06 de julho, de 2008 | 00:00

Domingo é dia de escambo

Espaço na feira do Canaã revigora prática da troca de mercadorias

Alex Ferreira


Na feira do escambo, o que vale é a saliva para negociar
IPATINGA – No dicionário Houaiss, escambo é um substantivo que designa a prática da troca de mercadorias ou serviços sem fazer uso de moeda. “Por extensão de sentido, é qualquer permuta”, completa o dicionário. Pode parecer estranho, mas escambo é justamente o que ocorre em uma parte da feira livre do bairro Canaã, aos domingos. Debaixo dos fios da rede de transmissão de energia, sem dar a mínima para o perigo, o fluxo de gente é intenso em uma das maiores feiras do município. É a área pela qual transita gente de todas as idades e classes sociais. Entre as barracas que servem alimentos, é comum encontrar fiscais da Vigilância Sanitária atentos na averiguação das condições de higiene e temperatura das estufas de alimentos.    Na diversidade da feira, um grande mercado a céu aberto, vamos nos ater àqueles que praticam o escambo. Primeiro encontramos Elias Adriano, com uma infinidade de bugigangas espalhadas sobre uma lona preta. Ele conta que utiliza o espaço democrático da feira livre do bairro Canaã há nove meses. A opção pelo comércio de quinquilharias não ocorreu por acaso. Elias conta que, após perder o emprego, viu na feira uma forma de angariar algum dinheiro. Ele oferece uma verdadeira profusão - (para alguns, confusão!) - de objetos usados. Alguns de serventia duvidosa como, por exemplo, antigas câmeras fotográficas de película. Mas aparecem compradores interessados em transformá-las em relíquia ou elemento de decoração. A diversidade em exposição chega a espantar: CDs regraváveis, baterias e carregadores de celular, tampas de caixa de luz, cabos de aparelhos de som, pedaços de tubos de PVC, conexões hidráulicas e até torneiras de metal. “Trabalho com reciclagem, mas a coleta de materiais não dá para a gente sobreviver. Então, essa feira foi a salvação”, explica. Elias conta que grande parte dos materiais que vende ou troca foi encontrada jogada pelas ruas. Enquanto fala, mostra uma torneira de metal, em bom estado de conservação, oferecida por R$ 3. “No comércio, uma torneira dessa custa mais de R$ 8. O que para alguém não prestava mais, para mim vai virar renda”, pontua.  GarantiaNewton Vieira Rios está há mais de um ano na “área do escambo” da feira do Canaã. Ele conta que decidiu vender produtos no local em uma tentativa de aumentar os rendimentos. Na feira, enfatiza, o que vale é o poder de negociação. “Essas coisas que você vê aqui foram todas trocadas. Se quiser comprar no dinheiro, melhor. Mas se preferir trocar, vamos negociar, também”, explica. Entre as mercadorias que Newton oferecia estava um ventilador de teto, peça de luxo que o vendedor, antes de colocar preço, se antecipa à pergunta sobre a funcionalidade. “Está em perfeito estado de funcionamento”, garante, engatilhando a oferta: “Vendo por R$ 20 e garanto que funciona”, reforça. O pedreiro José Alves define a área de trocas e vendas de produtos usados da feira como uma “coisa interessante”. No entendimento de Alves, a área dominada pelas bugigangas representa a oportunidade para comprar produtos que vão atender as necessidades das pessoas, com a vantagem do  preço bastante inferior ao praticado nas lojas. “Se não funcionar, a gente volta no domingo seguinte e o camarada troca na hora. Aqui não agarra, não”, explica. O pedreiro encontrou entre os produtos em exposição uma manete para videogame, que comprou por R$ 10. Na loja, a peça não sairia por menos de R$ 30.
Alex Ferreira


Edmar: tempo para a cerveja, enquanto negocia de canarinho-belga a esteira rolante
Um canário por uma galinhaMorador do bairro Veneza II, Edmar Almeida disse que vai esporadicamente à área de escambo da feira do Canaã para a venda ou troca aleatória de produtos. No domingo em que a reportagem esteve no local, Edmar exibia duas gaiolas: uma com três canários e outra com um canário, todos belgas. “Esse é macho”, garantia o dono. Mas a “vedete” de sua área improvisada era uma esteira rolante. “Estava parada lá em casa e decidi vender para arrecadar algum dinheirinho”, explicou. Enquanto aguardava alguém interessado na peça que faltava um braço e a esteira de rolagem, Edmar e mais dois amigos “descansavam” sobre a prancha da esteira duas garrafas de cerveja, que eram constantemente trocadas por garrafas cheias. “Muita gente vai ficar em forma nessa esteira, mas com a gente aqui usamos para ficar fora de forma mesmo”, brincava Edmar, ao mesmo tempo que tratava de buscar um prato de tira-gosto em uma barraca de guloseimas. Enquanto o vendedor explicava, apareciam os interessados. Um deles, apressado, queria vender uma furadeira por R$ 100. Outro, trocava um rádio e, pouco depois, apareceu a oferta de troca de um relógio de pulso pela esteira. A feira acabou, muitas cervejas tombaram sobre a esteira e nada de negócio. Faltou acordo sobre o troco ou a “volta” para compensar a permuta das peças.Com relação aos canários, a negociação acabou descambando para o humor e terminou em uma grande piada. Inicialmente, o dono queria vender os quatro pássaros “com gaiola e tudo”, por R$ 90. Por volta do meio-dia, no entanto, enquanto foi ao banheiro, alguém se aproximou e ofereceu uma galinha em troca da gaiola com o canário-belga macho. Os amigos hesitaram em topar o negócio e, assim que Edmar voltou, ao tomar conhecimento da oportunidade perdida, afirmou: “Vocês perderam a galinha? Por que não pegaram logo?” A feira chegou ao fim sem nenhum negócio, mas com a certeza de que, no domingo seguinte, estariam de volta ao escambo e prontos para vivenciar novas situações inusitadas.Alex Ferreira
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Envie seu Comentário