22 de março, de 2009 | 00:00
FALA, PEÃO!
Presidente quer ouvir funcionários para aprimorar o jeito de ser” da Usiminas
IPATINGA A Usiminas está atenta ao mercado, certa de que a crise, apesar de derrubar sua produção em 50%, pode trazer também novas possibilidades de crescimento. Disposição para enfrentar esses tempos difíceis parece não faltar ao presidente da empresa, Marco Antônio Castello Branco. Nos últimos dias, o executivo cumpriu uma agenda extensa, que começou com o lançamento da nova marca Usiminas, em São Paulo, e passou pelo Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, para um encontro com o governador Aécio Neves, no qual acertou a mudança do futuro aeroporto da empresa para Belo Oriente.Fiel ao novo jeito de ser Usiminas” que ele próprio anunciou em um evento de repercussão nacional, Castello Branco recebeu jornalistas dos principais veículos de comunicação do Brasil e de agências estrangeiras para anunciar as perspectivas da Usiminas para o futuro. E não evitou nenhum tema levantado durante uma concorrida entrevista coletiva cujos principais trechos podem ser conferidos abaixo.Ao anunciar a nova marca e o novo jeito de ser” da Usiminas, o senhor disse que isso é parte de uma reestruturação profunda da empresa. Como será essa reestruturação? Isso inclui outros negócios no país, como a compra de novos ativos?Pode perguntar logo se nós vamos comprar a ArcelorMittal (risos)... Mas vamos falar primeiro sobre a reestruturação. Uma grande qualidade de uma organização é quando ela consegue se perceber como é, e trabalhar as dificuldades e as facilidades que possui. Todo grupo social tem problemas, desafios, e a Usiminas não é exceção. Só que nos propusemos a enfrentar as dificuldades, e reconhecê-las é o primeiro passo para superá-las. Por exemplo, temos feito um grande esforço para estimular o processo decisório dos gestores, formá-los como peças importantes nessa cadeia que faz uma organização funcionar. Temos também um grande esforço para fazer o operário se manifestar, se expor, se envolver, reivindicar e participar da construção do universo de ações da Usiminas. Lançamos um programa, o Reiventando”, e em pouco tempo recebemos12 mil sugestões, de funcionários de todos os níveis. Essa é uma proposta diferente. Estou convencido de que uma decisão não pode ser tomada só por uma cabeça. A direção dá os rumos, os sócios dão a direção e os horizontes que devemos atingir, mas é no dia-a-dia que isso se realiza. E para isso eu preciso envolver as pessoas, aprender a dizer não, da mesma forma que aprender a dizer sim. É um processo longo, difícil, cultural...Do ponto de vista dos negócios, estávamos em expansão acelerada, a toque de caixa, e conseguimos rever para fazer a Usiminas crescer como almejamos. Precisamos rever nossas estratégias. Não vamos parar, mas não podemos nos envolver numa aventura, fazer investimento sem ter visibilidade de recursos próprios ou de busca no mercado. Isso pode colocar em risco a organização.Temos muitas oportunidades, mas não sei como vão se manifestar. Não sabemos como será a reconfiguração da siderurgia mundial. Vamos sofrer reflexos do que acontecer lá fora, mas temos que estar preparados para novas oportunidades. (...) A crise é favorável à Usiminas. Éramos lanternas na corrida, mas com essa parada temos a oportunidade de acelerar e voltar a participar da corrida.Quanto à compra de novos ativos, posso dizer, francamente, que não existe nenhuma conversa sobre a aquisição da ArcelorMittal pela Usiminas. Nós temos um contrato de uso constante somos vizinhos na mina da J. Mendes (em Itatiaiuçu), estamos operando uma divisa mineral tênue e temos contatos todos os dias, mas só sobre esse trabalho.A Vale, sócia e parceira da Usiminas, sempre criticou a postura, digamos, conservadora da empresa. A mudança de marca é uma resposta à Vale, que sempre criticou a lentidão na tomada de decisões?A nova marca é uma resposta ao público interno e aos nossos parceiros e clientes. As críticas expressas pela Vale ganharam mais visibilidade porque vieram de Roger Agnelli (presidente da empresa), que tem credibilidade por ser um grande líder empresarial. Mas a essência da crítica e os atributos não são exclusivos de percepção da Vale. A nova marca é uma resposta para nós mesmos e para os nossos parceiros.Qual era a previsão dos investimentos da empresa antes da crise mundial e qual é agora, diante do difícil cenário internacional?A Usiminas construiu uma estratégia de investimentos focada na agregação de valor e na necessidade de ampliar a capacidade de produção. Nós operamos, durante cinco, seis anos, com 95% de nossa capacidade produtiva. Não agregava mais valor porque não tinha como produzir mais. Mas o mercado não vai ficar assim o resto da vida, vai voltar. Temos que pensar também na estratégia de financiamento. Tradicionalmente, os investimentos são feitos com 50% de geração própria de caixa e os outros 50% do mercado de dívidas. Parte dessas dívidas com entidades oficiais e outra com o mercado financeiro, que desapareceu. A realidade se impõe. Não adianta ficar lutando contra a realidade sem ter geração de caixa. Estamos operando hoje com 50% da nossa capacidade e, por outro lado, o mercado de dívidas também desapareceu ou ficou muito caro. Então, isso nos obriga a repensar os investimentos. Por isso nós decidimos priorizar: vamos terminar primeiro o que começamos: o laminador de tiras a quente da usina de Cubatão, estratégia fundamental para a posição da Usiminas no mercado de tiras a quente; vamos acabar também as obras de Unigal e estamos terminando a nova coqueria e a termelétrica em Ipatinga. Vamos fazer ainda a primeira fase da J. Mendes (mina em Itatiaiuçu, adquirida no ano passado) para chegar a 10,5 milhões de toneladas de minério em 2010. Para o grande salto da Usiminas para os próximos 50 anos, que é a nova unidade de placas em Santana do Paraíso, o que é fundamental? Essa revisão é natural, mas não podemos desconhecer a realidade, que se impõe. Estamos repensando como vamos estruturar esse projeto, que deve ser cuidadoso e dar sustentabilidade para o futuro. Mas isso não justifica o conservadorismo do passado.E os investimentos previstos?Algo em torno de R$ 4 bilhões em ativos: laminador, Unigal, reformas em andamento, bem menor do que estava previsto. O valor original era de Us$ 14 bilhões, anunciado em 2008, contemplando a mineração (aquisição das minas), e US$ 3,2 bilhões para expansão. Esse plano contempla ainda US$ 6,1 bilhões da usina de Santana do Paraíso, incluindo nova termelétrica, e os investimentos em Cubatão. A usina de Paraíso foi dividida em duas fases, mas não foi suficiente para garantir o orçamento. Estamos estudando em que momento e em que velocidade fazer esses investimentos. Ainda não temos previsão, não fizemos nenhuma contratação. Para ser viável no futuro, temos que usar o espaço do aeroporto atual, por isso estamos empenhados na liberação do aeroporto para a expansão da usina.Qual é o posicionamento atual da Usiminas nos mercados interno e externo?O mercado interno é o nosso maior ativo. A Usiminas está presente em 50% do mercado de aços planos, muito presente no setor de bens duráveis, automotivos, equipamentos, e tem participação significativa, mas aquém do que esperamos, na construção civil, que é a grande alternativa para superação da crise. Estamos estudando novas propostas, produtos para a habitação popular. O projeto do governo de investir na habitação popular pode ser a saída para as empresas de aços planos, e o mercado doméstico é o principal. A aquisição da Zamprogna, em Porto Alegre, tem exatamente esse objetivo, de aumentar a nossa presença em todo o país. Queremos fornecer produto de alto valor agregado, não só em produtos, mas serviços também.Com relação às exportações, a Usiminas reduziu muito a sua participação do mercado em 2008, porque estava focada no mercado interno. Atualmente, a demanda do mercado externo desabou. A demanda por aço caiu de forma significativa e, pela primeira vez, sentimos uma crise econômica simultânea nos mercados interno e externo. Antes, conseguíamos transferir para as exportações o que não conseguíamos vender internamente. Agora é diferente, não tem mercado para absorver a produção.Como a Usiminas está lidando com a concorrência chinesa?Num cenário de depressão, as importações são importantes (...), desde que haja equidade. A siderurgia nacional está sendo afetada pelas importações. O consumo aparente do Brasil caiu muito em janeiro e fevereiro, em torno de 40%, enquanto as importações cresceram 2,7%. Se o consumo cai e as importações crescem, temos que diminuir a produção. (...) O impacto será grande na siderurgia.A Usiminas é a favor do livre comércio. O Brasil está integrado à economia mundial, mas não podemos ser ingênuos. O comércio exige igualdade de competição, tem que usar regras adequadas, o que não acontece com a China. A China não tem câmbio flutuante, o que dá vantagem desmedida para a indústria chinesa, que é anticompetitiva. Isso é uma artificialidade que nos afeta. Precisamos ter prática leal de comércio, mercado aberto e saber nos defender, como os EUA defendem seus interesses. Somos favoráveis à distinção, não à proteção. O imposto poderia corrigir esses desvios de competitividade, essa artificialidade que impede a competitividade. Pagamos mais impostos, temos mais custos. Acho que vale a pena rever a política de importação. São escolhas políticas, cabe à Usiminas reivindicar o que acha pertinente.Dentro dessa readequação” à realidade do mercado, qual a perspectiva de demissões na empresa?Nada assusta mais o trabalhador que a perspectiva de desemprego. Nada é mais difícil de entender do que essa apologia ao terror, às demissões em massa. Estamos fazendo adequações. Temos dois altos-fornos parados em Ipatinga e um em Cubatão (SP), estamos operando com 50% da nossa capacidade. Não tenho receita econômica para sustentar isso. Vamos fazer de maneira o mais socialmente justa, com menos consequências, mas não é fácil. O desemprego é uma realidade. Contra isso, a Usiminas está fomentando o empreendedorismo. A Usiminas é uma grande compradora. Mesmo operando com apenas 50% de sua capacidade, continua comprando muito. (...) Temos que adequar o mercado, incentivar o empreendedorismo para aproveitar as sinergias. Vamos cadastrar fornecedores, assegurar mercado para que eles possam contratar parte da mão-de-obra imobilizada. O emprego que deixou de existir na Usiminas não é o mesmo que vai surgir em outra empresa, mas não estamos com os braços cruzados. Vamos fazer obras em Cubatão, e então estamos nos mobilizando para reaproveitar esse pessoal. Quem sair da empresa pode ir para a empreiteira, a mesma coisa na Unigal. Se não tivermos uma recuperação da produção vai haver uma redução do emprego na siderurgia brasileira. Estamos procurando fazer de forma mais pausada, de forma minorada.O cadastramento dos pequenos fornecedores começou há pouco tempo. O Vale do Aço produz couro, por exemplo, que é usado para materiais de segurança, luvas, aventais, botas; então, vamos promover isso. Queremos induzir o empreendedorismo. Vamos trabalhar com associativismo, tem muita coisa que pode ser feita. Vai haver o problema (do desemprego), sim, de uma maneira geral na indústria, mas vejo chances de tentarmos inovar.A saída da Vale do grupo de controle da Usiminas, com aumento da participação da Nipon, vai trazer mais alguma mudança?A Vale colocou suas ações do bloco de controle à venda e o direito de preferência está sendo exercido pela Nipon Steel e pela Votorantim-Camargo Corrêa. Os fundos de pensão e a Caixinha não quiseram. É um processo natural, de revisão da estratégia da Vale. Mas somos grandes parceiros, senão o maior cliente da Vale em termos de logística. Vamos continuar trabalhando juntos em Tubarão (ES), comprando minério de Itabira. Estamos desenvolvendo, junto com a Usiminas Mecânica, um grande projeto para propor, por exemplo, um vagão ferroviário mais eficiente. A matriz ferroviária brasileira é do século 19, o que temos de logística ferroviária ainda precisa se modernizar. Estamos estudando e buscando parcerias, fomos ao exterior para saber como a indústria ferroviária trabalha e vamos oferecer novos produtos para que a Vale transporte minério gastando menos óleo diesel e emitindo menos CO2.O sr. chegou a defender, logo após assumir a presidência da Usiminas, uma redução dos juros de 1,5 ponto. Essa redução veio agora. O sr. acha que chegou na hora certa ou chegou atrasada?Houve um descuido, pouca percepção da realidade pelo Banco Central. Precisamos de uma redução mais acentuada da taxa de juros, que veio tarde, e isso é um dos dificultadores para a indústria nacional. A taxa real de juros ainda está muito elevada. Precisamos chegar a uma taxa próxima a 9,5%. Por outro lado, essa crise está nos ajudando. Sem uma crise com essa profundidade, jamais poderíamos sonhar que, algum dia, teríamos uma taxa Selic de um dígito. O caminho vai mostrar que a prudência não pode ser confundida com inação. O Banco Central é tão prudente que chega a ser inativo como fomentador da economia.É possível fazer uma previsão de quando o mercado deverá voltar ao seu ritmo normal? Em que pé estão os projetos da usina de Santana do Paraíso e do novo aeroporto? É possível fixar alguma data para que esses projetos saiam do papel?Não sei quando a conjuntura vai se normalizar. Eu tinha a esperança de que seria no segundo trimestre, mas não será. Provavelmente no 4º trimestre, conforme a última análise que li. 2009 será um ano muito ruim, com uma queda considerável do consumo e da produção de aço no Brasil. Não tem data para o primeiro passo, porque hoje não existe ainda uma segurança que nos permita dar o primeiro passo. Nenhum projeto parou, mas não fizemos nenhuma contratação.Jakson Goulart
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