30 de janeiro, de 2009 | 00:00
Indústria da reciclagem ameaçada
Redução no consumo é apontada como a principal causa da crise no setor
Fotos: Alex Ferreira
Antônio: “Sem preços razoáveis, catadores desanimam com a atividade”
IPATINGA A metade do pessoal que até o ano passado trabalhava na Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Ipatinga (Ascari) já abandonou o trabalho. Atingidos pelos efeitos da crise financeira internacional, com a redução no consumo, os catadores viram despencar os preços da maioria dos produtos recolhidos nas ruas e no comércio.Na corrente da crise, sobrou para as entidades e empresas que prensam os recicláveis e repassam os materiais para a indústria de beneficiamento de plástico, papel, papelão, alumínio e outros materiais. Nas ruas de Ipatinga está o retrato da crise que atingiu o setor.O presidente da Ascari, Antônio Elias da Silva, confirmou que dos 40 catadores que faziam parte da entidade, atualmente apenas 20 estão no trabalho. A queda nos valores, explica o dirigente, passa de 50% na maioria dos recicláveis. Um catador que em épocas anteriores chegava a ganhar até R$ 800 por mês, hoje tem que trabalhar muito para conseguir levantar R$ 400.DesvalorizaçãoE a causa é a desvalorização dos materiais. O papel, que há um ano era vendido a R$ 0,30 o quilo, hoje vale R$ 0,15. O papel misto caiu de R$ 0,8 para R$ 0,5 o quilo. As garrafas pet já chegaram a valer R$ 1 o quilo, mas hoje as empresas pagam no máximo R$ 0,80. O preço do quilo da lata de alumínio, que ano passado chegou a R$ 4,20, hoje não passa de R$ 1,50. Um catador precisa juntar 80 latinhas para chegar a um quilo. Com esses preços, há um desestímulo a esse tipo de trabalho”, contabiliza Antônio Elias.Se não houver uma mudança no quadro econômico, o presidente da Ascari teme que a atividade de reciclagem ficará praticamente inviável. Tanto que, em Coronel Fabriciano, foram fechados nos últimos 30 dias pelo menos três galpões que trabalhavam com papel, papelão e plástico.
Nivaldo: “Pensei em parar com tudo, porque está inviável”
Efeitos desanimadoresHá dez anos no setor de reciclagem, Nivaldo Alvino Costa, da Sucateria Nobre, possui galpões nos bairros Cidade Nobre e Chácaras Madalena e gera 26 empregos diretos em Ipatinga. No seu entendimento, o mercado de reciclagem passa pela sua pior crise. Nesta segunda-feira (26), quando saí de casa para trabalhar, pensei seriamente em fechar, parar com tudo, porque está inviável”, reclamou.Como há alguns anos diversificava a atividade, com a separação e o processamento de variados tipos de plástico, a empresa de Nivaldo se mantém porque a crise na reciclagem de plástico é menor. As empresas cortaram, pela metade, as compras de papelão porque também houve redução no consumo. Sem demandas de embalagens, não há porque fabricar mais caixas. Sem isso, não há porque comprar papelão para reciclagem. Aqui está a origem de tudo”, explicou. No meio da crise, há quem não resista. Dono de um galpão onde trabalhava com o filho, Manoel de Souza Silva decidiu esta semana parar de comercializar o papelão. E conta que vendeu sua última carga, com 700 quilos de papelão, e concluiu que não vale mais a pena juntar o material. Vou continuar só com o ferro-velho, por enquanto”, adiantou.Preocupação Para Nivaldo Costa, a situação é preocupante porque se todas as empresas de reciclagem paralisassem suas atividades seria necessário aumentar em muito o efetivo do serviço público para retirar das ruas toneladas de papel, papelão e outros materiais.
Alberto: 4 mil toneladas de papelão à espera de clientes
À espera do fim da criseO empresário Alberto Costa Filho, o Tucha, da Sucateira Vale do Aço, também confirmou nunca ter visto uma crise tão grande desde que entrou no setor de reciclagem, há 26 anos. Com uma estimativa de 4 mil toneladas de papelão acumuladas nos depósitos, ele disse que tem investimentos consideráveis no ramo e, enquanto a crise não passa, não deixa de comprar as cargas de papelão que chegam todos os dias de várias cidades da região.Mas, com as atividades reduzidas, 11 de seus 42 funcionários estão de férias. A situação mais complicada mesmo é a dos catadores, que foram os mais atingidos diretamente. O resultado é que já começam a sobrar caixas de papelão e até latinhas de alumínio pelas ruas, pois o trabalho de recolhê-las não compensa”, avaliou.Alberto Costa disse que, a partir do início da crise, em outubro passado, toda a produção de celulose passou a ficar no Brasil. Então, no caso do papel branco, passou a ser mais negócio para as fábricas usar a celulose no lugar do papel reciclado”, argumentou. Já em relação ao papelão, a crise também é atribuída pelo empresário à redução do consumo. Empresas que antes encomendavam às fábricas 200 mil caixas/mês reduziram as encomendas para 50 mil”, justificou.Governo Lula promete ajuda de R$ 42 milhõesDA REDAÇÃO Na semana passada, representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) denunciaram em Brasília que a atividade foi sensivelmente prejudicada pela crise financeira internacional e que, se algo não for feito nos próximos 90 dias, muitos catadores migrarão para outras atividades informais, prejudicando as empresas compradoras desse tipo de material. Em Minas Gerais, segundo o coordenador regional do MNCR, Luiz Henrique da Silva, entre setembro e janeiro, o preço do quilo de papelão especial baixou de R$ 0,47 para R$ 0,12; o papelão fino, de R$ 0,37 para R$ 0,10; o jornal, de R$ 0,27 para R$ 0,08; o papel misturado, de R$ 0,15 para R$ 0,01; e o papel branco, de R$ 0,47 para R$ 0,30.O plástico também teve queda acentuada de preço em Minas, baixando de R$ 1 para R$ 0,60 o quilo. E o plástico de garrafas Pet, de R$ 1,20 para R$ 0,60. A situação, segundo ele, está insustentável nas capitais. E no interior está ainda pior, porque lá a atividade é mais forte em função da menor oportunidade de trabalho”, afirmou. De acordo com ele, 71% dos catadores ainda estão nos lixões. LiberaçãoO governo vai liberar R$ 42 milhões a fundo perdido aos catadores de material reciclável, categoria também atingida pela crise financeira mundial, conforme relato de fontes do Palácio do Planalto. Segundo os catadores, com a crise, as perdas ultrapassam os 60%. O dinheiro será usado para a compra de máquinas e construção de galpões e virá do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Ministério do Trabalho e Fundação Nacional de Saúde (Funasa).O que já foi publicado:
Alta do dólar atinge o comércio de recicláveisAlex Ferreira
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