25 de outubro, de 2009 | 00:00

Revisão de decisão judicial

Justiça restitui a mecânico residência penhorada indevidamente em ação trabalhista

Alex Ferreira


Maria Inez, Airton José e um dos netos, aliviados com sentença que lhes restituiu a residência
IPATINGA – Uma “Ação de Nulidade de Atos Jurídicos” foi o caminho encontrado pelo advogado Mauro Lúcio dos Santos, da MBM Advogados e professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Ipatinga (Fadipa), para reaver o patrimônio perdido pela família do mecânico Airton José da Silva, 73 anos, e Maria Inez Ribeiro da Silva, de 68. Em sentença do dia 19 passado, a juíza da 3ª Vara do Trabalho em Coronel Fabriciano, Maritza Eliane Isidoro, ao reconhecer a nulidade da penhora e da venda judicial da residência do casal, suspendeu a ordem de despejo já expedida. O imóvel havia sido penhorado indevidamente por causa de uma dívida trabalhista e a família estava ameaçada de ficar na rua.Proprietário da extinta Mecânica Airton, na entrada da avenida Brasil, no bairro Iguaçu, o mecânico viveu dez anos de angústia por causa de uma ação trabalhista mal resolvida. Tudo começou, conforme o DIÁRIO DO AÇO já divulgou, em um processo aberto em 1999 por um ex-empregado de Airton, o lanterneiro José Amélio de Oliveira. O processo arrastou-se na Justiça por uma década e, entre situações negligenciadas e má-fé, associadas a uma análise crua da legislação em vigor sem a devida defesa, inicialmente levou à penhora de todo o ferramental da oficina, em 2000. Nessa época, a dívida inicial de R$ 5 mil chegava a R$ 32 mil. Sem meios para trabalhar, a situação do mecânico entrou em um processo de declínio impossível de ser detido. A Justiça do Trabalho alegou que a venda das ferramentas não foi suficiente para cobrir a indenização. Nos quatro anos seguintes, numa sucessão de erros, os dois imóveis da família, o comercial, na avenida Brasil, e o residencial, na rua Tupinambás, foram penhorados e vendidos a preços considerados irrisórios em relação aos valores de mercado. O imóvel comercial foi avaliado pelo técnico judiciário em R$ 100 mil, quando em valores da época já chegaria a R$ 500 mil. Por mais de dois anos, os valores dos imóveis não foram atualizados pela Justiça, que ignorou a valorização dos bens. No leilão, o imóvel comercial foi arrematado por Benício Machado de Faria e Elizabete da Silva Souza. Já o imóvel da rua Tupinambás, avaliado em R$ 130 mil, mas cujo valor real de mercado poderia passar de R$ 400 mil, foi arrematado por Heliane Batista Pereira e Paulo Sérgio Batista Pereira. Os quatro arrematantes pagaram, no total, R$ 147 mil pelos dois imóveis.       Em audiência no dia 19 de outubro passado a juíza do Trabalho, Maritza Eliane Isidoro, acatou as argumentações do advogado Mauro Lúcio dos Santos, segundo as quais o imóvel residencial era impenhorável, conforme reza a Lei 8.009/90, por se tratar de um bem de família. Já em relação ao imóvel comercial, a juíza entendeu que a autora da Ação Anulatória, Maria Inez Ribeiro da Silva, não tinha legitimidade para pedir a anulação da penhora, porque o imóvel estava em nome da extinta Mecânica Airton. Dessa decisão, no entanto, cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho, em Belo Horizonte. O alívio que demorou dez anosCom a sentença que lhe restitui a casa da família em mãos, o mecânico Airton José da Silva afirma que seu coração agora bate mais aliviado. “É uma decisão que levanta a autoestima. Agora a gente já tem uma perspectiva de vida”, comemora Airton, que admite não ter noção que era tão querido. Segundo o mecânico, foi uma grande surpresa, após a divulgação do seu caso pelo jornal, quando passou a ser procurado por muitas pessoas, com mensagens de estímulo e de fé. Também emocionada, Maria Inez lembra que, quando recebeu a reportagem do DIÁRIO DO AÇO em sua casa, em maio passado, tinha colocado tudo nas mãos de Deus. Naquele dia, ela estava às voltas com a preparação da mudança para a casa de parentes, que abrigariam a família. Além de Airton e Maria Inez, moram na casa uma filha, três netos e um filho.“Agradeço a todas as pessoas que nos procuraram. Não há como recompensar a generosidade delas. Ao advogado Jaime Rezende, que estimulou o jornal a escrever sobre o caso, ao meu irmão Ilton e aos sobrinhos, ao advogado José Edélcio e agora ao Mauro Lúcio, que dedicou seu tempo e conhecimento na causa, sem receber nada em troca. Certa vez, o Dr. Mauro nos disse que a recompensa dele seria nos ver recebendo de volta as chaves da casa, o que já se concretiza”, afirma Airton José. Desfecho inusitado em caso complexoA juíza que, em 1999, julgou a ação trabalhista de José Amélio contra a Mecânica Airton, Maritza Eliane Isidoro, foi a mesma a revisar o caso, que depois de sua primeira sentença passou pelas mãos de vários outros magistrados do Trabalho. A juíza foi designada para outras comarcas e, ao retornar recentemente a Coronel Fabriciano, encontrou novamente o caso no qual já tinha atuado. Na sentença do dia 19 de outubro passado, Maritza Eliane Isidoro destacou a “falta de cautela e o equívoco na condução do processo”. Na sentença, a juíza afirma ser obrigatório reconhecer que a justiça não se faz a “ferro e fogo”, mas com humildade e coragem suficientes para sanar falhas, que muitas vezes até o julgador comete, pois todo ser humano é passível de errar.Maritza também destaca que o processo do Trabalho tem como principal objetivo a solução dos desentendimentos entre patrões e empregados. Neste caso, entende como solucionado a questão, haja vista que o lanterneiro que processou o patrão recebeu sua indenização, sem que fossem utilizados recursos das arrematações. A juíza também observa que os arrematantes assumem riscos de demoras em razão de recursos e até do insucesso das arrematações. A juíza admitiu a falta de necessidade de penhora do imóvel residencial e acolheu a tese da impenhorabilidade do bem familiar. “...a primeira falha ocorrida no processo principal, portanto, foi a determinação de praceamento simultâneo de dois bens, quando apenas um já era suficiente à solução do processo, integralmente”, escreveu a juíza.
Wôlmer Ezequiel


Mauro Lúcio: petição com 110 páginas para provar que Justiça do Trabalho errou
Justiça errou e admitiuSucessão de erros foi base para anulatória de penhora de imóveisO professor de Direito Trabalhista da Fadipa, Mauro Lúcio dos Santos, afirma que o caso do mecânico Airton José da Silva foi um dos mais comentados no âmbito jurídico nos últimos anos. O assunto virou tema de discussão inclusive no ambiente acadêmico de Direito. Segundo o advogado, quando foi procurado pela família, já tinha conhecimento do caso por meio da reportagem intitulada “Descuido com ação trabalhista leva mecânico à ruína” publicada pelo DIÁRIO DO AÇO em 6 de maio de 2009. O advogado relata que debruçou-se sobre o processo, um calhamaço com milhares de páginas acumuladas nos dez anos de tramitação e descobriu, aos poucos, a rede intrincada de erros do processo, sobre os quais formulou a Ação Anulatória. Ainda em maio passado o advogado ingressou na 3ª Vara do Trabalho, em Coronel Fabriciano, com a ação de nulidade de atos jurídicos. A petição inicial tem 110 páginas, em que o advogado fundamenta os argumentos para mostrar, entre outros erros, que a penhora dos bens imóveis do mecânico Airton, avaliados em mais de R$ 800 mil, foi ilegal. Soma-se a essa perda a penhora do ferramental da oficina, que custaria hoje mais de R$ 200 mil.Conforme Mauro Lúcio, não era preciso que os dois imóveis fossem penhorados. E, pior, a avaliação dos imóveis foi feita abaixo do valor de mercado, sem atualização nos três anos subsequentes. A venda judicial dos bens ocorreu sem a publicação de editais para o amplo conhecimento público. A julgar pelo ocorrido, apenas algumas pessoas ficaram sabendo e arremataram pelo mínimo da avaliação, que já era pífia: 60% do valor. Segundo o advogado, a Justiça também errou ao aceitar o “preço vil” dos imóveis. “Aqui verificamos outra falha judicial, porque nem os magistrados nem o oficial responsável se dispuseram em atualizar os preços, que já estavam subavaliados”, observa. QuitaçãoEm razão da complexidade do caso e seus vários recursos, o empregado que processava o patrão também não havia recebido a indenização trabalhista, embora os bens tenham sido arrematados para isso há quase cinco anos e tenham permitido arrecadação muito superior ao valor da dívida.Assim que entrou no caso, o advogado Mauro Lúcio pediu audiência e propôs acordo para pagamento da dívida ao lanterneiro, que recebeu, em agosto passado, a quantia de R$ 41 mil e deu o caso por encerrado. O valor foi arrecadado com terceiros, para o pagamento da dívida. “Foi dinheiro novo, que entrou no processo, empréstimo levantado pela própria família, que será restituído em outro momento, com recursos da venda do imóvel comercial”, explica o advogado. Mauro Lúcio explica que os valores retidos, referentes à arrematação da residência do casal, permanecerão em conta na Caixa Econômica Federal até a decisão do processo, quando deverão ser entregues devidamente corrigidos aos arrematantes. Já os valores pagos pela arrematação do imóvel comercial, caso não haja sucesso em recurso ao TRT, serão usados para o pagamento de dívidas criadas com a própria indenização de José Amélio, outras dívidas da extinta Mecânica e custas processuais. Alex FerreiraO que já foi publicado:Descuido com ação trabalhista leva mecânico à ruínaFamília permanece em imóvel leiloadoOAB promete investigar trabalho de advogados
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