29 de janeiro, de 2009 | 00:00
Em busca do respeito
Dia da Visibilidade dos Travestis” tem programação especial em Ipatinga
Paulo Sérgio de Oliveira
A “Casa da Renata”, no Veneza, abriga 15 travestis que aprendem um pouco da filosofia budista
IPATINGA Respeito. Essa é a grande reivindicação dos travestis, que, para lembrar a sociedade da sua presença, muitas vezes incômoda, celebram nesta quinta-feira o Dia a Visibilidade dos Travestis. A data foi instituída em 2004, quando o Ministério da Saúde lançou uma campanha de orientação aos municípios sobre respeito e inclusão social desses cidadãos. Desde então, todos os anos são realizadas ações em alusão à data. Hoje, pelos menos 37 cidades terão atividades. No Vale do Aço, a mobilização acontecerá em Ipatinga, a partir das 17h, na avenida Macapá, no bairro Veneza.Durante o encontro, a coordenadora do Programa DST-Aids da Prefeitura de Ipatinga, Ilrisnett de Souza Resende, ministrará uma palestra sobre saúde, direitos e deveres dos travestis. Em seguida será exibido um curta-metragem com a travesti Dalila, considerada uma das mais antigas na cidade. No encerramento, serão distribuídos preservativos e material informativo.O presidente do Movimento de Gays e Simpatizantes do Vale do Aço (MGS), Carlinhos Lopes, disse que a mobilização pretende dar um basta à transfobia”. Para falar sobre os avanços e desafios do cotidiano dessas pessoas, o DIÁRIO DO AÇO conversou ontem com quatro travestis, na Casa da Renata”, onde serão realizadas as atividades desta quinta-feira.Evolução Dalila é considerada uma referência para os travestis ipatinguenses. Aos 53 anos, ela comanda um salão de beleza e afirma que muita coisa melhorou na sua vida. Ela lembra que, até cerca de dez anos atrás, os travestis apanhavam diariamente nos pontos” da BR-381. Antes a gente não podia sair na rua que era agredido. Tinha uma Kombi que sempre chegava, cheia de homens, para nos bater com barras de ferro. Hoje elas pegam mamão com açúcar”, comparou Dalila.Travesti desde os 24 anos, Dalila é prendada. Aos 15 fui morar com um homem muito rico, onde aprendi a costurar, a cozinhar e a ser cabeleireira. Depois que ele morreu morei em um cortiço, onde tive prejuízo e fui para a rua”, contou, lembrando de quando começou a procurar clientes” na rodovia.Dalila defende que o poder público ajude os travestis gerando oportunidades de emprego e de estudo. Precisamos de qualificação para ganhar nosso sustento por conta própria. Se a sociedade reprime, você tem que mostrar que é mais capaz. Somos mais capazes do que homem e mulher. A nossa mente é mais rica, porque pensa duas vezes”, filosofa o veterano travesti.ReligiãoOutro nome de respeito no LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) é o de Renata, que acolhe travestis em sua casa no bairro Veneza, em Ipatinga. Atualmente existem 15 pessoas morando no local. Renata tenta orientar as amigas” utilizando fundamentos da filosofia budista. O budismo fala de mente ampla e convivência com as diferenças. Propago o budismo para quem quer melhorar”, resume.De acordo com Renata, as orientações da religião ajudam as pessoas a enfrentarem o preconceito. Temos que ter benevolência e perseverança, porque nossa opção não é bem aceita pela maioria. Mas quando você está bem consigo, o preconceito é isolado. A gente faz a história da gente”, conclui.EspaçoApesar das dificuldades, Adriana, 37, e Kethelen, 20, acreditam que os travestis conseguiram mais espaço na sociedade do Vale do Aço. Antes não tínhamos direito nem de sentar em um bar. E quando o dono de um estabelecimento me proibiu de ficar no lugar, eu o processei e ganhei a causa. Mas têm lugares que ainda não aceitam a gente. Pensam que somos bichos”, indigna-se Adriana.Fazer compras, uma tarefa rotineira para qualquer coisa, torna-se algo mais complicado quando se é travesti. Vamos a uma loja e não conseguimos abrir crediário porque não temos comprovante de renda. A gente trabalha, não estamos fazendo nada errado”, protesta Adriana.Kethelen é uma das que tem maior grau de escolaridade no grupo. Ela concluiu o Ensino Médio e abandonou os estudos no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), em Timóteo. Na escola, ela conseguiu o direito de frequentar o banheiro feminino com auxílio de advogado e assistente social. Tive respeito. Isso era inaceitável. Mas ainda é preciso melhorar. Arrumar emprego de carteira assinada, por exemplo, é praticamente impossível”, constata Kethelen.Movimento nacional contra o preconceitoJunto com a manifestação pelo Dia da Visibilidade dos Travestis”, será lançada nesta quinta-feira, em Ipatinga e mais 36 cidades, uma campanha de respeito aos travestis e transexuais voltada para as escolas públicas do País.A ação é da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). A luta ganhou mais força com a Portaria 016/2008, do governo do Piauí, que autoriza travestis e transexuais a utilizarem os nomes sociais no seu convívio escolar.Em Minas Gerais, o Conselho de Educação de Belo Horizonte já aprovou a mesma medida por unanimidade. Em Ipatinga, o Movimento de Gays e Simpatizantes (MGS) anunciou que encaminhará um ofício para a Secretaria Municipal de Educação e a Superintendência Regional de Ensino (SRE) solicitando a adaptação dessa Portaria.
Polliane Torres
Segundo Marilane de Cáscia, “o corpo é tudo” para os travestis
Cotidiano sob a ótica científicaA relação dos travestis com o próprio corpo foi objeto de pesquisa de mestrado da coordenadora do curso de Educação Física da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) de Ipatinga, Marilane de Cáscia Silva Santos, sob orientação do doutor em Ciência da Motricidade Humana, Ângelo Vargas.Com o título A Imagem e a Concepção Corporal dos Travestis da Cidade de Ipatinga-MG”, o trabalho de Marilane, de 168 páginas, investigou como essas pessoas cuidam do seu corpo, unindo embasamento teórico e 30 depoimentos.Marilane mergulhou no universo dos travestis, chegando a presenciar a negociação com alguns clientes. O trabalho acadêmico será defendido na Universidade Castelo Branco, no Rio de Janeiro, no dia 3 de março.Antes mesmo de defender a tese, Marilane já recebeu convites para fazer doutorado em Portugal, Espanha e Rio de Janeiro. A tese também vai se tornar livro, que será lançado no dia 22 de maio, no Congresso Internacional de Educação Física, em Timóteo.IntolerânciaNo livro, os leitores poderão ter acesso aos depoimentos dos travestis. Por meio das declarações, Marilane descobriu, por exemplo, que 80% dos entrevistados optaram em ser travestis por prazer, e não por trabalho. Outro dado observado por ela é que a maioria deles tem baixa escolaridade e não mora com os pais - apenas um deles reside com a família.A pergunta fundamental que norteou o trabalho da professora da Unipac foi: O que é o corpo para você?”. Cientificamente, detectamos que o corpo é tudo para eles. Eles fazem massagem, usam cremes caros e fazem dieta. Uma minoria faz atividade física. Através do corpo eles se mostram para o mundo”, contou Marilane.A maior reivindicação apontada pelos travestis é de ter direitos iguais aos heterossexuais. Outro ponto forte da pesquisa é a rejeição familiar. Eles saem de casa muito cedo para não magoar os pais. Em muitos depoimentos eles falam que nasceram assim, que se sentem mulheres. O que mais os incomoda o é o jeito como as pessoas olham pra eles. A sensação é de intolerância”, revelou a pesquisadora.Polliane Torres
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor:
[email protected]