeça do menor, uma forma de autoriza-lo a fazer o que bem entender. Quando na verdade é o contrario: a ideia é garantir direitos, mas, se necessário, atribuir obrigações, a questão é fazer com que a sociedade e a família passem a participar da criação daquela criança e adolescente da formação pessoal dele, que é nesse período em que está em formação”, avalia.
Políticas
Daniel Ayres observa que no sistema penal existem os inimputáveis, que não poderiam sofrer as punições da forma que a legislação penal estabelece, por exemplo, o menor de idade. Um menor não poderia responder a uma ação criminal pelo cometimento de um crime de homicídio, mas pode responder a um procedimento de apuração de ato, análogo ao crime de homicídio.
Existe a sanção penal, que pode ser a prisão, a pena de restrição de direito ou a pena de multa. O menor não vai sofrer essas punições, mas pode se enquadrar naquilo que o ECA estabelece como medidas socioeducativas: a internação, o acompanhamento. Entretanto, é comum ver em noticiários policiais um menor de idade dizer que nada o acontecerá por não ter 18 anos.
Para que se possa aplicar uma medida socioeducativa de internação, por exemplo, é necessário que exista um instituto capaz de receber aquele menor, que não pode ir para uma cadeia pública. Tenho que colocá-lo num local separado e que tenha aquilo que é necessário para sua ressocialização. E aí que está o grande problema, o estado investe pouco nisso. Ipatinga só agora inaugurou um Centro Socioeducativo”, recorda.
No aniversário do ECA, o advogado relata ter um sentimento duplo sobre a situação do menor e do adolescente. É necessário comemorar a evolução na forma de se pensar a educação das crianças, e de como garantir seus direitos. Em contrapartida, o direito tem que ser um reflexo da evolução social e que a acompanhasse. O principal seria que, ao resguardar direitos, pudesse acompanhar as políticas públicas e isso nem sempre é possível.
Para o advogado, é comemorável a garantia dos direitos às crianças para que haja uma sociedade melhor, mas pondera: Temos que rever a forma de investir para que tudo que a lei estabelece ocorra. Não acho que temos de lamentar, mas também não dá pra dizer que está tudo bem. Porque não está. Se olhar a Constituição Federal ela transfere a responsabilidade para a sociedade e para a família. Não é só pai e a mãe, é a sociedade como um todo”, conclui Daniel Ayres.
Falta entendimento sobre o estatuto
Presidente do Conselho Tutelar de Timóteo, Diva Martins Gonçalves avalia que não há um entendimento da sociedade e da comunidade sobre o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente nos direitos e deveres. Muitos só veem os direitos. E falta estudo sobre o ECA, principalmente por parte daqueles que trabalham diretamente, como educadores nas salas de aula”, pontuou.
Para Diva Gonçalves, falta entendimento sobre o papel do Conselho Tutelar, que atende em casos quando os direitos são violados, zelando para que seja cumprido o preconiza o ECA. Ela acrescenta que a maior demanda hoje está ligada a agressão física, psicológica e denúncias de evasão escolar ligada ao uso de drogas. De um modo geral, acredito que esse cenário só vai ser melhor no dia em que houver entendimento do que o ECA e o Conselho representam. Aí teremos melhorias”, avaliou.
Já a presidente do Conselho Tutelar de Coronel Fabriciano, Kátia Regina Montovani observa que o Brasil avançou significativamente quanto à promoção e proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, mas ainda há muito a avançar. O conselho Tutelar de Coronel Fabriciano é um órgão do sistema de garantia de direitos, dentre suas atribuições está o compromisso de zelar pelo direito de crianças e adolescentes.
O conselho está vinculado administrativamente à Secretaria Municipal de Assistência Social, Ministério Público e Polícia Militar. Outra parte importante nesse sistema é a participação da sociedade, quando os mesmos têm a atitude de denunciar um fato, onde a criança ou adolescente estão em situação de risco, cabendo assim a atuação do Conselho Tutelar. Mas uma grande dificuldade enfrentada atualmente em nosso município é a inexistência de uma Vara específica que atenda a infância e juventude”, relata Kátia Regina Montovani.
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