02 de fevereiro, de 2014 | 00:00

Os efeitos do trabalho noturno no organismo

Profissionais que trabalham em sistema de turno ou plantão pagam um preço alto pela falta de adaptação


IPATINGA – Os efeitos do trabalho noturno no organismo atingem diretamente o dia a dia do ser humano. Uma pesquisa da Universidade de Surrey, na Grã-Bretanha, descobriu que as implicações de uma jornada noturna no corpo são muito mais complexas do que se imaginava. De acordo com o estudo, trabalhar à noite e adiar o sono altera a atividade de grande parte dos genes responsáveis por regular o relógio biológico. 
Em Ipatinga, o médico psiquiatra, José Mól, fala sobre as alterações sentidas pelo trabalhador que trabalha no período noturno.

O especialista observa que nós, seres humanos, fomos feitos para dormir com a escuridão e acordar com a claridade, isso há milhares de anos, fato pelo qual não temos visão noturna. Depois da invenção da lâmpada elétrica o cérebro está “confuso” e não sabe diferenciar a luz artificial da luz solar. “Se estiver à noite vendo a televisão ou então mexendo no computador, estará dizendo ao seu cérebro que ainda é dia e não fabricará o hormônio do sono, que é a melatonina”, explica. 

José Mól destaca que as pessoas que trabalham em sistema de turno ou plantão, pagam um preço alto pela falta de adaptação, pois estivemos, por milhares de anos, dormindo com o escuro, acordando com o sol, o que agora não é regra para todos. “O ato de trabalhar durante a noite e dormir durante o dia é uma questão de o organismo ir se readaptando. Se fosse direto e o individuo trabalhasse toda a noite e dormisse todo o dia, seria mais fácil, o problema é que o sistema de turnos é rotativo e isso impede que organismo se adapte minimamente”, avalia.

No estudo da universidade da Grã-Bretanha, os pesquisadores selecionaram 22 pessoas que trabalhavam e dormiam em horários comuns e fizeram com que elas os invertessem, passando a dormir de dia e a ficar acordadas no período noturno. Os autores do estudo recolheram, no início e no fim da pesquisa, amostras de sangue dos participantes para estudar a atividade de seus genes. Os exames de sangue mostraram que, em horários normais de sono, cerca de 6% dos genes de uma pessoa são precisamente cronometrados para serem mais ou menos ativos em determinadas horas do dia. No entanto, quando os participantes passaram a dormir de dia e trabalhar à noite, esse ajuste preciso foi observado em apenas 1% dos genes. Tanto genes que costumam se expressar de dia quanto os que têm o pico de atividade à noite foram desregulados.

Ex-funcionário de uma empresa da região, Marcelo, que prefere não divulgar o sobrenome, relata que teve de deixar o emprego por problemas pessoais, resultantes do horário de trabalho. Pai de duas meninas, ele explica que, além de não ter acompanhado o crescimento da filha mais nova, as brigas com sua mulher eram constantes, em razão da ausência em encontros familiares ou mesmo o dia a dia do casal. “Isso tudo fez com que meu corpo sentisse o impacto. Passei a dormir mal, isso quando dormia. No dia seguinte não rendia direito no trabalho, porque estava cansado, o que aumentava a tensão também na minha casa. Conversei com minha esposa e resolvi trocar aquele emprego por um cargo de vendas, em que recebo um pouco menos, mas tenho menos problemas de saúde”, declarou.

Efeitos
O profissional que trabalha à noite e dorme durante o dia em uma cidade quente como Ipatinga e não tem dinheiro pra colocar ar-condicionado em sua casa, enfrenta os efeitos do turno. José Mól observa que quem tem a opção do ar refrigerado e também do blecaute na janela, consegue enganar o organismo e descansar, mas e os que não têm e moram numa casa pequena com muito barulho e filho pequeno, passam por momentos difíceis. “Isso vira uma neurose, é comum eu atender aqui no consultório famílias estressadas porque o pai chega de manhã tem que dormir e o filho quer brincar. A família toda dormiu a noite e estão querendo conversar, mas não podem fazer barulho porque o pai está dormindo, e em alguns lares sobra até ‘pancada’ para calar a boca”, relatou.

Questionado sobre o que as pessoas perdem com o turno, o médico elenca alguns pontos entre eles a produção hormonal e de substâncias, envelhecimento mais rápido das células, desregulação do sistema de pressão e cardiorrespiratório, além da parte social, uma vez que o trabalhador não pode ir às festas porque tem que trabalhar de madrugada. “Eles perdem no dia seguinte também, porque estão mais sujeitos a cometer erros, falhar, ter sonolência, e sofrer acidentes de trânsito e de toda espécie”, exemplifica.

José Mól explica que, com o trabalho noturno, há uma desregulação dos relógios biológicos, porque o organismo tem tudo bem controlado e vários hormônios são produzidos em determinados horários. Ele explica que as pessoas podem se acostumar com essa desregulação, mas não de forma perfeita. O médico psiquiatra acrescenta que existem dois tipos de pessoas em relação à questão de sono: os matutinos e os vespertinos. Matutinos são aquelas que gostam de levantar cedo e o vespertino gosta de acordar tarde e dormir tarde. “Para o turno, o ideal seria que se escolhesse as pessoas vespertinas, que se adaptariam melhor, se fosse possível num sistema de seleção fazer essa escolha”, destacou.

Dicas
Conforme o médico, a melhor opção para todo mundo que quer dormir bem é ter um quarto silencioso, escuro, com a temperatura adequada, além de desligar o celular. “Fazer um quarto isolado acusticamente seria bom, mas custa dinheiro. Então a pessoa pode usar um tampão nos ouvidos e máscara nos olhos, além de um bom ventilador, se não tiver condições de ter ar-condicionado. Se conseguir algum tempo, atividades físicas também ajudam, além de evitar o café próximo ao horário de dormir, pois, para dormir bem, precisarmos estar cansados, sem estimulantes, sem luz, ruídos e em uma temperatura boa”, concluiu José Mól.

 
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